O POTENCIAL DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA RESPONSABILIZAÇÃO DE JOVENS INFRATORES
O presente trabalho tem por escopo explorar uma nova abordagem para o enfrentamento dos atos infracionais e apresentar os benefícios trazidos pelo paradigma restaurativo às vítimas e aos ofensores diretos e indiretos do mal praticado, através da concepção de uma Justiça mais humanitária, consensual, participativa, reparadora e reintegradora, com enfoque no reconhecimento e no atendimento das demandas de todos os envolvidos no conflito, a qual se mostra efetiva no sentido de proteger e viabilizar a reintegração social do jovem infrator.
Para atestar a relevância da temática abordada, analisar-se-ão as problemáticas relacionadas à perspectiva vingativa-punitiva adotada pelo sistema penal clássico, segundo a qual se concretiza a Justiça na imposição de uma represália em decorrência da prática de ato contrário à lei, tendo como enfoque a identificação do sujeito transgressor e sua punição, consumando a frase "do mal do delito pelo mal da pena" [1], na qual o excessivo rigor normativo, a seletividade da Justiça, a reincidência criminal e, sobretudo, a inadequada e desproporcional resposta estatal se mostram constantemente presentes.
Outro ponto de relevante destaque reside na ineficácia da responsabilização promovida através da lógica retributiva clássica, haja vista que o transgressor, por não participar ativamente do processo, não toma consciência do mal praticado e dos danos sobrevindos à vítima em virtude da empreitada delituosa. Fato que, associado à incompreensão das razões que o motivaram a praticar o ato infracional, termina por resultar no sentimento de irresponsabilidade do infrator e na consequente reiteração delitiva.
Além disso, necessário se faz ressaltar a fundamentalidade da participação da família e da comunidade no processo de reinserção social do jovem infrator, levando em conta a condição peculiar de desenvolvimento físico e psíquico em que se encontra. Tal conjuntura demanda medidas pedagógicas e de proteção de todos os envolvidos no conflito e no processo de responsabilização, objetivando a compreensão e a superação dos fatores de vulnerabilidade pessoal e social que motivaram o infrator a praticar a transgressão [2], de modo a possibilitar a sua efetiva reintegração na sociedade com o auxílio daqueles com quem ele convive, atenuando a incidência do estigma e da marginalização.
Existem muitas críticas quanto à eficácia das medidas socioeducativas, uma vez que, apesar de, em seu cerne, terem finalidade pedagógica, atuam como uma punição ao jovem infrator. Os processos aos quais o adolescente é submetido na Justiça juvenil são rápidos e sem muitas oportunidades de efetiva defesa, chegando o processo à fase executória em uma média de dois meses contados da data da prática do ato infracional.
Importante, ainda, pôr em relevo que esse procedimento tem como protagonistas o defensor público, o Ministério Público e o juízo, sem atuação relevante do próprio infrator, sua família, comunidade e vítima(s).
Como dito, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem o escopo de, através de medidas de cunho pedagógico-protetivo, reinserir o adolescente à sociedade com conhecimento acerca da importância do respeito pela pessoa do outro.
Todavia, da maneira como se dá o processo na Justiça juvenil comum, os jovens acabam sendo vítimas de descaso, apesar do objetivo do Estado ser o de proteger o adolescente, educando-o e fornecendo oportunidades para que ele seja reinserido na sociedade de forma rápida e eficiente. Em decorrência disso, a reincidência ainda permanece uma constante no caso de adolescentes em conflito com a lei, os quais tornam a praticar atos infracionais e ilícitos penais (depois de atingida a maioridade), restando, portanto, infrutífera a reeducação almejada.
Diante do atual modelo criminal e das críticas atribuídas a ele, faz-se necessária a busca por outras soluções que possam viabilizar a responsabilização e, também, a ressocialização do jovem infrator, para que este possa ser devolvido à sociedade de maneira eficaz, sem que volte a delinquir. Nota-se, então, que a Justiça tradicional parece carecer de auxílio para atingir resultados positivos no que se refere à redução da violência e dos índices de reincidência.
Em um cenário onde a aplicação de medidas socioeducativas se mostra insuficiente para impedir a reincidência do jovem infrator e no qual praticamente inexiste a participação dos ofendidos durante o processo, não se vislumbra a construção de criticidade eficaz capaz de evitar a volta à criminalidade, surgindo a via da Justiça restaurativa como uma alternativa mais incisiva e duradoura na ressocialização juvenil.
A utilização dos mecanismos restaurativos possibilita uma solução analítica, aberta e cidadã, pois o contato do jovem com a vítima cria um local de reflexão acerca dos atos ilícitos cometidos, possibilitando a resolução do litígio de forma não punitiva, mas, sim, reflexiva. Além disso, proporciona a reconstrução da cidadania do adolescente, o resgate de valores, a vivência em sociedade e a autorreflexão, por meio de valores restaurativos.
Vê-se, então, que a Justiça restaurativa atua como uma Justiça com lentes mais democráticas, participativas, humanitárias, reparadoras e reintegrativas, diminuindo, dessa forma, a reparação através da repressão ou punição. A criação do diálogo entre adolescente e vítima promove a formação de criticidade acerca do ato infracional praticado, objetivo das medidas socioeducativas, sendo estabelecido de forma muito mais poderosa do que em um processo em que o adolescente, sua família, comunidade e vítima(s) não têm voz.
Assim, em vista do exposto, pode-se concluir que a Justiça restaurativa consiste em uma hipótese promissora para a restauração de jovens em situação irregular e de risco, posto que, no cerne do paradigma restaurativo, existem três fases elementares: deixar as decisões-chave nas mãos dos mais afetados pelos crimes/atos infracionais; tornar a Justiça mais curativa e, idealmente, mais transformadora; e reduzir a probabilidade de futuras reincidências [3]. Isso se dá devido ao princípio da proteção integral, com a finalidade de não somente restaurar o jovem infrator, mas também de diminuir os índices de infração e reincidência juvenil.