FORMAÇÃO DE JURISTAS, MUDANÇAS CLIMÁTICAS E BIODIVERSIDADE DOMINAM OS DEBATES NO PRIMEIRO DIA DO CONGRESSO MUNDIAL DE DIREITO AM
Mesa de trabalhos do 2º Congresso Mundial de Direito Ambiental: papel do Judiciário vai além do julgamento de processos
A quinta-feira (9/12) foi de muitos debates e apelos em nome da preservação do meio ambiente do planeta e, por relação direta, da humanidade, no 2º Congresso Mundial de Direito Ambiental. Ao longo de todo o dia, juristas, ambientalistas e educadores participaram de painéis e mesas sobre problemas que afetam o mundo, como as mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade na Terra, e sobre a importância da inclusão do Direito Ambiental formação de juristas, entre outros.
Aberto na noite de quarta-feira pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, no Tribunal Pleno do TJRJ, o encontro organizado pela Comissão Mundial de Direito Ambiental da International Union for Conservation of Nature (IUCN) termina nesta sexta-feira, trazendo, novas contribuições à temática, como destacou o desembargador.
“Entre os muitos recados deixados pelo recente encontro em Glasgow para o mundo, ficou a necessidade de ações para a preservação das condições saudáveis para o nosso planeta. A reunião de tantas pessoas dedicadas ao tema vai contribuir para a consciência em torno de valores essenciais, ou seja, a vida, o meio-ambiente saudável, a preservação da dignidade do ser humano e de todas as espécies que compõem a biodiversidade do planeta”, disse.
Manhã
Pela manhã, painéis colocaram o papel relevante do Judiciário em relação às mudanças climáticas e à biodiversidade para além do julgamento de ações sobre os temas. Os debates aconteceram de forma presencial e pela plataforma digital Zoom, atendendo ao modelo híbrido adotado pela organização.
No primeiro painel, Judges and Climate Change (juízes e mudanças climáticas), o professor Luc Lavrysen, da Corte Constitucional da Bélgica, afirmou que deve haver uma base legal para o litígio sobre mudanças climáticas, citou determinações do Tribunal de Haia sobre redução de emissão de poluentes e defendeu a proteção da vida e da saúde.
“Há cada vez mais processos requerendo medidas de adaptação e correção. A mudança climática é um fato e está ocorrendo”, disse, acrescentando ainda que há planos de mudanças, mas que, para alcançar os objetivos, os governos devem agir. “Nem sempre a execução é como deveria ser, por isso, há tantos casos judiciais”, completou.
O professor Nicholas Robinson, da Pace University, de Nova Iorque, falou sobre as leis e as aplicações das Cortes em todo o mundo. “As soluções propostas pelos tribunais precisam ter uma visão bastante abrangente para tratar de mudanças climáticas, avaliar como a lei será aplicada para este tipo de reparação”, alertou, complementando que devemos tratar da saúde pública dos indivíduos apoiados em políticas públicas e que cada nação do mundo deve exigir estudos de impacto ambiental. Ele destacou ainda que, a partir de 2050, as populações devem suportar condições ambientais muito mais difíceis e que há diferentes remédios com que os juízes devem estar familiarizados para julgar as causas ambientais.
O tema seguinte, Climate Change, Biodiversity and The Enviromental Rule of Law in the Montevideo V Programme (Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Estado de Direito Ambiental no Programa Montevidéu V), contou com a palestrante Patricia Kameri-Mbote, professora e diretora da Nairobe University, que fez uma reflexão sobre o papel dos juízes e defendeu a capacitação dos magistrados por meio de programas para esta finalidade. “Estamos em um momento crítico da humanidade, respondendo a essa crise ampliada”, afirmou.
Segundo o diretor de aspectos legais do Ministério do Meio Ambiente uruguaio, Marcello Cousillas, o programa de Montevidéu, em sua quinta versão, trata pela primeira vez de governança, incorporando a visão de estado de direito ambiental. Ele compartilhou ainda que, após a realização de estudos, foram identificados três temas principais a serem tratados: mudança climática, crise na biodiversidade e contaminação, principalmente no mar. Ele defendeu também a constante atualização dos operadores do Direito sobre questões de meio ambiente. “O jurista é alguém que permanentemente tem que estudar, o estudo é uma ferramenta do seu trabalho”, destacou.
