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STF ABRE POSSIBILIDADES PARA O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

O sistema de precedentes brasileiro é, com maior ou menos grau de satisfação doutrinária, uma realidade. Uma realidade, porém, em construção: após a primeira etapa, de delineio legislativo de instrumentos bem estruturados e coesos, cabe à prática responder indagações que o legislador não podia antever. Nada mais normal: do law-on-the-books para o law-in-action — eis o caminhar jurídico que nos comove.

Recentemente, o ministro Luiz Fux, enquanto presidente do Supremo Tribunal Federal, proferiu decisões de enorme relevância para o funcionamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, instrumento dos mais celebrados e analisados do Código de Processo Civil [1]. De fato, o dia a dia vai dando contornos próprios ao instituto, para além daqueles esmiuçados pela lei.

Embora o STF não trabalhe ordinariamente com o IRDR, a extensão nacional de sua jurisdição exige que a corte se manifeste sobre pontos importantes da dinâmica do microssistema de precedentes. Destacam-se dois pontos, alvos da manifestação do presidente: a suspensão nacional dos processos e o recurso extraordinário contra a decisão final do incidente no tribunal local.

Quanto à extensão da suspensão, encontra-se, no tratamento do Código, a previsão de que os legitimados para a instauração do IRDR possam requerer, após a determinação de sobrestamento pelo tribunal local dos processos em curso, nos juízos subordinados à sua competência (isto é, daquele estado/Distrito Federal ou região judiciária), o alargamento para todos as causas em trâmite no território nacional (artigo 982, §3º). Igual faculdade é conferida às partes de processos sobre a mesma matéria que corram fora desses limites territoriais (artigo 982, §4º). Quando o tema objeto do incidente for constitucional, o pedido deve se dirigir ao Supremo Tribunal Federal, cabendo ao seu presidente manifestar-se, inicialmente.

No caso em questão (SIRDR 14), o debate recaía sobre a retroatividade do Enunciado nº 17 da súmula vinculante, que define a incidência de juros de mora sobre precatórios apenas após o prazo previsto no atual artigo 100, §5º, da Constituição Federal (até o final do exercício seguinte àquele em que apresentado o precatório para pagamento, desde que isso suceda até dia primeiro de julho), para aqueles expedidos anteriormente à edição do verbete (10/11/2009). O pedido da parte — município de São Paulo — era que se suspendessem os processos que versassem sobre o tema, o que significa a paralisação de milhares de ações, tão somente em razão da parcela relativa ao período em discussão.

Naturalmente, o acolhimento do pleito se revelaria excessivo e desproporcional, penalizando os particulares que detinham direito líquido e certo à satisfação dos valores, controversos ou não. De outro lado, a decisão negativa levaria ao possível cenário de pagamento de montantes milionários a título de juros de mora de tais períodos, possivelmente depois entendidos como indevidos — como, aliás, indica o entendimento do próprio STF —, com a laboriosa reversibilidade aí envolvida.

A solução encontrada pelo ministro Fux foi certeira: decidiu o presidente por suspender apenas certos atos processuais, quais sejam, os de pagamento dos juros moratórios no período em discussão. A opção já havia sido ventilada por algumas vozes na doutrina [2], timidamente, mas sem impactantes acompanhamentos jurisprudenciais. Com efeito, a melhor saída para os tribunais pode ser a opção pelo meio-termo, como o sobrestamento apenas de processos em determinada fase (probatória, decisória, executiva). Caberá aos julgadores dos incidentes defini-lo, adequadamente ao tema sub judice.

A segunda decisão recente se refere ao recurso contra o acórdão final do IRDR (RE 1307386, Tema 1.141 de repercussão geral). Determinada pelo tribunal a quo a interpretação da norma, com fixação de tese, podem os interessados recorrer para o Supremo Tribunal Federal, se a questão jurídica for de natureza constitucional, ou para o Superior Tribunal de Justiça, se ostentar natureza legal (artigo 987). A lei processual não diz muito mais.

No caso concreto, definiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que "é lícita a divulgação por provedor de aplicações de internet de conteúdos de processos judiciais, em andamento ou findos, que não tramitem em segredo de justiça, e nem exista obrigação jurídica de removê-los da rede mundial de computadores, bem como a atividade realizada por provedor de buscas que remeta aquele". A questão peculiar é a seguinte: o recurso partiu da parte que saiu "vitoriosa" do incidente, ou seja, daquela que teve sua visão jurídica sobre a questão acolhida. Em razão disso, ressoava questionável a existência de interesse recursal.

No entanto, o ministro presidente realizou leitura moderna de tal pressuposto de admissibilidade da insurgência, relendo a necessidade e a adequação à luz dos efeitos da formação de um precedente, no que foi acompanhado pela maioria do colegiado no plenário virtual. Em linhas simples: haveria uma especial sucumbência do recorrente, que preferia ter a seu favor um entendimento vinculativo para todo o Judiciário pátrio, não somente na Justiça estadual. Além disso, destacou-se que negar admissão ao recurso extraordinário significaria adiar a solução definitiva do conflito hermenêutico e estimular a interposição de recursos extraordinários em diversos casos concretos nos quais se aplicasse a tese fixada localmente.

Esses dois pronunciamentos nascem, como se disse, de interrogações práticas, não antevistas pelo legislador, às quais deve dar resposta o Judiciário, ante sua inafastabilidade. A certeza que decorre das decisões brevemente abordadas é de que o Supremo Tribunal Federal busca potencializar o funcionamento do sistema de precedentes e aperfeiçoá-lo, com os olhos postos na isonomia e na segurança jurídica prometidas pelo constituinte.