O SISTEMA DE AVALIAÇÃO POPULAR DOS JUÍZES DA SUPREMA CORTE DO JAPÃO
No dia 31 de outubro de 2021, foram realizadas no Japão as eleições legislativas para a escolha dos 465 deputados da câmara baixa (shūgiin). O Partido Liberal Democrata, do primeiro-ministro Fumio Kishida, elegeu 261 deputados, os quais, somados aos 32 deputados eleitos pelo seu partido aliado, Komeito, garantiram 293 lugares, superando os 233 deputados necessários para a maioria absoluta [1].
Concomitantemente às eleições legislativas, os eleitores japoneses realizaram a avaliação popular de 11 dos 15 juízes da suprema corte. A avaliação popular em relação a cada juiz acontece na primeira eleição da câmara baixa subsequente à nomeação do juiz, e na primeira eleição da câmara baixa após dez anos da avaliação anterior, até a aposentadoria compulsória do juiz aos 70 anos [2]. Porém, como tradicionalmente os juízes nomeados para a Suprema Corte possuem idade acima dos 60 anos, na prática são avaliados apenas uma vez.
Composição da Suprema Corte
A Suprema Corte japonesa é composta por 15 juízes, sendo um deles o presidente. O juiz-presidente é formalmente nomeado pelo imperador, após indicação do gabinete do primeiro-ministro, e os outros 14 juízes são nomeados diretamente pelo gabinete. É requisito que tenham notável saber jurídico e no mínimo 40 anos de idade.
Dos 15 juízes, pelo menos dez devem ser escolhidos entre juristas (juízes, procuradores, advogados, professores universitários) com mais de 20 anos de experiência [3]. Além de juristas, diplomatas e altos funcionários da administração pública também são tradicionalmente nomeados para a suprema corte [4].
Portanto, como a escolha e nomeação dos juízes da suprema corte se dá de maneira unilateral pelo governo (gabinete do primeiro-ministro), o sistema de revisão — ou avaliação — popular permite que os cidadãos se pronunciem, por sufrágio direto, sobre a respectiva escolha e nomeação.
Votação
As eleições japonesas não utilizam o sistema de urnas eletrônicas, mas, sim, cédulas de papel. O eleitor recebe três cédulas: uma em que escreve o nome do seu candidato a deputado pelo distrito, uma em que escreve o nome do partido (sistema proporcional), e uma para a avaliação popular dos juízes da suprema corte. Cada cédula é inserida pelo eleitor na respectiva urna [5].
Na cédula contendo os nomes dos juízes submetidos à avaliação, os nomes são impressos na vertical, da direita para a esquerda, sendo a ordem definida por sorteio. Os eleitores têm a opção de marcar um "x" no espaço correspondente ao nome do juiz que consideram inapropriado e desejam destituir do cargo. Caso aprovem o juiz, basta deixarem o espaço correspondente em branco. Aqueles que tiverem a maioria dos votos válidos com um "x" são destituídos do cargo.
Resultados
Em 31 outubro de 2021, 11 juízes foram submetidos à avaliação popular. A última eleição da câmara baixa ocorreu em 22 de outubro de 2017, portanto todos os juízes nomeados para a suprema corte a partir daquela data foram avaliados. Foram nove homens (Takuya Miyama, Masaaki Oka, Katsuya Uga, Tooru Sakai, Michiharu Hayashi, Mamoru Miura, Kouichi Kusano, Ryosuke Yasunami e Yasumasa Nagamine) e duas mulheres (Kazumi Okamura e Eriko Watanabe). Suas idades variavam entre 62 e 67 anos. O mais antigo dos 11 foi nomeado em janeiro de 2018 (Takuya Miyama). Já os dois juízes mais novatos foram nomeados em setembro de 2021 (Masaaki Oka e Tooru Sakai).
De acordo com os resultados da avaliação de 2021, o juiz com maior índice de rejeição foi Takuya Miyama, que recebeu 4.473.315 votos pela remoção, num total de 57.180.934 votos válidos, o que representa um índice de rejeição de 7,82%. Já o juiz com menor índice de rejeição foi Ryosuke Yasunami, que recebeu 3.384.687 votos pela remoção, num total de 57.180.934 votos válidos, o que representa um índice de rejeição de 5,92% [6].
