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JAIR BOLSONARO E SUAS TRANSGRESSÕES

A Constituição Federal determina nas suas primeiras letras que o Brasil constitui-se em um Estado democrático de Direito (artigo 1º) e que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (artigo 2º).

Pois bem, nesta terça-feira (7/9) vimos um presidente cometer violações, de diversas ordens (eleitoral, criminal, crime de responsabilidade, atos de improbidade), contra o Estado democrático de Direito e assim o fez em dois atos públicos, realizados em Brasília e em São Paulo, que por ele foram convocados.

A legislação eleitoral não permite a realização de campanha eleitoral antecipada, mas o que se viu foram palanques de candidatura presidencial instalados em plena Esplanada dos Ministérios e na Avenida Paulista, onde Bolsonaro concluiu seu discurso, repetindo o lema da sua campanha de 2018: "Brasil acima de tudo; Deus acima de todos". Acrescente-se que tudo está a indicar o uso de recursos públicos. Ao que parece Bolsonaro veio para São Paulo com uso de avião presidencial, no qual se encontrava, ainda, o advogado-geral da União, que também deve ser responsabilizado por esse desvio.

Dois focos de ataque foram levantados por Bolsonaro nesses atos e que foram seus alvos preferenciais: agressão ao Judiciário (Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral) e ao Legislativo, rompendo o dogma da separação de poderes, praticando abertos e televisionados crimes de responsabilidade, que pulularam à nossa frente, atentando contra a Constituição e contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Bolsonaro deu um ultimato ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, e ameaçou o Judiciário ao dizer literalmente: "Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ( refere-se ao ministro Alexandre de Moraes) ou esse Poder vai sofrer aquilo que não queremos".

Afirmou expressamente o descumprimento de decisão judicial emanada do STF: "Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais!".

Dirigiu impropérios ao ministro Alexandre de Moraes, chamando-o de "canalha", e o atacou diretamente ao afirmar: "Um ministro do Supremo Tribunal perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal. Nós todos aqui, sem exceção, somos aqueles que dirão para onde o Brasil deve ir."

Bolsonaro colocou o sistema de votação em dúvida ao dizer, mais uma vez, que não se tratava de sistema seguro e que não seria o presidente do TSE (ministro Roberto Barroso) quem diria o contrário, passando uma mensagem de insegurança sobre o sistema democrático.

Atacou o Congresso Nacional, que, em última análise, não substituiu o atual sistema de votação eleitoral, que sabemos é seguro e auditável, pelo voto impresso, como era seu desejo.

A incitação contra o STF não é exatamente uma novidade na conduta de Bolsonaro, que não recebeu até agora a resposta necessária. Lembremos que essa não foi a primeira vez que ele usou tom ameaçador contra o órgão de cúpula do Judiciário ou atuou contra o mesmo. A imagem de Bolsonaro, de alguns meses atrás, desfilando a cavalo na Esplanada dos Ministérios, no meio de uma manifestação de ruralistas que apoiavam o voto impresso e criticavam o STF, ainda está muito fresca na memória.

E também não esquecemos que isso faz parte da oração da família, pois seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, em vídeo publicizado, já ameaçava o STF, no segundo semestre de 2018, antes mesmo da eleição do pai: "Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não".

Num crescendo de ameaças, chegou-se ao 7 de setembro, quando foram ultrapassados todos os limites e a incitação de Bolsonaro nos fez ver cenas dantescas, especialmente na noite antecedente. Agora noticiam que várias tentativas reais de invasão ao prédio do STF ocorreram por parte dos manifestantes bolsonaristas.

Creio que há uma chave nos discursos do irascível presidente. O arremate discursivo que proferiu na Avenida Paulista, oportunidade em que afirmou que no dia seguinte estaria reunido com o Conselho da República e apresentaria a fotografia do ato. Essa afirmativa não é gratuita e o fato de não acontecer a tal da reunião em nada muda o objetivo do presidente, que é lançar ameaças ao país, criar um clima odioso e adverso para a democracia. Asseverou: "Amanhã, estarei no Conselho da República. Juntamente com os ministros. Para nós, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com esta fotografia de vocês, mostrar para onde nós todos deveremos ir".

Lembremos que esse órgão de consulta da República se reúne apenas por convocação do presidente e tem competência firmada no artigo 90 da Constituição Federal. Deve se pronunciar em duas situações muito específicas, quais sejam: a) intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio; e b) questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas.

Dele participam o vice-presidente da República; o presidente da Câmara dos Deputados; o presidente do Senado Federal; os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados; os líderes da maioria e da minoria no Senado Federal; o ministro da Justiça e seis cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade, sendo dois nomeados pelo presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos.

Os institutos sobre os quais o Conselho da República deve obrigatoriamente se manifestar, a princípio, servem para a defesa do Estado e das instituições democráticas. Entretanto, sabemos que na história brasileira, e também da América Latina, tais instrumentos foram usados para que golpes fossem aplicados, com implementação da ditaduras.

Neste momento, as imagens da bela película "Estado de Sitio", de Costa-Garvas, tantos anos censurada no Brasil, aparecem em minha mente.

Quando o presidente afirma que fará a reunião do Conselho da República e que mostrará a foto dos que participam com ele daqueles atos está a sinalizar para todos os demais poderes e para o povo em geral, para aqueles que não pensam como ele, sua disposição para qualquer tipo de golpe, e não fala de proteção constitucional, mas de ataque.

Sabemos que o sistema legal pode ser usado de forma desvirtuada e isso aconteceu no Brasil, como ensina o professor José Afonso da Silva, ao tratar do tema da defesa das instituições democráticas ("Curso de Direito Constitucional Positivo", editora Malheiros), quando o instituto foi utilizado com o intuito de reprimir divergências político-partidárias, para coibir adversários políticos.

A intenção do presidente é clara.

O que se espera nesta quadra, em que o próprio Estado brasileiro é atacado por quem ocupa a presidência, é uma resposta equivalente ao grau da violação sofrida pela Constituição Federal. Como bem disse o sempre decano do STF, ministro Celso de Mello, em nota publicada sobre o fatídico dia:

"A resposta do povo brasileiro aos discursos deste Sete de Setembro de 2021, indignos da importância da data nacional que celebramos, só pode ser uma: as tentações autoritárias e as práticas governamentais abusivas que degradam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da Constituição traduzem justa razão para a cidadania, valendo-se dos meios legítimos proporcionados pela Constituição da República, insurgir-se, por intermédio dos Poderes Legislativo e Judiciário, contra os excessos governamentais e o arbítrio dos governantes indignos!".

Já há solicitação de abertura de inquérito contra Bolsonaro por sua grave ameaça ao livre funcionamento do Judiciário e pelo uso de recursos públicos para financiar um ato com finalidades privadas. Há quase uma centena e meia de representações por prática de crime de responsabilidade que aguardam o despacho do presidente da Câmara. As violações da órbita eleitoral também necessitam de urgente apuração.

Esperamos, como o ministro Celso de Mello, a devida resposta dos Poderes Legislativo e Judiciário na defesa do povo brasileiro, do Estado democrático de Direito, para que ninguém que ocupe a chefia de Estado possa romper com a nossa Constituição.

É a hora da independência.