A IMPORTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS E A 'NOVELA' DA RETENÇÃO NA FONTE
Apesar de não ser um tema recente, tem-se notado nos últimos meses uma grande discussão em torno da suposta mudança de entendimento da 2ª Turma de Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento, em 15/12/2020, do Recurso Especial (REsp) nº 1.759.081 sobre a possibilidade de retenção de Imposto de Renda na fonte sobre remessas efetuadas por fonte domiciliada no Brasil ao exterior a título de prestação de serviços técnicos ou de assistência técnica nos casos envolvendo países signatários de acordos de bitributação com o Brasil. Isso porque foi a primeira vez que uma das turmas do STJ decidiu pela aplicação do artigo 12 dos acordos de bitributação na hipótese de remessas internacionais realizadas para pagamento de serviços técnicos.
Analisando os fundamentos utilizados pela 2ª Turma do STJ acerca do tema, a conclusão é que a análise limitou-se à leitura do protocolo do acordo de bitributação celebrado sem levar em consideração o contexto e o real significado das expressões por ele utilizados à época de sua celebração. Antes, porém, é importante fazer uma breve introdução sobre o tema: o início da discussão foi oficializado pela edição do revogado Ato Declaratório Normativo (ADN) Cosit nº 1/00. Segundo esse normativo, os rendimentos decorrentes de remessas derivadas de contratos de prestação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia classificam-se no artigo dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil destinado a rendimentos não expressamente mencionados — artigo 21 [1] —, sujeitando-se, dessa forma, à retenção pela fonte brasileira, à alíquota de 25%, nos termos do então artigo 685, inciso II, do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), vigente à época.
Com a edição do ADN Cosit nº 1/00, a administração tributária federal pretendeu enquadrar a remuneração da referida prestação no artigo relativo a "rendimentos não expressamente mencionados", contrariando, dessa forma, o posicionamento adotado de maneira uniforme pelos países que assinam acordos de bitributação baseados na Convenção Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que enquadram tais remunerações como sujeitas às regras constantes no artigo 7º.
Essa interpretação foi alvo de inúmeras contestações. Ao analisar a questão em 2012, o STJ, por meio do julgamento do caso Copesul (REsp nº 1.161.467), negou provimento, por unanimidade de votos, ao recurso da Fazenda Nacional, alegando que o lucro da empresa estrangeira, disciplinado pelo artigo 7º dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil, deve ser interpretado como "'o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica', aí incluído, obviamente, o rendimento pago como contrapartida de serviços prestados".
Pouco mais de um ano e meio depois, a problemática voltou a ocupar lugar de destaque no cenário jurídico-tributário brasileiro. Provocada por meio de um memorando interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) emitiu o Parecer PGFN/CAT nº 2363/13, manifestando o entendimento de que esses contratos melhor se enquadrariam no artigo 7º dos acordos de bitributação ao invés do artigo 21, o que afastaria a tributação pelo Brasil como fonte pagadora dos rendimentos (na linha do que havia decidido o STJ).
Segundo a PGFN, contudo, a consequente não tributação pelo Brasil não seria aplicável nas hipóteses em que, em virtude de negociações entre os países signatários de acordos de bitributação, houvesse disposição expressa, quer nos próprios acordos de bitributação, quer em seu protocolo, autorizando a tributação pela fonte, como ocorre nos acordos celebrados pelo Brasil que, ainda que por meio de protocolo, enquadram serviços técnicos e de assistência técnica no âmbito do artigo 12 da Convenção Modelo da OCDE — royalties —, "independentemente do caráter em que a prestação do serviço foi efetuada (em caráter principal ou acessório) (...)" [2]. A controvérsia, portanto, girava em torno do enquadramento de serviços técnicos e de assistência técnica entre o artigo 7º e o artigo 21.
Mas a insegurança quanto ao tema não termina aí. Em 16 de junho de 2014, foi editado o Ato Declaratório Interpretativo RFB (ADI) nº 5/14, o qual, ao revogar o ADN Cosit nº 1/00, passou a dispor sobre o tratamento tributário a ser dispensado aos rendimentos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, por fonte situada no Brasil, a residente e domiciliado no exterior, pela prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, independentemente da existência de transferência de tecnologia, com base nos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil.
De acordo com o ADI nº 5/14, os pagamentos a não residentes podem ser qualificados como royalties (artigo 12), rendimentos de profissões independentes (artigo 14) ou lucros das empresas (artigo 7º). Segundo este diploma infralegal, os rendimentos remetidos ao exterior pelos serviços prestados deverão ser qualificados como tal e, portanto, se sujeitar à tributação, no Brasil, por meio do IR na fonte.
