OS (NEO)INQUISIDORES E O DIREITO DE PUNIR COMO RELIGIÃO
As agências de persecução criminal devem realizar suas funções com apoio nos princípios informados pelo Estado democrático de Direito e não se comportarem como membros (neo)inquisidores, ou seja, apóstolos a serviço de uma verdadeira religião de punir.
Cada órgão possui uma função estatal. Uma missão institucional. Esse programa normativo deve estar a serviço da sociedade, a destinatária dos serviços do Estado. A trindade formada por Ministério Público, Poder Judiciário e agências policiais não pode resgatar os horrores cometidos pelas mãos de Eymerich e companhia (i)limitada.
Dizer amém ao poder punitivo estatal é esquecer todas as conquistas realizadas pelo nosso modelo processual penal, cujas coordenadas estão ligadas ao estilo acusatório, ou seja, a departamentalização das funções de acusar, julgar, investigar e defender.
Os falsos profetas do processo penal são aqueles que defendem um rigor punitivo para além das leis e para além da Constituição. Ora, para que servem os legisladores e os constituintes? Eles não são ornamentos jurídicos. Muito pelo contrário. Eles cultivam, produzem o Direito e, portanto, devem ser levados em consideração, merecem respeito.
Falar de processo penal exige coragem, paciência e estudo. Coragem de defender nosso sistema jurídico das opiniões do senso comum dos novos inquisidores. Exige paciência, pois devemos suportar falsas acusações, pseudorótulos. Exige estudo, pois a pesquisa criminológica é vasta e demanda muito tempo para pesquisar, entre outras dificuldades dessa via crucis normativa.
O endeusamento do poder-direito-dever de punir é uma das maiores ameaças que nossa democracia enfrenta nas últimas décadas. Devemos fazer uma opção, isto é, ou escolhemos a democracia processual penal ou o autoritarismo punitivista. Não podemos aceitar mais essa cultura inquisitória.
Todos os dias, religiosamente, nossas instâncias de punir são as protagonistas dos nossos noticiários, das nossas conversas na rua etc. O nosso sistema punitivo deve regular de forma adequada a punição dos agentes dos fatos criminosos e se pautar em postulados como a proporcionalidade e a razoabilidade.
Nossos agentes estatais devem abandonar a missão messiânica que eles pensam que tem. Juízes, promotores, procuradores, desembargadores et al. não podem agir como se fossem porta-vozes da segurança pública. A função deles não é essa, mas, sim, aplicar a lei e cumprir a constituição.
As sagradas escrituras do Código Penal, do Código de Processo Penal, das leis penais especiais, da Lei de Execução Penal e da Constituição Federal de 1988 devem vincular os agentes públicos, uma vez que a bússola para alcançar níveis ótimos de normatividade é a obediência fiel aos comandos dados pelo legislador. A pena, no Brasil, virou o ópio do povo.
Os quatro evangelhos do processo penal são: a) estilo acusatório; b) princípio da busca da verdade real; c) legalismo; e d) imparcialidade dos nossos agentes estatais. Essa é nossa única salvação para escapar das garras do punitivismo e do autoritarismo do processo penal.