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A PARIDADE DE GÊNERO E AS ELEIÇÕES GERAIS DE 2022

A capacidade eleitoral se desdobra no direito de votar (capacidade eleitoral ativa) e no direito de ser votado (capacidade eleitoral passiva).

Estudo realizado pela Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), em 2017, colocou o Brasil na 154ª posição de participação feminina no Congresso Nacional, em um universo de 174 países.

É indiscutível, portanto, que o Brasil é um dos países com maior desigualdade de gênero na política. A título de exemplo, há somente 15% de mulheres ocupando assentos na Câmara Federal, enquanto Ruanda, Cuba, Bolívia e Emirados Árabes Unidos contam com 50% ou mais de mulheres no Parlamento.

Enquanto isso, nossas vizinhas bolivianas e chilenas vivem a realização do sonho da paridade. Na Bolívia, as mulheres conquistaram a maioria das vagas para o Senado e praticamente a metade na Câmara Baixa. Já o Chile será o primeiro país a contar com uma assembleia constituinte formada, de maneira igualitária, por homens e mulheres.

Entretanto, as mulheres são, hoje, 52% do eleitorado do país.

Seria simplista afirmar que os baixos índices de participação se devem ao desinteresse feminino pela política, quando mais e mais mulheres ocupam cargos de destaque nas mais diversas áreas profissionais.

O reconhecimento de que a desigualdade de gênero era uma realidade palpável se deu, formalmente, através da Lei nº 9.100/1995, que estabeleceu que 20%, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por candidaturas de mulheres. No ano de 1996, quando o Brasil começou a adotar as políticas de cotas, o percentual de vereadoras ficou pouco acima de 10% e o de prefeitas, em torno de 5%, o que, evidentemente, continuou sendo irrisório.

Mais tarde, a Lei nº 12.034/2009 elevou esse percentual para 30%.

Ocorre que o sistema de cotas, nos moldes em que foi previsto, não resolveu o problema. Primeiro, porque não foi criada qualquer sanção legal ao partido que não as cumprisse. Segundo, porque nenhum estímulo foi concedido à participação feminina, no seio das agremiações partidárias. Pelo contrário, num universo predominantemente masculino, seria previsível, como o é, que as mulheres encontrassem dificuldades para se impor.

Não bastasse, até os anos de 2012/2013 o Tribunal Superior Eleitoral entendia que, inscritas candidatas mulheres dentro do percentual previsto em lei, se posteriormente renunciassem ao registro e, no momento da formalização das suas renúncias, já houvesse sido ultrapassado o prazo para substituição das candidaturas — previsto no artigo 13, §3º, da Lei nº 9.504/97 —, não poderia o partido ser penalizado. Considerou-se, em especial, para tanto, que não haveria possibilidade jurídica de serem apresentadas substitutas, de modo a readequar os percentuais legais de gênero (vide a respeito REspe nº 21.498 e REspe nº 107.079).

Desse modo, o registro de candidatas "laranjas", apenas com o fito de preencher o percentual de 30%, tornou-se comum. A maioria sequer tinha propostas, prioridades ou planejamento para atuação, caso eleitas, sendo apenas números para cumprir requisitos legais.

Em setembro de 2019, entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), julgando o Recurso Especial nº 193-02, originário de Valença (PI), decidiu que a geração de candidaturas fictícias de mulheres para preencher a cota feminina na formação da chapa constituía fraude eleitoral, determinando a cassação indiscriminada dos candidatos eleitos pela coligação. A relatoria desse voto, que foi um divisor de águas, competiu à ministra Rosa Weber.

Ao lado desse, outros problemas, porém, continuam existindo. A Lei nº 13.165, de 2015, introduziu alterações na Lei dos Partidos Políticos, dispondo que pelo menos 5% dos recursos do fundo partidário deveriam ser aplicados na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Porém, esses recursos poderiam ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, para aplicação em futuras campanhas eleitorais de candidatas, o que já constituiu, por si só, uma burla na pretensa promoção de candidaturas femininas.

A mesma lei determinou que a propaganda partidária gratuita, no rádio e na televisão, deveria dedicar às mulheres pelo menos 10% dos programas e inserções em cadeia nacional a cada semestre.

As candidaturas femininas nunca chegaram nem perto de serem colocadas em situação de paridade com as masculinas, às quais coube, e continua cabendo, 90% dos programas e inserções em cadeia nacional e 95% dos recursos do Fundo Partidário.

Para incentivar e apoiar a participação feminina, inicialmente, é necessário que o percentual atribuído às cotas seja também utilizado na aplicação dos recursos do Fundo Partidário, para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, assim como nos programas e inserções partidárias a cada semestre.

Entre as possíveis soluções para tornar efetiva a necessária paridade de gêneros assoma, como viável, assegurar a reserva de cotas nos diretórios nacionais, estaduais e municipais das agremiações partidárias. Substituir as cotas de candidaturas por cotas de representação, tanto nos Legislativos quanto na direção dos partidos, igualmente se revela como uma medida extremamente eficaz na busca pela igualdade.

A criação de punições para os partidos e coligações que desobedecerem os ditames legais e uma fiscalização eficaz da aplicação dos recursos do Fundo Partidário também se mostra indispensável.

Se assim não for, e no passo em que hoje andamos, serão necessários mais de 50 anos para que a paridade de gêneros, nas diversas esferas do Legislativo e do Executivo, seja alcançada.