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OUTUBRO ROSA: CÂNCER DE MAMA E AS RELAÇÕES DE TRABALHO

O Outubro Rosa faz parte do movimento internacional de conscientização para o controle do câncer de mama, nascido na década de 90. O objetivo do movimento é compartilhar informações e promover a conscientização sobre a doença, além de proporcionar maior acesso aos serviços de diagnóstico e de tratamento, contribuindo para a redução da mortalidade decorrente dessa neoplasia [1].

Importante lembrar que o câncer de mama é a primeira causa de morte por câncer em mulheres no Brasil, sendo a mais frequente em quase todas as regiões brasileiras. Neste ano, estimava-se que ocorreriam 66.280 casos novos da doença, o que equivale a uma taxa de incidência de 43,74 casos por cem mil mulheres (Inca, 2020).

Ao ser diagnosticada [2] com câncer de mama, a empregada não pode ser desligada por essa razão, sendo presumida a sua dispensa como discriminatória, com base na Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Vejamos que o TST já decidiu pela nulidade da dispensa de empregada portadora de câncer de mama em razão de presunção de discriminação e preconceito, já que o empregador não comprovou outro motivo para sua dispensa:

"AGRAVO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE PRESIDENTE DE TURMA QUE NEGA SEGUIMENTO A RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO PORTADOR DE CÂNCER DE MAMA. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Ao aplicar a diretriz preconizada na Súmula 443 do TST e restabelecer a sentença na parte em que reconheceu o caráter discriminatório da dispensa, determinando a reintegração do reclamante com ressarcimento do período do afastamento, a Turma citou julgados desta Subseção, destacando o entendimento que soluciona a questão jurídica destes autos, no sentido de que cabe ao empregador provar que dispensou o empregado por motivo diverso do alegado, não podendo recair sobre a parte autora tal ônus. (E-ED-RR-2493-66.2014.5.02.0037, DEJT de 4/9/2020 e E-RR-202-77.2011.5.01.0053, DEJT de 22/11/2019) A considerar que o Tribunal Regional admite a existência de atestado médico com CID referente a câncer de mama, o qual goza da presunção de veracidade nos termos do art. 6º, § 3º, da Resolução CFM, nº 1.658/2002, e, não havendo prova de que a dispensa do autor se deu por motivo outro de modo a afastar o caráter discriminatório da dispensa, aplica-se na espécie a diretriz preconizada na Súmula 443 do TST, reconhecendo-se inválido o ato, com a consequente reintegração no emprego, conforme decidido no acórdão turmário. Decisão de inadmissibilidade dos embargos que se mantém. Agravo conhecido e desprovido" (Ag-E-Ag-ARR-16-19.2015.5.09.0594, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, relator ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 03/09/2021 — grifos das autoras).

Para maior segurança, é importante que as empregadas comuniquem a doença por escrito para facilitar a comprovação de eventual dispensa discriminatória.

O Brasil também é signatário da Convenção nº 139 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Decreto nº 10.088/19, que estipula a prevenção e controle de riscos profissionais causados pelas substâncias ou agentes cancerígenos. Entre as principais questão relativas à convenção, deve-se destacar que os países membros devem determinar periodicamente quais substâncias e agentes são cancerígenos e quais as medidas adequadas para prevenção e combate. A partir da convenção, o Brasil estipulou a Recomendação Sobre Câncer Profissional em 1974.

Também é importante ressaltar a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 170, relativa à segurança na utilização de produtos químicos no trabalho, a qual prevê que os empregadores devem assegurar que os empregados não fiquem expostos a produtos químicos acima dos limites de exposição, assegurando a proteção dos trabalhadores contra tais riscos pelos meios apropriados, como limitação à exposição, adoção de medidas adequadas de higiene do trabalho, fornecimento de equipamento de proteção individual e roupas protetoras, entre outros. No mesmo sentido, dispõem também as Convenções nº 167 e nº 175 da OIT.