No entanto, dos 34 acordos de bitributação em vigor, apenas cinco — com Áustria, Finlândia, França, Japão e Suécia — não trazem essa equiparação, ficando os importadores de serviços prestados por não residentes, em se tratando de serviços técnicos ou de assistência técnica, à mercê do artigo 12, o qual autoriza a tributação dos rendimentos no Brasil, na qualidade de fonte pagadora.
Vale notar, os quatro acordos de bitributação mais recentes assinados pelo Brasil [3] optaram por tratar da tributação de rendimentos de serviços técnicos em um artigo específico — o artigo 13 —, inspirado no artigo 12-A da Convenção Modelo das Nações Unidas de 2017, conferindo competência também ao Estado da fonte para tributar os rendimentos relacionados. Nesses quatro acordos, o protocolo limita-se a equiparar a prestação de assistência técnica ao tratamento dado aos royalties sob o artigo 12 [4].
Antes mesmo de determinar uma ordem de qualificação, conferindo prioridade aos dispositivos que admitem a tributação no Brasil, deveria a administração tributária federal ter explorado o conceito de serviços técnicos e de assistência técnica na acepção dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil, mesmo que, para fins interpretativos, tivesse que se socorrer do contexto em que o acordo tenha sido celebrado nos termos do artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE.
De maneira geral, o artigo 3º (2) dos acordos de bitributação brasileiros determina que qualquer termo ou expressão que não se encontre definido no próprio acordo terá o significado atribuído pela legislação doméstica, a não ser que o contexto exija interpretação diferente [5]. No tocante à interpretação das expressões "serviços técnicos" e "serviços de assistência técnica", é importante mencionar que os quatro recentes acordos brasileiros que contêm o artigo específico de remuneração por serviços técnicos trazem em si uma definição de serviço técnico, entendido como qualquer pagamento em contraprestação de qualquer serviço de natureza gerencial, técnica ou de consultoria.
Já o protocolo de emenda do acordo de bitributação entre Brasil e Argentina, assinado em 2017, definiu que os serviços técnicos e de assistência técnica são aqueles que dependam de conhecimentos técnicos especializados, assistência administrativa, consultoria ou, ainda, resultante de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico; e a assessoria permanente de processo ou fórmula secreta ao cessionário, mediante técnicos, desenhos, estudos, instruções ou outros serviços similares, os quais possibilitem a efetiva utilização do processo ou fórmula cedidos.
Em relação aos demais acordos, na ausência de uma definição intrínseca sobre o que se consideram serviços técnicos e de assistência técnica, caberia ao intérprete perquirir seu sentido conforme o contexto da celebração de cada um dos acordos — antes mesmo de qualquer recurso à legislação doméstica. Nesse sentido, um elemento desse "contexto" que não poderia ter sido ignorado pelos aplicadores dos acordos de bitributação brasileiros, especialmente o STJ, é que o conceito de serviços técnicos no ordenamento brasileiro à época da celebração de grande parte dos acordos ainda pressupunha a transferência de tecnologia.
Assim, antes de procurar resolver um problema de qualificação, caberia à administração tributária e mesmo ao STJ, na análise do REsp nº 1.759.081, identificar se haveria um problema de interpretação. Caso tivessem assim procedido, certamente, o STJ teria levado em consideração o contexto da expressão "serviços técnicos" utilizada no protocolo do acordo de bitributação lá analisado e vigente à época de sua celebração, o que certamente levaria à necessidade da existência de algum tipo de transferência de tecnologia para autorizar a tributação pelo país fonte, no caso o Brasil.
Como assim não o fez, nota-se que, a exemplo do que ocorreu quando da edição do ADN Cosit nº 1/00 e do ADI RFB nº 5/14, as regras de interpretação e aplicação dos acordos de bitributação adotadas pela administração tributária são munidas de nítidos interesses arrecadatórios, gerando insegurança aos importadores dos serviços, e prejudicando as relações comerciais brasileiras num mundo cada vez mais globalizado. Aliás, foi exatamente a violação dos acordos de bitributação pelo Estado brasileiro que levou a Alemanha a denunciar o acordo celebrado com o Brasil em 2005, e que levou o Ministério das Finanças da Finlândia a manifestar a intenção do governo finlandês, conforme relatado no Parecer PGFN/CAT nº 2363/13, de apresentar denúncia da convenção celebrada com o Brasil caso se confirmasse o entendimento firmado pela administração tributária federal favorável à tributação no Brasil de remessas em pagamento de serviços técnicos realizados na Finlândia.
Ainda dá tempo para uma "guinada" no entendimento das autoridades fiscais e do STJ sobre o assunto. Aos contribuintes e militantes da área, resta apenas reforçar a adequada metodologia de interpretação dos acordos de bitributação celebrados pelo país, previstas no artigo 3, e aguardar por um futuro melhor.