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A LEI 14.151/21 E O AFASTAMENTO DO TRABALHO DA EMPREGADA GESTANTE

No contexto do chamado Direito do Trabalho Emergencial, eis que surge a novel Lei 14.151/21, que dispõe:

"Artigo 1º — Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Artigo 2º 
— Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação".

Tal lei tem por objetivo primordial afastar a empregada gestante do trabalho presencial, resguardando sua fonte de renda, observando orientações da OMS e do Conselho Nacional de Saúde (Recomendação 20, de abril de 2020) sobre os grupos de risco.

A lei faculta a adoção do teletrabalho, trabalho a domicílio ou alguma outra forma de trabalho remoto. O novo diploma legal não faz menção às medidas emergenciais das MPs 1045 e 1046, suscitando dúvidas sobre sua compatibilidade sistemática.

A MP 1046 traz medidas que permitem a preservação integral da remuneração sem trabalho, como a antecipação de períodos futuros de férias e o banco de horas negativo (compensação futura da ausência de trabalho), não se verificando incompatibilidade alguma com a nova lei. Por outro lado, o saldo a ser compensado ou futuramente descontado da empregada gestante pode ser elevado a ponto de tornar inexequíveis tais medidas (imagine-se a gestante com dois meses de gestação, afastando-se com férias antecipadas até o parto, sete meses depois, seriam sete períodos aquisitivos de férias a serem compensados).

Baseando-se na interpretação gramatical (a lei impõe a preservação da remuneração), no princípio in dubio pro operario (adoção da interpretação mais favorável ao empregado) e no critério cronológico de solução de antinomias (lei posterior revoga lei anterior), surge corrente que sustenta que a Lei 14.151/21 revogou o artigo 13 da MP 1045, que autoriza a suspensão contratual e a redução de salário e jornada da gestante, até a data da eclosão de sua licença maternidade.

Respeitosamente, divirjo desse entendimento. Segundo o artigo 5º da LINDB, as normas devem ser interpretadas e aplicadas de acordo com seus fins sociais e o bem comum. Toda a legislação trabalhista em tempos de pandemia se volta ao delicado equilíbrio de preservação de emprego, renda, e empresas, e com esse raciocínio não se coaduna a tese que impõe ao empregador conceder licença integralmente remunerada, sem trabalho e sem auxílio governamental.

Convém destacar a previsão da Convenção 103 da OIT, ratificada pelo Brasil, no sentido de que cabe ao Estado, e jamais ao empregador, arcar com os custos sociais da proteção à maternidade. Nesse sentido, se a intenção do legislador era elastecer a proteção à maternidade neste momento pandêmico, deveria prever o custeio direto ou indireto pela previdência social, como já ocorre hoje com o salário maternidade, pago pelo empregador e deduzido posteriormente de suas contribuições sociais, ou pago diretamente pelo INSS em se tratando de empregada doméstica ou adotante.

Nem todo trabalho é compatível com formas remotas de execução.

Conforme MP 1045, ainda que de forma não integral, a fonte de renda dos trabalhadores submetidos à medida de suspensão contratual é preservada pelo benefício emergencial e por uma ajuda de custo indenizatória paga pelo empregador, que se torna obrigatória para empresas que auferiram faturamento superior a R$ 4,8 milhões em 2019, na base de 30% da remuneração do empregado.

A interpretação que afasta a possibilidade de suspensão contratual das gestantes, no limite, revela-se violadora do princípio da isonomia (CF, artigo 5º, caput), e por isso inconstitucional, na medida em que outros trabalhadores dos grupos de risco (lactantes, idosos, portadores de doenças respiratórias ou que gerem imunodeficiência) continuam a se submeter a tal programa.

Ainda, essa interpretação, sob pretexto de ser mais benéfica, vai implicar discriminação reflexa das trabalhadoras gestantes e do sexo feminino.

Ainda que se admita a tese de incompatibilidade entre a nova lei e a suspensão contratual da MP 1045, devem ser preservados até seu termo final, como válidos e eficazes, os acordos individuais e coletivos já celebrados sobre tais suspensões. Do contrário, sustentar a ineficácia imediata de tais pactos equivaleria a despir o ato jurídico perfeito de sua proteção constitucional (CF, artigo 5º, XXXVI).

Em conclusão, entendo que, não sendo possível o teletrabalho, a empregada gestante pode, sim, por acordo individual ou coletivo, submeter-se à suspensão contratual, com percepção do benefício emergencial e eventual ajuda de custo, mesmo na vigência da atual Lei 14.151/21.