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MINORITÁRIOS DA PETROBRAS CONTRA O ABUSO DE PODER DA UNIÃO

O Superior Tribunal de Justiça analisou recentemente conflito de competência envolvendo tribunal arbitral e a Justiça Federal para julgar ação contra a União na condição de acionista da Petrobras. Tendo em vista a cláusula compromissória abaixo, do estatuto da Petrobras que prevê, em seu artigo 58, cláusula de arbitragem nos seguintes moldes:

"Artigo 58 — Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem, obedecidas as regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei nº 6.404, de 1976, neste Estatuto Social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso. Parágrafo único. As deliberações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem à orientação de seus negócios, nos termos do art. 238 da Lei nº 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo".

O conflito de competência se deu entre: 1) o Procedimento Arbitral nº 85/2017, apresentado pela Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social (Mudes) perante a CAM-Bovespa em face da União, com o objetivo de responsabilizar o ente público, na qualidade de acionista controlador da Petrobras, por atos de abuso de poder de controle; e 2) a Ação Declaratória nº 5009098-39.2017.4.03.6100, em trâmite na Justiça federal, de inexistência de relação jurídica apta a sujeitar a União à observância da cláusula compromissória presente no estatuto da Petrobras.

O tribunal arbitral entendeu que a cláusula compromissória presente no estatuto da Petrobras alcança o acionista majoritário, que deve figurar na ação como legitimado extraordinário, enquanto o juízo estatal consignou posição diversa.

Nesse cenário, coube ao STJ definir qual juízo é o competente para apreciar se o procedimento arbitral deve, ou não, prosseguir contra a União, evitando, assim, decisões conflitantes.

Conforme decisão publicada em 20 de setembro deste ano, o conflito foi conhecido para declarar a competência da Justiça federal no caso.

Curioso notar que, ao julgar pedido liminar no mesmo caso, em decisão de fevereiro deste ano, a ministra relatora pontuou que a Lei de Arbitragem, além de autorizar a administração pública a participar de procedimentos arbitrais (artigo 1º, §1º, da Lei 9.307/96), também estabelece a competência do árbitro para decidir questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção e/ou do contrato que contiver a cláusula compromissória (regra da kompetenz-kompetenz — artigo 8º, §1º, da Lei 9.307/96). Assim, determinou o sobrestamento do processo judicial, distribuído à 22ª Vara Federal de São Paulo, e a designação do juízo arbitral para resolver, em caráter provisório, eventuais medidas urgentes.

Porém, ao decidir definitivamente o conflito, a ministra Nancy Andrighi se baseou em entendimento diverso, firmado pela 2ª Seção do STJ, por ocasião do julgamento do Conflito de Competência 151.130/SP

Julgado em 2014 pelo STJ, o CC 111.230/DF (DJe 3/4/2014), de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, decidiu conflito entre: 1) o Procedimento Arbitral nº 75/2016, instaurado pela American International Group Retirement Plan e outros em face da União e da Petrobras, cujo objeto foi o ressarcimento dos alegados prejuízos nos ativos da companhia como consequência do impacto negativo com as investigações da denominada operação "lava jato"; e 2) a Ação Declaratória nº 002590-62.2016.4.03.6100, ajuizada pela União em face de BMF&Bovespa e outros, a fim de ver declarada a inexistência de relação jurídica que a obrigue a participar do procedimento arbitral, além da nulidade do procedimento.

A ministra Nancy Andrighi, no julgamento mais recente, entendeu que, pela similaridade entre os casos analisados, caberia decisão no mesmo sentido.

Ambas as decisões reconhecem que não restam dúvidas acerca da possibilidade da adoção da arbitragem pela Administração Pública, direta e indireta, bem como da arbitrabilidade nas relações societárias, a teor das alterações promovidas pelas Leis nº 13.129/2015 e 10.303/2001. Porém, consideraram que os referidos dispositivos legais não autorizariam a utilização e a extensão do procedimento arbitral à União na condição de acionista controladora da Petrobrás, seja em razão da ausência de lei autorizativa ou estatutária (arbitrabilidade subjetiva), seja em razão do conteúdo do pleito indenizatório que subjaz o presente conflito de competência na hipótese, o qual transcende o objeto indicado na cláusula compromissória em análise (arbitrabilidade objetiva).

Segundo a ministra relatora, nos termos da cláusula compromissória prevista no artigo 58 do estatuto da Petrobras, a adoção da arbitragem está restrita "às disputas ou controvérsias que envolvam a companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976, neste Estatuto Social".

Sob o aspecto arbitrabilidade objetiva, observou, ainda, que a utilização da arbitragem não estaria autorizada na hipótese de eventual demanda sobre responsabilidade civil extracontratual em face da União, notadamente pelo que dispõe o parágrafo único do artigo 58 do estatuto da Petrobras: "Deliberações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem a orientações de seus negócios, nos termos do artigo 238 da Lei n. 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo".

Percebe-se, portanto, que o STJ vem construindo jurisprudência relevante no que diz respeito à extensão da aplicação da cláusula compromissória, cabendo extremo cuidado na elaboração de estatutos sociais que a prevejam.