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STJ APLICA INSIGNIFICÂNCIA A RÉU QUE FURTOU R$ 4 EM COMIDA E FAZ APELO JURISPRUDENCIAL

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça separou um momento da sessão de julgamento desta terça-feira (1º/6) para, colegiadamente, aplicar o princípio da insignificância no caso de um réu condenado pelas instâncias ordinárias pelo furto de dois filés de frango empanados, cujo valor total soma R$ 4. A decisão foi unânime.

Está se utilizando o sistema de Justiça Criminal para perseguir quem furtou R$ 4 de alimentos, criticou ministro Schietti
Sandra Fado

Relator, o ministro Rogerio Schietti apontou que o caso poderia ser definido monocraticamente, mas preferiu levar à sessão por videoconferência para dar visibilidade. "Está-se utilizando o sistema de Justiça Criminal para perseguir quem furtou R$ 4 de alimentos, que representam 0,5% do salário mínimo à época", disse.

Ele destacou que o réu tem algumas anotações na folha criminal, porém nenhuma delas indica condenação ou processo em curso por crime patrimonial. A jurisprudência do STJ indica que é possível aplicar a insignificância quando o valor do bem furtado não ultrapassar 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos.

"É mais um caso de insignificância penal da conduta que infelizmente chega a esta corte", apontou o relator. O processo sensibilizou os ministros porque a denúncia foi recebida pela primeira instância e mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Com o resultado, a ação é trancada.

"Esse caso é chocante", reconheceu o subprocurador da República Domingos Sávio Dresch da Silveira, que atua na 6ª Turma "Fui ao processo e fiquei constrangido. Enquanto membro do Ministério Público, quero expressar profundo constrangimento que a instituição não tenha, em termo nacional, se organizado para criar uma consciência mínima de prioridade na persecução penal", acrescentou.

Dizer que essa política que estamos adotando diminui a criminalidade é brincadeira, disse ministro Sebastião Reis
Lucas Pricken/STJ

O ministro Sebastião Reis Júnior aproveitou o tema para fazer um desabafo. Citou o crescimento do volume de casos enfrentados pela 3ª Seção do STJ, que julga matéria penal, que de 84,2 mil recebidos em 2017 passou a 124 mil em 2020. Para 2021, a previsão é de até 131 mil processos.

"Onde já se viu essa quantidade de questões que temos que julgar porque os tribunais se recusam a aplicar nossos entendimentos?", indagou. Criticou, ainda, o clima punitivista que se manifesta em discussões legislativas como a registrada na segunda-feira, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a tramitação de projeto de lei que aumenta o tempo máximo da pena de 40 para 50 anos.

"Não vejo discussão sobre ressocialização, sobre prevenção. Só vejo discussão sobre criar novos crimes, aumentar pena. Estamos vivendo num mundo completamente fora da realidade", disse o ministro Sebastião Reis Júnior.

"Dizer que essa política que estamos adotando diminui a criminalidade é brincadeira. Dizer que comportamento de nós todos — esses atores do processo — está diminuindo a criminalidade é brincadeira. Estamos num caminho completamente equivocado e complemente errado. E esse caso é a prova viva disso. Onde já se viu o STJ perder tempo para julgar um Habeas Corpus para trancar uma ação onde valor do furto foi de R$ 4? Quanto que se gastou com esse processo?", concluiu.

A jurisprudência da corte, a partir das delimitações do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação do princípio da insignificância, tem demonstrado quais situações podem ser consideradas passíveis de dispensar a persecução penal. Admite até que, em situações excepcionais, o princípio seja aplicado para réus reincidentes. E veta em casos como contexto de tráfico, de violência doméstica e tentativa de suborno.