O acometimento de câncer de mama pode ter ou não vinculação com o ambiente de trabalho. Segundo as Diretrizes para a Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho (2013), as principais categorias de risco para o câncer de mama são os cabeleireiros, operadores de rádio e telefone, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, comissário de bordo, além do trabalho noturno. Inclusive, verifica-se que 54% dos casos das mulheres com câncer de mama relativos ao trabalho estavam relacionados ao labor realizado em turnos, ou seja, quando havia a alteração do ciclo circadiano ("Ambiente Trabalho e Câncer", 2021).

Em relação à exposição a substâncias cancerígenas, pode-se destacar agrotóxicos, benzeno, campos eletromagnéticos de baixa frequência, campos magnéticos, compostos orgânicos voláteis, hormônios e dioxinas.

Quanto à atividade econômica, as atividades industriais são as com maior índice, com atividades relacionadas à borracha e plástico, química, refinaria de petróleo e manufatura de PVC. Todavia, cabe pontuar que há grande dificuldade em relacionar de forma objetiva o acometimento do câncer de mama com as atividades laborativas.

No Direito do Trabalho, as previsões relativas ao câncer de mama podem ser encontradas na Convenção nº 139 da OIT, na CLT e nas convenções coletivas de cada categoria, bem como nas normas reguladoras (NR) que determinam quais agentes e substâncias geram mais riscos em relação à incidência de câncer, regulamentando a necessidade de exames, uniformes e as condições de trabalho, além dos limites de exposição a substâncias tóxicas e cancerígenas que justificam o recebimento de adicional de insalubridade [3].

Os principais direitos, conforme as Diretrizes para Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho (2013), são: 1) o direito de não adoecer; 2) o direito à compensação do dano; 3) o direito à compensação social do adoecimento; e 4) do acolhimento do portador.

O direito a não adoecer se refere à empregada quando possui contato com substâncias conhecidamente cancerígenas, como o benzeno (ACURI et al, 2012 apud "Ambiente Trabalho e Câncer", 2021), ou seja, quando a trabalhadora está exposta a substâncias ou situações que possam acarretar o desenvolvimento da doença. Para cumprimento de tal direito, deve-se observar a Portaria nº 3.214/1978, que instituiu a criação do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), cujo principal objetivo é a promoção, a prevenção (equipamentos de proteção individual ou substituição do agente cancerígeno), o rastreamento e o diagnóstico precoce de doenças relacionadas ao labor. Em que pese a previsão regulamentar, o que se verifica, na prática, é que 85,7% das empresas apresentam algum tipo de inconsistência no PCMSO [4].

A partir do diagnóstico, é possível destacar o direito à compensação ao dano, quando comprovado o nexo de causalidade entre a doença e o labor, através de aposentadorias, pensões e auxílios ou mecanismos compensatórios estabelecidos pelo INSS e baseados nas Leis nº 8.112/1990 e nº 8.213/1991.

Importante mencionar que, independentemente se o câncer possui nexo com o trabalho ou não, o empregado doente que está incapacitado ao trabalho em decorrência da doença pode ser afastado pelo INSS recebendo benefícios por incapacidade (temporário ou permanente).

Há ainda o direito à compensação social do adoecer e acolhimento do portador, relativos a todos os portadores de câncer, independentemente do nexo com o labor, para serem beneficiários. Essa compensação social inclui isenção de Imposto de Renda (Lei nº 7.713/1988), saque do FGTS (Lei nº 8.922/1994), saque do PIS/Pasep (Resolução nº 01/96 do Conselho Diretor do Fundo de participação do PIS/Pasep), prioridade na tramitação de processos judiciais e administrativos (Lei nº 12.008/2009), quitação de financiamento de imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação em caso de invalidez ou morte e acesso a tratamento e medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (Lei nº 12.732/2012), inclusive de reconstrução da mama (Lei nº 9.797/1999).

No concernente às relações de trabalho, especificamente, caso haja nexo causal entre o acometimento ao câncer de mama e a atividade laborativa, há direito ao pagamento pela empresa de danos morais e danos materiais (lucros cessantes, danos emergentes, pensionamento vitalício, reembolso de despesas). Caso haja o desligamento presumido em razão da doença, a reintegração ao trabalho é também direito da obreira.

Quanto ao estímulo à prevenção e controle do câncer em geral, o inciso XII do artigo 473 da CLT prevê que as empregadas poderão se ausentar do serviço, sem prejuízos, por até três dias a cada 12 meses de trabalho, para realização de exames preventivos de câncer, desde que comprovado por atestado médico.

