Ver mais notícias

VIA DE MÃO DUPLA: O PERIGO DA JUSTA CAUSA POR VACINAÇÃO COMPULSÓRIA

Repercutiu no noticiário nesta semana a primeira decisão em segunda instância proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região sobre a justa causa aplicada a uma trabalhadora que se negou a ser vacinada.

Como o assunto envolve paixões e discussões políticas, fique claro que estou vacinado e sou entusiasta da ciência, e peço ao leitor que leia o texto inteiro (hoje em dia é necessária essa observação) e reflita sobre ele em seus aspectos jurídicos, sociais e econômicos e para onde poderemos ir caso esse entendimento prevaleça.

O artigo 3º, III, "d", da Lei 13.979/2020 realmente prevê que as autoridades, no âmbito de suas competências, podem adotar a possibilidade da vacinação obrigatória e o Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade desse dispositivo legal.

Diante da mera possibilidade prevista na lei, saliente-se que não se tem conhecimento de norma jurídica expedida por qualquer autoridade do Ministério da Saúde, ou de secretarias estaduais e municipais da saúde, que estabeleça a obrigatoriedade da vacina (quem sabe, diante da guerra ideológica insana que acomete o país).

Também inexiste qualquer norma de segurança do trabalho que exija a vacinação compulsória. Nesse ponto, vale lembrar que a Portaria Conjunta (da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho e do Ministério da Saúde) nº 20, de 18 de junho de 2020, apenas menciona as que orientações e protocolos das empresas "podem incluir a promoção da vacinação, buscando evitar outras síndromes gripais que possam ser confundidas com a Covid-19".

Observem que até a utilização de máscaras em diversos ambientes está devidamente regulamentada por normas jurídicas dos entes federativos.

Mas não existe norma jurídica da autoridade competente se valendo da facultatividade prevista na Lei 13.979/2020.

Diante desse cenário jurídico, se não há norma jurídica das autoridades competentes que estabeleçam a obrigatoriedade, pode a empresa exigir em uma relação jurídica privada a vacinação compulsória? Seria isso uma falta grave no âmbito do contrato de trabalho? Pode o particular usurpar essa competência legal conferida às autoridades e que não foi exercida?

O perigo da conclusão advinda desse raciocínio de que a empresa deve manter um ambiente seguro e prevalece o interesse coletivo sobre o individual também está na consequência contrária: a empresa que não exigir a vacinação obrigatória de seus funcionários estaria cometendo falta grave e, portanto, da mesma forma, possibilitaria a rescisão indireta do contrato de trabalho simplesmente porque foi omissa.

Então, há de se perguntar novamente: seria isso uma falta grave a ponto de rescindir o contrato de trabalho? É possível imputar às empresas e aos trabalhadores a decisão de obrigatoriedade da vacina que nem as autoridades fixaram na faculdade prevista na lei?

Há mais alguns raciocínios que precisam ser discutidos sobre o argumento "ambiente seguro" e de que prevalece o "interesse coletivo ao interesse individual".

Sabe-se que as pessoas vacinadas também transmitem o Covid-19 em grau menor ao não vacinado, mas não há consenso na ciência (embora haja estudos) de qual seria essa medida exata, ou seja, ainda paira certa incerteza a respeito. Então, essa diferença percentual seria relevante a ponto de se autorizar a fixação da compulsoriedade pela empresa ou exigir essa conduta dela pelo ambiente de trabalho seguro?

Outra questão social importante: um percentual significativo das pessoas não está retornando para tomar a segunda dose da vacina (não me cabe analisar os motivos). Em prevalecendo o raciocínio da decisão, os contratos de trabalho de todas essas pessoas serão rescindidos por justa causa do empregado ou do empregador (ou porque não se vacinou completamente ou porque o empregador não exigiu a vacinação e tornou o ambiente de trabalho inseguro para os demais vacinados).

Percebe-se, evidentemente, o imbróglio social que se causa quando os particulares passam a exigir deveres de condutas não previstos na lei ou no contrato, mas por meras interpretações genéricas e abstratas.

Percebe-se a insegurança jurídica quando o Poder Judiciário passa a tratar a questão ou reconhecer válidas essas exigências sem regras específicas definidas pelas autoridades competentes.

Percebe-se que as vítimas da pandemia estão bem longe de acabar.

Na situação, melhor não existir nem via única (somente contra o trabalhador), nem via de mão dupla, porque estão ao sabor do intérprete.