O especialista Michael Domas, do Tribunal do Chile, fez sua exposição sobre o tema The Water Crisis and the 2018 Brasilia Declaration of Judges on Water Justice (A Crise da Água e a Carta de Brasília de 2018), destacando o papel essencial dos juízes ao julgar questões sobre recursos hídricos e a distinção de água como recurso e como um serviço. Ele reforçou que a água é um bem de interesse público, de todos que, na justiça hídrica, devemos incorporar os povos indígenas que moram em regiões remotas. “O gerenciamento e a proteção da água nas mãos do Estado é um reconhecimento de um dever em benefício das gerações presentes e futuras”, enfatizou.
A consultora jurídica para questões ambientais no Butão, Kunzang, destacou a necessidade de consciência na gestão de recursos hídricos e defendeu o diálogo para proteção do interesse público. “A água não deve ser vista como uma questão isolada”, avaliou.
Finalizando as atividades do período da manhã, sobre o tópico The 2021 IUCN Marseille Manifesto: Key Messages to Judges on Biodiversityand Climate Change (O Manifesto de Marselha da IUCN de 2021: Mensagens-chave para juízes sobre biodiversidade e mudança climática), a especialista em direito ambiental Grethel Aguilar, de Genebra, afirmou que é necessário haver mudanças fundamentais e que as sociedades devem proteger e investir na natureza. “Nós, da espécie humana, somos capazes de fazer esta mudança”, disse, ressaltando que o evento não poderia ocorrer em um momento melhor, já que vivemos atualmente esta crise sanitária mundial.
“Se danificarmos a natureza, colocaremos em risco a nossa existência. Precisamos tomar decisões e fazer investimentos voltados para o futuro. Temos que levar em conta os direitos das futuras gerações a um meio ambiente protegido e saudável”, disse.
Tarde
No quinto painel, o tema foi a "Educação Judiciária sobre a mudança climática e lei de biodiversidade: experiências africanas e asiáticas". À frente do debate, o juiz Paulo Kihwelo, integrante da Suprema Corte da Tanzânia e diretor do Instituto de Administração Judicial do país africano, destacou a importância da troca de experiências na área do Direito Ambiental.
"O tempo para agirmos é agora. E para isso, é fundamental a formação dos nossos juristas em Direito Ambiental. Sabemos que cada jurisdição tem a sua especificidade, mas se nos apoiarmos e aprendermos uns com os outros, todos se beneficiarão", defendeu o magistrado.
Ao todo, quatro palestrantes foram convidados para compartilharem suas experiências. Gomolemo Moshoeu, diretor da Academia Judicial da África do Sul, enfatizou que o país é um dos que mais sofrem com as mudanças climáticas.
"Há 10 anos o Direito Ambiental está presente no currículo de formação do judiciário. A instrução dos magistrados nesta área é essencial e precisa ser realizada de forma contínua", enfatizou.
Em Maputo, capital de Moçambique, a disciplina também é uma prioridade na capacitação dos juristas. É o que contou o professor Carlos Serra, da Universidade Eduardo Mondlane. Ele acredita que o maior desafio é inserir o tema na educação básica.
"Da alfabetização ao ensino médio temos uma lacuna muito grande que precisa ser preenchida. É necessária uma intervenção mais ativa", contou o educador.
Direto das Filipinas, a conselheira do Banco Asiático de Desenvolvimento, Cristina Pak, fez um apelo:
"Os Tribunais de todo o mundo precisam colaborar na conservação do meio ambiente e na luta contra as mudanças climáticas. Para isso, precisamos mudar a capacidade dos nossos agentes, promovendo capacitação especializada em Direito Ambiental."
Sandra Nichols Thiam, do Instituto de Direito Ambiental de Washington, nos Estados Unidos, elogiou a realização do encontro, ainda que de forma híbrida. Ela revelou que no seu país mais de 500 juízes já foram formados em Direito Ambiental.
"Fortalecer o judiciário com as questões ambientais precisa ser um ato realizado de forma global. Que bom podermos estar aqui dividindo nossos projetos", disse.
Ao final dos debates, o ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, que participa de forma presencial no Congresso, celebrou e parabenizou o encontro e as experiências compartilhadas.
"O Direito Ambiental demanda uma formação específica. E para isso estamos vendo as escolas judiciárias se debruçando sobre esta temática. A África, um continente tão grande, complexo, com vários idiomas e longas distâncias entre os países, tem experiências bem-sucedidas na formação dos magistrados" ressaltou o ministro.
SP/IA/MB/FS
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Fotos: Brunno Dantas e Felipe Cavalcanti/ TJRJ