SOBRE A ESCOLHA DO NOVO MINISTRO DO STF
Sinto o tempo passar. Anos na advocacia. Experiências tristes e gratificantes nos julgamentos. Agruras naturais ocorreram para alguém que vive a atividade profissional com tanta intensidade e paixão.
Nos últimos meses fiquei ainda mais saudosista. Difícil pensar no plenário do Supremo Tribunal Federal sem a presença do ministro Celso de Mello e, em mais alguns dias, também, ausente o ministro Marco Aurélio.
Jovens advogados avaliam os ministros pelas decisões judiciais, pela imagem na televisão e pelas notícias da mídia. No tocante às decisões, realmente, acredito que elas possam significar muito sobre o perfil intelectual do julgador. Já os demais aspectos sofrem graças ao filtro da crítica política, ou ideológica, que imprensa e alguns professores de Direito costumam fazer, vez ou outra, até mesmo pelo prazer do escárnio.
Na minha perspectiva, conhece-se o bom ministro por razões singelas. A disponibilidade de escutar o advogado, seja no gabinete, seja em sustentação oral, já indica modo de ser muito importante para se aquilatar a atuação do magistrado. Quem não tem interesse de ouvir sobre o argumento, a especialidade do caso, a relevância de um ponto de vista jurídico novo, não deveria exercer a jurisdição.
O cuidado no julgamento, em particular no colegiado, denota a qualidade de um ministro. Daí a tristeza da aposentadoria de ambos. O ministro Celso de Mello, sempre atento aos votos dos demais, logo passava a procurar decisões da corte e, à mão, escrevia os pontos do seu voto para julgar de maneira fundamentada.
A seu turno, quantas não foram as intervenções do ministro Marco Aurélio que corrigiram o procedimento de julgamentos no Plenário, evitando erros judiciários e resultados injustos? Sem esquecer da alegria com que esgrime com os colegas, no debate jurídico, entre manifestações impecáveis de lógica constitucional e bom humor, ao redarguir os adversários de opinião.
Mas, se me perguntassem o que mais dói, rápido diria: como pode o STF perder duas pessoas tão cordiais em tão curto tempo? Os dois recebem os advogados, conversam sobre o caso, de forma aberta e interessada. Não precisam de assessor ao lado, para figurar num cenário constrangedor em que se conjectura se aquela pessoa lá está tão só a testemunhar o diálogo entre o ministro e o advogado.
Mais do que gentis, eles sempre ensinaram quem quis aprender nos despachos. Lembro-me, bem mais jovem, da paciência com que o ministro Celso de Mello explicava a diferença entre a competência de relator, Turma e Plenário, abrindo o Regimento Interno do STF para discorrer sobre os dispositivos pertinentes. Da mesma forma, minha gratidão ao ministro Marco Aurélio no julgamento do caso "mensalão", pelo cuidado com que ouvia sobre a estrutura típica do crime de lavagem de dinheiro. Tudo num clima de respeito, em que era impossível não fitar os julgadores a não ser com olhos de admiração.
Jamais recebi de um deles má palavra, ou fizeram transparecer soberba nas conversas ao discordarem de argumentos. Ouviam e sempre se comprometiam a pensar, a analisar os pontos de maneira minudente. E, passado tanto tempo, posso confessar, quanto eu não quis ser criativo nas interpretações jurídicas e na visão quanto a precedentes, o que jamais significou a precoce desconsideração da nova tese pelos dois.
Fico a indagar os novos tempos. Certo ceticismo me persegue. Quem sustentará a importância dos direitos individuais na Alta Corte, como sempre fez o ministro Celso de Mello? Quem ocupará o lugar do ministro Marco Aurélio com tanta sagacidade, com a prudência de divergir?
A comunidade jurídica sonha com José Rogério Cruz e Tucci, por tudo quanto sabe, fez na advocacia e se dedicou à atividade acadêmica na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Fala-se na preferência do presidente da República por André Luiz de Almeida Mendonça, pessoa solícita, de trato tão educado.
Não sabemos quem virá. Apenas fica o medo de que, no campo das surpresas, surja algum nome que não entenda o papel dos advogados na Alta Corte. Para mim, com todo respeito, somos nós que descontruímos arestos equivocados, que provocamos novas maneiras de ver o Direito, que bradamos quanto à unanimidade não significar justiça do caso concreto.
Enfim, o Supremo Tribunal Federal, desde Ruy, também se apresenta à sociedade como a casa dos advogados.