Já em relação especificamente a cada categoria de trabalhadores, os direitos previstos nas Convenções Coletivas de Trabalho (CCT) em 2020 estão delimitados a seguir.

A Convenção Coletiva de Trabalho dos Bancários prevê estabilidade por 60 dias aos empregados afastados por auxílio-doença (seja decorrente de câncer ou não), além da complementação (pagamento da diferença entre o benefício do INSS e a remuneração) por 24 meses. A convenção também amplia as ausências legais previstas nos incisos I, II, III e IV do artigo 473 da CLT, em um dia para acompanhar a internação hospitalar, por motivo de doença de cônjuge, filho, pai ou mãe.

Os empregados de processamento de dados e tecnologia afastados por 50 dias ou mais, por motivo de doença, terão assegurada estabilidade por 60 dias a contar da alta médica, também terão direito à complementação do auxílio previdenciário, na importância equivalente a 70% de diferença entre seu salário e o valor do auxílio, observados os requisitos estabelecidos pela Cláusula 21 da CCT. Além disso, conforme a Cláusula 48, as empresas devem, em conjunto com o sindicato da categoria, o SINDPD, realizar uma Semana da Saúde da Mulheres.

Em relação aos jornalistas, a CCT prevê, em sua 19ª Cláusula, a complementação do auxílio-doença a partir do 16º dia o 90º dia do afastamento, além da estabilidade do acidentado em 60 dias após o retorno.

A categoria dos professores também deve gozar de estabilidade por todo período em que estiverem acometidos de doenças graves e/ou incuráveis, como o câncer, até alta médica ou eventual concessão de aposentadoria por invalidez, conforme cláusula 28 da convenção dos professores do ensino superior e cláusula 37 dos professores do ensino básico. Os professores do ensino básico também terão direito à complementação do benefício previdenciário durante 90 dias.

Já os médicos que forem afastados do serviço por motivo de saúde (doença ou acidente), qualquer que seja seu regime de contratação, receberão uma complementação do auxílio previdenciário para que percebam a mesma remuneração que receberiam em atividade, durante o prazo de 90 dias. Os mesmos também gozarão de estabilidade provisória por 60 dias a partir da alta médica.

A convenção dos dentistas prevê, especificamente em relação ao câncer de mama, que as empregadas acima de 40 anos terão direitos à dispensa de pelo menos meio dia de trabalho por ano para realização de mamografia, e os hospitais que tiverem a especialidade deverão oferecer sua estrutura para realização do exame, conforme cláusula 15. Além disso, as enfermas gozarão de estabilidade por 30 dias, a contar do alta no INSS, desde que o afastamento seja por um prazo superior a 90 dias.

Já a convenção dos táxis aéreos prevê a complementação do auxílio previdenciário por 150 dias em 50% do salário para as afastadas por auxílio doença. Além disso, as aeroviárias afastadas por mais de dias terão estabilidade por 60 dias após o retorno da licença previdenciária. Já os aeroviários regulares serão beneficiados com a complementação do auxílio previdenciário por 180 dias em 50% do salário.

Por fim, os engenheiros terão seu benefício complementado quando já contarem com mais de seis meses de empresa e afastados por doença, do 16º ao 195º dias, até o valor dos seus salários contratuais, limitado ao valor máximo de R$ 5.460. Além disso, terão direito a estabilidade por dias a contar do término do afastamento.

Conclui-se que, além do quanto estabelecido pela Convenção n° 139 da Organização Internacional do Trabalho (que orienta o Ministério da Saúde e as Normas Regulamentadoras — NRs), a grande maioria das convenções coletivas não trazem cláusulas específicas sobre a prevenção ou disposições para o tratamento do câncer de mama em relação a suas trabalhadoras, possuindo apenas previsões aplicáveis ao acometimento por doenças em geral, o que poderia ser melhor negociado em cada categoria profissional.

Portadoras de câncer, inclusive de mama, têm direitos específicos no campo das relações de trabalho que devem ser observados, bem como direitos sociais que devem ser respeitados e informados.