O RETORNO DA CURVA DE PHILLIPS? INFLAÇÃO, DESEMPREGO E POLÍTICA MONETÁRIA NO SÉCULO XXI
A pandemia de COVID-19 provocou transformações profundas na economia global, cujos efeitos ainda ressoam de forma intensa em diversos países. Entre os fenômenos mais marcantes, destacam-se o aumento da inflação e a consequente elevação das taxas de juros por parte de bancos centrais. Embora o impacto tenha variado entre regiões, as causas estruturais e os efeitos macroeconômicos seguiram um padrão comum — e podem ser compreendidos, em parte, à luz da Curva de Phillips.
A inflação pós-pandemia: pressões de custo e demanda
A inflação global acelerou fortemente no período pós-pandemia, resultado de uma combinação de fatores:
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Interrupções nas cadeias de suprimento: A escassez de insumos, como semicondutores e alimentos, causada por gargalos logísticos e paralisações industriais, gerou aumentos expressivos nos preços, pressionando o lado da oferta.
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Estímulos econômicos massivos: Governos e bancos centrais injetaram trilhões em suas economias por meio de pacotes fiscais e políticas monetárias expansionistas, ampliando o consumo em um momento de restrição de oferta.
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Alta nos preços de energia: O choque nos preços de petróleo, gás e carvão, acentuado pela guerra na Ucrânia, impactou os custos de produção e transporte globalmente.
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Mudanças no padrão de consumo: A migração do consumo de serviços para bens intensificou a pressão inflacionária em setores específicos.
A curva de Phillips no contexto atual
A Curva de Phillips, tradicionalmente, descreve uma relação inversa de curto prazo entre desemprego e inflação — ou seja, quando o desemprego cai, a inflação tende a subir, e vice-versa. Esse princípio voltou ao centro do debate econômico global no pós-pandemia.
Com a reabertura das economias e a retomada da atividade produtiva, observou-se uma queda gradual nas taxas de desemprego em diversos países. Contudo, esse movimento foi acompanhado por uma escalada nos níveis de preços — confirmando, ao menos inicialmente, a dinâmica prevista pela Curva de Phillips. Entretanto, o contexto pós-COVID adicionou complexidade ao modelo: choques de oferta, inflação importada e efeitos geopolíticos influenciaram os preços de forma independente do nível de emprego, o que reacendeu o debate sobre a aplicabilidade da curva como instrumento preditivo.
A reação dos bancos centrais: elevação das taxas de juros
Frente à inflação persistente, os bancos centrais adotaram uma política monetária contracionista:
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Estados Unidos (Federal Reserve): Iniciou, em 2022, um ciclo agressivo de elevação das taxas de juros, que passaram de quase 0% para mais de 5% em pouco mais de um ano.
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Zona do Euro (Banco Central Europeu): Também promoveu sucessivos aumentos, especialmente em resposta à inflação energética.
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Economias emergentes: Países como Brasil e México saíram na frente, ajustando juros mais cedo para conter a inflação e manter a atratividade de capitais estrangeiros.
Essa reação reforça a tentativa de reposicionar a economia em um novo ponto de equilíbrio — como propõe a Curva de Phillips — reduzindo a demanda agregada e, consequentemente, aliviando as pressões inflacionárias, mesmo ao custo de uma desaceleração do crescimento e possível aumento do desemprego.
Efeitos colaterais e riscos associados
A alta generalizada das taxas de juros produziu efeitos relevantes:
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Redução da demanda e desaceleração do PIB
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Pressão sobre moedas de mercados emergentes, devido à valorização do dólar
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Risco de recessão, à medida que o crédito encarece e os investimentos recuam
Perspectiva atual
Apesar de sinais de desaceleração da inflação em 2023 e 2024, ela ainda permanece acima das metas de muitos bancos centrais. A política monetária segue restritiva, com cautela redobrada quanto à possibilidade de uma nova onda inflacionária.
A pandemia revelou vulnerabilidades estruturais das economias e ressuscitou a importância da Curva de Phillips como uma lente de análise — ainda que limitada — para entender os dilemas entre controle inflacionário e manutenção do emprego. No cenário atual, o desafio está em buscar equilíbrio entre estabilidade de preços e estímulo à atividade, em um mundo mais interconectado, volátil e incerto.