MULHERES DO TRÁFICO DE NARCÓTICOS
O perfil da mulher presidiária no Brasil, segundo os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), é descrito a partir dos números a seguir: 62% se consideram negras e pardas, 45% têm ensino fundamental incompleto, 50% estão na faixa de 18 a 29 anos e 74% têm filhos ou dependentes econômicos. Bem, o perfil é facilmente traçado: pobres, negras, sem escolaridade e com dispêndios. É explícita a sobreposição de excludentes sociais.
Da mesma maneira que o tráfico de drogas é a principal causa para o encarceramento no Brasil, este tipo penal é também o mais cometido por mulheres. Ainda de acordo com o Infopen, "crimes relacionados ao tráfico de drogas correspondem a 62% das incidências penais pelas quais as mulheres privadas de liberdade foram condenadas ou aguardam julgamento, o que significa dizer que 3 em cada 5 mulheres que se encontram no sistema prisional respondem por crimes ligados ao tráfico".
Em sua maioria, elas respondem pela modalidade chamada privilegiada, encontrada no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006. Essa modalidade, por ser mais benéfica ao réu acusado de tráfico, é mais específica e com mais requisitos para sua aplicação. Senão vejamos:
"Artigo 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena — reclusão de cinco a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa.
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa."
Na prática, respondem ao tráfico privilegiado e não ao tráfico do caput do artigo mencionado, pois não estão na ponta hierárquica do crime, não são os chamados "chefes do tráfico" ou de organização criminosa com antecedentes criminais. As mulheres, em sua maioria, atuam na ponta final da entrega da droga, uma fração mais exposta e assim mais vulnerável.
De acordo com o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, no artigo O Encarceramento Feminino no Brasil, por serem consideradas o "braço vulnerável" do crime organizado, essas mulheres acabam sendo presas na flagrância do crime, enquanto os traficantes de maior porte saem impunes. E uma vez no sistema prisional, o Estado não se preocupa em adaptar tal sistema às necessidades particularmente femininas; pelo contrário, recebem o mesmo tratamento dado aos homens, de modo que a adequação segundo o gênero é totalmente desconsiderada.
A análise criteriosa nos faz compreender que diversos são os fatores que levam mulheres a cometer essa modalidade de crime. A título de exemplo, segundo o estudo de J. J. Diógenes: relações íntimo-afetivas, para dar alguma prova de amor ao companheiro ou familiar; envolvimento com os traficantes como usuárias com o fim de obter drogas (acabando em um relacionamento afetivo que as conduzem ao tráfico); coação física ou moral por parte de parentes ou pessoas próximas; pela promessa de uma recompensa pecuniária com fim pessoal ou para cuidado da família; por estar presente na residência onde o companheiro praticava o tráfico; pelo transporte de drogas nas ruas, aeroportos ou até mesmo para dentro da prisão. Cabendo fazer o destaque necessário ao último exemplo mencionado.
Conduta eminentemente feminina, o crime de tráfico ilícito de drogas praticado em estabelecimentos prisionais revela interessantes características. Germano, Monteiro e Liberato através do artigo Criminologia Crítica, Feminismo e Interseccionalidade na Abordagem do Aumento do Encarceramento Feminino descrevem o modus operandi dessa modalidade:
"Conhecidas vulgarmente por 'peãozeiras' ou por 'pinhãozeiras', as mulheres que levam drogas para as prisões nos informaram como se prepara o 'peão' ou o 'pinhão': primeiramente, a droga é colocada em um saco de arroz, por ser resistente; vedam-no com fita isolante; colocam-no dentro de um preservativo; e, posteriormente, lubrificam-no e o introduzem, ou na vagina, ou no ânus. Mencione-se que, embora algumas levam a droga em bolsas ou em outros objetos, externos a seu corpo, a grande maioria o faz dentro do próprio corpo, quer na cavidade vaginal, quer na cavidade anal."
Como vemos, não há um motivo determinante para o cometimento do crime. Não é como esperado, exclusivamente, uma motivação econômica que alça as mulheres a ingressarem no tráfico de drogas.
Porém, enquanto é difícil observar um motivo decisivo para a prática da conduta criminosa, em outra perspectiva é possível verificar um consenso, como já apontado anteriormente, quanto ao perfil da mulher apenada: as mulheres presas são majoritariamente mães e as principais responsáveis pela criação dos seus filhos. O que nos esclarece que não só as mulheres presas são atingidas pelo encarceramento em massa, mas também seus filhos.
A realidade mãe-filho na vivência das grades é assustadora. O já mencionado artigo O Encarceramento Feminino no Brasil nos faz compreender pontos chocantes. O encarceramento da mãe gera uma devastadora desestruturação familiar, uma vez que esses filhos, que não estão mais sob sua tutela, precisam circular entre casas de familiares e abrigos de adoção, muitas vezes impedindo a formação de laços fraternais. Já a gravidez durante o cárcere se mostra traumática. As mulheres não dispõem do mínimo auxílio durante o período gestacional, assim como não usufruem da estrutura apropriada durante o parto e após ele — pelo contrário, seus filhos nascem presos, como elas.
Nesse sentido, com prevalência da preocupação das mulheres, após anos de entendimentos machistas e patriarcais, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus coletivo 143.641 em nome de todas as mulheres presas preventivamente grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade, bem como estenderam a decisão às adolescentes em situação semelhante do sistema socioeducativo e mulheres que tenham sob custódia pessoas com deficiência. Abaixo podemos verificar parte da importante decisão:
"Em face de todo o exposto, concedo a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo Depen e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício. Estendo a ordem, de ofício, às demais as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas no parágrafo acima" (STF - HC: 143.641, relator: ministro Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 20/2/2018, 2ª Turma, Data de Publicação: 9/10/2018).
A importância desse Habeas Corpus vai além do campo prático de cuidado dessas mulheres e seus filhos; ele reconhece anos de anseios e perdas. Isso porque a criminologia, entendida basicamente como um conjunto de conhecimentos a respeito do crime, da criminalidade e suas causas, nasceu a partir do discurso de homens, para homens, sobre as mulheres. E, ao longo dos tempos, se transformou em um discurso de homens, para homens e sobre homens. Pois já não era mais necessário, para alguns, "estudar" as mulheres, ou ainda, não era politicamente relevante, para outros, considerar as experiências destas enquanto categoria sociológica e filosófica, como ensina Lourdes Bandeira [1]. Atualmente, a mulher surge somente em alguns momentos. Mas, no máximo, como uma variável, jamais como um sujeito. (Mendes, 2014, p.134)
Em conclusão, utilizando-se das palavras da doutora Luciana Ramos em defesa de sua tese: "O Estado Brasileiro precisa repensar suas políticas de trabalho. Ao mesmo tempo que não apresenta soluções, alternativas e possibilidades na melhoria de condições de trabalho das mulheres, o tráfico vem apresentando isso. Porém o tráfico reforça essa divisão sexual do trabalho, do que é o papel da mulher na sociedade. Quando a mulher aceita levar uma droga num sistema prisional, ela o faz, recebe o seu dinheiro e continua seus afazeres, é o final da hierarquia".