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JUSTIÇA PODE IMPOR MULTA PARA COAGIR EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS, DIZ STJ

Na vigência do Código de Processo Civil de 2015, é possível ao Judiciário impor às partes multa periódica coercitiva para exibição de documentos ou coisa, conforme previsão do parágrafo único do artigo 400.

Processo contemporâneo impõe equilíbrio entre presunção de veracidade dos fatos e a adoção de medidas coercitivas, disse ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Sergio Amaral

Esse entendimento foi alcançado por unanimidade pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que na tarde desta quarta-feira (26/5) definiu tese em recursos repetitivos para impor mudança radical na jurisprudência sobre o tema.

Enquanto esteve em vigor o Código de Processo Civil de 1973, o entendimento era oposto e estava explicitado na Súmula 372 do STJ: Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.

Restava às partes recorrer à busca e apreensão desse documento ou coisa, ou contar com a presunção de veracidade os fatos que se pretendia provar por meio do documento, conforme o artigo 359 daquele CPC.

O novo entendimento foi construído a partir da noção de que o processo judicial contemporâneo deve se orientar pela busca da verdade judicial, o que impõe a busca por um ponto de equilíbrio entre a presunção de veracidade dos fatos e a possibilidade de adoção de medidas indutivas coercitivas para exibição de documento ou coisa.

Assim, ainda que o parágrafo único do artigo 400 do CPC/2015 não preveja expressamente  a imposição de multa cominatória, ela é possível porque trata-se de uma espécie do gênero "medidas coercitivas".

A tese fixada foi: desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibida, apurada em contraditório prévio (artigo 398 caput), poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no artigo 400, parágrafo único do CPC/2015.

CPC de 2015 torna inadmissível a ocultação ou a não apresentação injustificada de documento, disse ministra Nancy Andrighi
Gustavo Lima/STJ

Dever de cooperar
A tese foi fixada após amplo debate sobre seu alcance. Em suma, os ministros seguiram à unanimidade o voto do relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, com os acréscimos feitos pela ministra Nancy Andrighi em voto-vista apresentado nesta quarta.

A ideia é que a adoção de medidas elencadas no parágrafo único do artigo 400 do CPC/2015 decorre do dever de cooperação insculpido no artigo 6º do mesmo código, e que não pode ser afastado pela regra do artigo 379, a qual prevê apenas o direito de não produzir prova contra si em matéria penal.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, não faz sentido que o juiz, para dobrar a renitência da parte, que é quem deveria exibir o documento ou a coisa, precise adotar uma medida coercitiva mais gravosa do que a multa periódica, pelo simples fato de não haver menção desta medida coercitiva específica no artigo 400.

"O modelo processual de 2015 confere claramente maior importância à ampla e exauriente elucidação dos fatos e busca pela verdade, objetivo que deve ser atingido mediante cooperação de todas as partes, o que torna inadmissível, à luz da boa-fé objetiva, a ocultação ou a não apresentação injustificada de documento ou coisa e, de modo geral, a própria inercia ou omissão em matéria instrutória", avaliou a ministra.

Votaram com o relator, além da ministra Nancy, os ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Luís Felipe Salomão e Raul Araújo.

Ministro Raul Araújo chamou atenção para necessidade de coibir a criação de uma indústria da multa cominatória
Lucas Pricken 

Indústria da multa 
A fixação da tese ainda passou por cuidadosa escolha de palavras de modo a evitar que a possibilidade de fixar multa para exibição de documentos leve à criação, nas palavras do ministro Raul Araújo, de uma "indústria da multa".

Seria o caso de partes no processo pedirem obrigações impossíveis: documentos que não existem porque elas não possuem relação jurídica ou em razão do decurso do tempo e de perecimento. O ministro Raul chegou a propor que a certeza da existência do documento fosse um pressuposto para fixação da multa.

No voto-vista, a ministra Nancy apontou que isso não seria adequado porque reduziria drasticamente a eficácia e o campo de atuação desta técnica apenas às hipóteses em que a própria parte, a quem caberia a exibição de documento ou coisa, confessasse sua existência. Ela propôs a adoção de critérios com base em três critérios.

  • Se for improvável a existência de relação jurídica entre as partes deverá ser indeferido o pedido de exibição de documentos.
  • Se essa relação for provável, mas a existência do documento se mostrar improvável, poderá o juiz aplicar a presunção de veracidade do que se pretendia comprovar.
  • Se for provável a existência de relação entre partes e também do documento ou coisa, poderá o juiz determinar sua exibição sob pena de medida coercitiva, com base no artigo 400, parágrafo único do CPC/2015.

Já o ministro Paulo de Tarso Sanseverino já havia indicado que há mecanismos de controle próprios do sistema de justiça para evitar o descontrole da imposição de multas, como o prévio requerimento na via administrativa ou a condenação do autor nas verbas sucumbenciais com base na causalidade.

A ministra Nancy Andrighi ainda apontou o desejo de que a tese fixada pela 2ª Seção contribua para a criação de uma “cultura moderna, ampla e apropriada de guarda de documentos”, especialmente porque será aplicada em inúmeros setores e segmentos da economia e da sociedade.