Informação na era digital
Por lei, os eleitores devem receber nas suas casas, semanas antes da eleição, um jornal oficial (shinsa kōhō) [6] contendo as informações dos juízes submetidos à avaliação popular. O espaço correspondente a cada juiz traz foto, nome, data de nascimento, currículo resumido, principais julgamentos de que participou, e uma pequena apresentação pessoal em que expõe a filosofia e os princípios norteadores de sua atuação como juiz.
No entanto, não há dúvida de que a principal fonte de informação dos eleitores atualmente são as mídias sociais [8]. Ademais, a avaliação de outubro de 2021 foi diferente das anteriores no sentido de que recebeu grande atenção da mídia [9] e da população em geral. Isso porque em 23 de junho de 2021 a suprema corte julgou constitucional [10] um artigo do Código Civil japonês que obriga que o casal tenha um único sobrenome em comum, que pode ser tanto o da mulher como o do marido. Contudo, mais de 95% dos casais optam pelo sobrenome do marido. Os autores da ação alegaram que tal obrigatoriedade viola a liberdade assegurada pela constituição de os cônjuges livremente optarem por manter o sobrenome de solteiro ou adotarem o sobrenome do outro cônjuge, caso assim o queiram. Nesse julgamento, 11 juízes votaram pela constitucionalidade do artigo, enquanto quatro juízes votaram pela inconstitucionalidade.
Esse julgamento foi amplamente criticado por já não refletir a diversidade familiar e o papel da mulher na sociedade japonesa atual. E os resultados da avaliação popular corroboraram isso. Os quatro juízes que votaram pela constitucionalidade foram os que receberam maior reprovação em outubro de 2021 (Takuya Miyama, 7,82%; Michiharu Hayashi, 7,69%; Kazumi Okamura, 7,26%; Yasumasa Nagamine, 7,24%). Por outro lado, os três juízes que votaram pela inconstitucionalidade tiveram índices de rejeição menor (Katsuya Uga, 6,84%; Kouichi Kusano, 6,68%; Mamoru Miura. 6,67%). Já os quatro juízes que foram nomeados em julho e setembro de 2021, e portanto não participaram deste julgamento, receberam os menores índices de rejeição (Masaaki Oka, 6,20%; Tooru Sakai, 6,19%; Eriko Watanabe, 6,07%; Ryosuke Yasunami, 5,92%).
Críticas ao sistema de avaliação
O sistema de avaliação dos juízes da Suprema Corte, adotado pelo artigo 79 da constituição japonesa, foi inspirado no sistema de seleção de juízes do estado americano do Missouri (Plano Missouri) de 1940 [11].
A primeira avaliação aconteceu em janeiro de 1949, e até hoje foram 25 avaliações populares de cerca de 190 juízes da Suprema Corte, sendo que nenhum juiz foi rejeitado pela maioria dos eleitores.
O juiz com maior índice de reprovação até hoje foi Takesō Shimoda, que em 1972 foi rejeitado por 15,17% do total de votos [12]. Ele foi um ex-diplomata e serviu como embaixador japonês nos EUA antes de se tornar juiz da suprema corte em 1971 [13].
Por isso, uma das críticas ao sistema de avaliação popular é exatamente em relação à sua eficácia. Como se disse anteriormente, os juízes, que geralmente são nomeados com mais de 60 anos, passam pela avaliação logo que ingressam na Suprema Corte, portanto sem um longo histórico de decisões que permita uma avaliação mais precisa por parte dos eleitores [14].
Outras críticas recaem sobre o formato da votação (que considera as cédulas sem um "x" como aprovação do juiz) e sobre a falta de interesse dos eleitores (como o voto é facultativo, apenas cerca de 55% dos eleitores compareceram às urnas nas últimas eleições [15]).
Embora muitos considerem que o sistema de avaliação popular dos juízes da Suprema Corte seja apenas algo formal, sem eficácia prática, há quem [16] aponte o seu lado positivo, ou seja, o fato de periodicamente atrair a atenção dos cidadãos para o importante papel desempenhado por um juiz da Suprema Corte.
[2] Constituição, art. 79, 2. Saibansho hō, art. 50.
[3] Saibansho hō, art. 41.
[11] Daniel H. Foote (Tradução Masayuki Tamaruya), Na mo nai kao mo nai shihō: Nihon no saiban wa kawaru no ka, NTT, 2007, pp. 88-105.
[12] Daniel H. Foote (nota 11 supra), p. 103.
[14] Shigenori Matsui, The Constitution of Japan: A Contextual Analysis, Hart Publishing, 2011, p. 124.
[16] Daniel H. Foote (nota 11 supra), p. 105.