CRAM DOWN, EFEITOS SOBRE OS CREDORES E O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
Cram down é um instituto criado e utilizado na doutrina americana que possibilita ao juiz da recuperação judicial impor aos credores discordantes a aprovação do plano apresentado pela recuperanda e já aceito pela maioria dos demais credores, desde que o plano tenha obtido, de forma cumulativa:
1) O voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia;
2) A aprovação de três das classes de credores;
3) Na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de um terço dos credores.
Em regra, a deliberação da assembleia de credores é soberana, sendo que os credores analisam o laudo econômico-financeiro, os demonstrativos acerca da viabilidade da empresa e exercem o direito de decidir pela conveniência de se submeter ao plano de recuperação ou pela sua rejeição, hipótese em que o administrador judicial submeterá à votação a concessão de prazo de 30 dias para que seja apresentado plano de recuperação nos termos do artigo 56, §4º, da Lei 11.101/2005. Caso o plano não seja aprovado poderá ser decretada a falência.
Pois bem, o instituto cram down foi criado com a intenção de preservar a empresa, garantir o pagamento dos créditos, além de manter e abrir vagas de novos empregos com o andamento da recuperação judicial. Ou seja, ao magistrado é concedido poder para aprovar o plano de recuperação judicial em contexto de cram down ainda que não tenham sido preenchidos todos os requisitos dispostos no artigo 58 da Lei de Recuperação Judicial e Falências.
A jurisprudência ainda alterna o entendimento quanto à aplicabilidade do cram down, uma vez que há magistrados que entendem que os juízes somente devem aplicar tal instituto se estiverem presentes todos os requisitos previstos no §1º do artigo 58 da Lei 11.101/2005, enquanto outros fundamentam que os juízes precisam ter liberdade extensa para atuar.
A grande maioria dos julgados apresenta situações nas quais havia apenas um credor em determinada classe e, por esse motivo, não se alcançou um terço de aprovação na classe que rejeitou o plano, ou a classe que rejeitou o plano tinha mais de um credor e mesmo assim não conseguia alcançar o quórum de um terço exigido em lei.
Inclusive, ao julgar o Recurso Especial nº 1337989/SP, o Superior Tribunal de Justiça prevê a mesma situação de cumprimento legal, na medida em que entende a aprovação do plano pelo juízo não pode estabelecer tratamento diferenciado entre os credores da classe que o rejeitou, devendo manter tratamento uniforme nessa relação horizontal, conforme exigência expressa do §2° do artigo 58 [1] .
Ou seja, o entendimento do STJ vem seguindo a linha de que o microssistema recuperacional concebe a imposição da aprovação judicial do plano de recuperação, desde que presentes, de forma cumulativa, os requisitos da norma, não sendo cabível eventual abuso do direito de voto, já que, justamente no momento de superação de crise, é que deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação dos requisitos do cram down, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização, especialmente quando somente um credor domina a deliberação de forma absoluta, sobrepondo-se àquilo que parece ser o interesse da comunhão de credores.
Ainda, o Tribunal de Justiça de São Paulo reafirma aplicação do cram down para aprovação de plano de recuperação quando caracterizado voto abusivo dos credores, em detrimento do princípio da preservação da empresa.
A 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP entendeu que votar contra o plano de recuperação judicial não configura ato ilícito, já que cada credor vota conforme seus interesses. Entretanto, a abusividade do voto dos bancos foi confirmada quando se constatou um destinado à reprovação do plano de recuperação [2] .
O desembargador Azuma Nishi, relator do caso, destacou que "a postura omissa da instituição financeira credora, não se dispondo a nenhum tipo de negociação, pretendendo, tão somente, a convolação da falência do devedor, é indicativa de abusividade".
O que se percebe é que, não havendo a aprovação do plano da forma tradicional exigida em lei, é plenamente cabível que tal aprovação ocorra via cram down, principalmente quando se constatar que a recuperação judicial é o melhor caminho para o cumprimento da função social da empresa e, consequentemente, para o benefício da coletividade.