OBRIGATORIEDADE DE AFASTAMENTO DA EMPREGADA GESTANTE: QUEM PAGA A CONTA?
Nesta quinta-feira (13/5) foi publicada a Lei nº 14.151, de 12 de maio, que dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus.
A lei, que possui apenas dois artigos, dispõe logo em seu artigo 1º que "durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração".
O parágrafo único do artigo 1º, por sua vez, prevê que "a empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância".
Tão logo publicada, as discussões sobre a nova lei tomaram invadiram a pauta dos grupos de WhatsApp e redes sociais, tendo em vista as inúmeras controvérsias interpretativas decorrentes da sua lacunosidade. Longe de pretender trazer uma resposta definitiva para cada um dos questionamentos que se apresentarão a seguir, o objetivo do presente texto é apresentar opções hermenêuticas e soluções práticas que, segundo os autores, apresentam menores riscos aos empregados e empregadores.
Para melhor compreensão do tema, o texto passa a apresentar as principais hipóteses fáticas suscetíveis de questionamentos e controvérsias. Quando as atividades e tarefas da empregada afastada puderem ser realizadas em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, não há dúvidas de que o empregador deverá mesmo afastar a empregada gestante, que ficará à sua disposição e, portanto, com direito à remuneração custeada pelo próprio empregador.
A solução legislativa, a propósito, está em consonância com o disposto no artigo 392, §4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que garante à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos, a transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho.
Mesmo sendo possível o exercício do trabalho remoto, questiona-se se nessa hipótese, qual seja, a possibilidade de realização do trabalho a distância, pode a empregada firmar com o empregador algumas das medidas das MP’s nº. 1.045 e 1.046 de 2021, tais como redução de jornada e salário ou suspensão do contrato, antecipação de férias e banco de horas.
Em princípio, é preciso observar que a Lei n.º 14.151 é norma especial em relação às citadas medidas provisórias (MPs), sendo que esta só poderá ser aplicada em caso de compatibilidade normativa.
Dito isso, a possiblidade de redução da jornada e salário prevista na MP é razoável e aplicável às situações específicas que não confrontem o espírito da nova lei, que é imperativa no sentido de que não poderá haver prejuízo da remuneração da empregada, sobretudo quando o empregador pode promover a adaptação razoável consistente no regime de trabalho remoto e assemelhados, pois deve ser essa a solução prioritária e que oferece menores riscos aos empregadores e, ao mesmo tempo, preserva o patamar remuneratório da empregada.
As razões da norma demonstram que a preocupação do legislador é no sentido de evitar qualquer exposição da gestante ao risco de contágio garantindo, portanto, seu não deslocamento ou, então, realização de atividades presenciais e, dessa forma, bastante razoável que se compreenda possível o manejo das técnicas indicadas pelas Medidas Provisórias 1.045 e 1.046 de 2021, cumulativas com o espírito da Lei 14.151, aliás.
A partir do momento em que o legislador reconhece que o estado gravídico é uma condição de risco, atrai para o Estado o ônus de proteger referido grupo vulnerável e, para que tal se concretize, oferece, ainda, ferramentas adotáveis pelos empregador, quando possíveis à luz de suas dificuldades e limitações (banco de horas, antecipação de férias, licença remunerada, redução proporcional de jornada e salário e suspensão do contrato de trabalho), e, na hipótese do não cabimento latente, resta que se trata de uma das modalidades que dão azo ao pagamento do auxílio para incapacidade temporária (doença) pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Outrossim, reside também controvérsia nas hipóteses em que as atividades e tarefas da empregada gestante não puderem ser realizadas em seu domicílio, como se dá, por exemplo, com empregadas domésticas, zeladoras, porteiras, enfermeiras, médicas, trabalhadoras do comércio ou em atividades essenciais de atendimento ao público (reparo e manutenção de celulares, restaurantes, padarias, lanchonetes e mercados) e tantas outras tarefas aqui não listadas.
Nessas situações, em primeiro plano poderão as partes, de comum acordo, adotar as medidas previstas na MP nº 1.045, consistentes na redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; ou na suspensão temporária do contrato de trabalho, sendo ideal que, em ambas as hipóteses, seja preservada a remuneração integral da empregada, com seus reflexos; caso tal não seja possível sob o prisma da transparência e boa-fé, razoável o acesso ao benefício emergencial e à garantia de emprego provisória, além da própria manutenção do posto de trabalho frente ao cenário de convergência atípica imposto pela pandemia.
Ademais, é possível ainda, do ponto de vista do risco empresarial, que os empregadores encaminhem as empregadas gestantes para a Previdência Social conforme já antes exposto, mas continuem pagando a remuneração e aguardem a resposta do INSS, que possivelmente será negativa. Vale lembrar que, sobre eventual alegação de que não há prévia fonte de custeio (artigo 195, §5º, da CRFB/88), o Supremo Tribunal Federal já decidiu que essa ausência de previsão de fonte de custeio não foi óbice para extensão do prazo de licença à adotante (RE 778.889, Relator(a): ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10/3/2016).
De igual modo, já decidiu que a ausência de fonte de custeio também não é óbice a demandas de assistência médico-farmacêutica e para a extensão da licença-maternidade e do salário-maternidade nos casos de alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no artigo 392, §2º, da CLT (ADI 6327, relator(a): Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 3/4/2020, publicação em 19/6/2020).
Assim, em caso de negativa do INSS, recomenda-se que as empresas continuem pagando a remuneração para evitar que a empregada fique no limbo em um momento de tamanha vulnerabilidade. Mas podem imediatamente adotar medidas judiciais cabíveis para que o Estado seja declarado o responsável por tais parcelas (o que poderá ser feito mediante compensação tributária no futuro).
Assim se argumenta, com base em dois fundamentos. Em primeiro lugar, com fulcro no artigo 394-A, §3º, da CLT, aplicado por analogia, que trata do afastamento da empregada gestante, sem prejuízo de sua remuneração, das atividades consideradas insalubres. Segundo o texto legal, "quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento".
Em segundo lugar, o artigo 4°, item 8, da Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada ao ordenamento jurídico interno por meio do Decreto n. 58.820, de 14.7.66, prevê que "em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega". Vale lembrar que as convenções da OIT, por se consubstanciarem em tratados de direitos humanos, possuem status normativo supralegal. (RE 466343, relator(a): Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 3/12/2008, Repercussão Geral, publicação 5/6/2009)
Dessa forma, é razoável afirmar que a lei apesar dos seus apenas dois artigos oferece uma gama de desafios consideráveis tanto pela relevância do assunto e do bem jurídico protegido como também e, ainda, na lógica de entender que é do Estado o dever central não só dos guias de enfretamento da pandemia mas, ainda, da proteção previdenciária estendida aos grupos vulneráveis como aqui na hipótese das gestantes, assim definidas.