TJRJ INTENSIFICA TRABALHO DE PREVENÇÃO E PROTEÇÃO ÀS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A militar Larissa Andrade*, de 38 anos, só não virou mais uma estatística de feminicídio porque teve a vida salva pela filha, de 13 anos, ao ser enforcada pelo marido, seu parceiro por 16 anos. Já a cuidadora de idosos Mayara Ferrreira*, de 31 anos, viveu momentos de horror com o ex-companheiro, um mototaxista que a manteve sob tortura por 12h na casa onde moravam, em Ricardo de Albuquerque, Zona Norte do Rio. E Fernanda Coelho *, de 29 anos, demorou seis anos para assumir que o relacionamento que vivia com o pai da sua filha era violento.
Larissa*, Mayara* e Fernanda* nunca foram amigas e jamais se viram. Mas, acabaram com destinos parecidos: são vítimas, como milhares de mulheres no Brasil, da violência doméstica. As três integram a triste e crescente estatística de mulheres agredidas, mortas e humilhadas por homens que algum dia acharam que seriam parceiros e não algozes.
Somente em janeiro deste ano, foram 11 novos casos de feminicídio no estado do Rio, que registrou outros 94 processos do segmento em 2021. Já em relação a outros tipos de violência doméstica, como agressão física e psicológica, por exemplo, foram 5.765 registros em janeiro de 2022, tendo havido 62.008 novos casos em 2021.
No mesmo ano de 2021, o TJRJ deferiu 33.830 medidas protetivas de urgência, número 17,01% superior ao registrado em 2020. E essa violência também chega às crianças e adolescentes: em 2021, o Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes (Nudeca) registrou 737 depoimentos, um aumento de 208% em relação ao ano anterior.
E a punição aos agressores não tem trégua. Em 2021, o TJRJ deu 71.772 sentenças em processos de violência doméstica, 33,4% a mais do que em 2020. Neste ano, somente em janeiro, foram 4.498 sentenças.
Neste Dia da Mulher, a desembargadora Suely Magalhães, presidente da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Coem) do TJRJ, avalia que já houve grandes avanços no combate à violência doméstica, mas ainda há muito a fazer para dar cumprimento à Lei Maria da Penha e às Recomendações 33 e 35 da Convenção Para a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra a Mulher (Cedaw), do qual o Brasil é signatário. As recomendações determinam que seja garantido o acolhimento célere e humanizado no âmbito do Judiciário de todas as mulheres que forem vítimas de violência de gênero, isento de estereótipos e preconceitos de gênero.
De acordo com a magistrada, o Brasil é um país com grandes índices de violência doméstica em que a maior parte das agressões ocorre dentro de casa e, com o isolamento devido à pandemia, a situação ficou pior.
“Alguns fatores colaboraram com o agravamento da violência, como a dificuldade de acesso aos serviços de proteção, o medo da doença e do desemprego e um maior controle do homem sobre a mulher. Nesse contexto nunca imaginado, constatamos que a articulação da rede de enfrentamento da violência contra a mulher (sistema de justiça, órgãos se segurança pública, da saúde e da assistência social) é fundamental. A violência contra a mulher é um fenômeno multidimensional, não basta punir, deve haver um compromisso de todos os órgãos governamentais e não governamentais e da sociedade civil”, afirma.
Para ao presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, essa deve ser uma luta contínua de todos: “A união, o empenho e o combate ininterrupto à violência doméstica por toda a sociedade, cada um em sua esfera de atuação, é que nos trará dias melhores, com a paz social que tanto almejamos. O Judiciário fluminense está ao lado dessas mulheres”, ressalta.
Canais e instrumentos de apoio
E é nessa direção, de combate à violência doméstica e apoio às mulheres vitimadas, que a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Coem) segue intensificando seu trabalho. Os esforços e iniciativas são ininterruptos. Na pandemia, por exemplo, foram realizadas reuniões semanais virtuais com os integrantes da rede de proteção existente visando a promover, divulgar, fortalecer e implementar ações para diminuir os obstáculos adicionais que as mulheres enfrentaram.
Também houve um trabalho conjunto com a Polícia Civil para garantir o atendimento 24 horas das mulheres vítimas de violência doméstica nas delegacias e para o aprimoramento dos meios remotos de denúncias, como o RO on-line e o canal telefônico 197. Foram realizadas ainda campanhas informativas como a Campanha Covid-19 - Confinamento sem Violência, em que foram distribuídos cartazes pelo estado em locais de essenciais divulgando o canal 197 e a cartilha da Escola da Magistratura do Estado do Rio (Emerj), assim como a mobilização pela campanha Sinal Vermelho contra a Violência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
A Coem e a Emerj, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lançaram ainda o Aplicativo Maria da Penha Virtual. O app permite que a mulher possa pedir diretamente ao Judiciário medidas protetivas de forma simples e rápida por meio de qualquer computador, tablet ou telefone celular. A ferramenta está, a partir de hoje, disponível em todo o estado.
Na avaliação da desembargadora Suely Magalhães, para mudar a realidade, é preciso informar, acolher e acreditar. “A prevenção e a proteção da mulher são os principais remédios”, destaca. Às mulheres que vivem hoje neste ciclo de violência ela orienta: “Denuncie. O seu silêncio é o principal aliado do seu agressor”, alerta.
Histórias cruzadas pela dor
Larissa*
Antes de ser vítima das agressões do marido, Larissa* via no companheiro o amor de sua vida. Jamais imaginou que o rapaz gentil e educado dos tempos de escola viria a se tornar seu agressor. Porém, durante o relacionamento, ele se mostrou possessivo. Queria ter o controle de tudo, sempre dava um jeito de buscá-la nos lugares e ligava para o seu trabalho para confirmar se de fato estava lá. Após cada traição descoberta por Larissa – e foram muitas – ele ainda a agredia.
Ele que dependia financeiramente dela, mas a violência patrimonial, muitas vezes desconhecida, também acabou ocorrendo na relação. Até o carro comprado por Larissa foi exigido por seu hoje ex-companheiro – o que levou a militar a devolver o veículo onde comprou, perdendo parte do dinheiro, para evitar a perda total do bem. Mesmo com uma medida protetiva em curso, Larissa ainda não se sente totalmente livre e evita, por exemplo, postar fotos em redes sociais com medo de que ele descubra por onde ela anda. E faz um alerta sobre promessas de mudanças: “Não muda de fato, é irreversível. Pode até mudar por um tempo, mas depois tudo volta a ser como antes”, diz.
Mayara*
A cuidadora de idosos não esquece a sessão de torturas pela qual passou. Em janeiro deste ano, seu então companheiro chegou à residência do casal após o trabalho na hora de sempre, por volta de meia-noite, e, depois de perguntar pela sua comida, começou a agredir fisicamente Mayara, a mantendo sentada de cabeça baixa durante as agressões.
Se ela se levantasse, ele quebraria suas pernas; caso levantasse o olhar, teria sua cabeça quebrada pela pá que ele segurava para ameaçá-la. Até sair de casa para trabalhar, já no fim da manhã, como se nada tivesse acontecido, ele ainda a estuprou. Depois que ele deixou o local, Mayara procurou a ajuda de uma conselheira tutelar que conhecia, que a orientou a fazer o registro do ocorrido na Delegacia da Mulher. Foi assim que conseguiu se livrar desse relacionamento abusivo. Hoje, ela tem a seu favor uma medida protetiva, que vem sendo cumprida.
Para ela, as mulheres devem reagir logo caso venham a se ver em uma situação como a sua. “Digo para não se intimidarem, ao menor sintoma – dizendo que não gosta da sua roupa ou fazendo algo que a ofusque. Perceba que não é um relacionamento saudável. Procure sempre ajuda, seja com um amigo, um vizinho, a polícia. Não fique calada, pois a tendência é piorar”, indica.
Fernanda Coelho*
Fernanda custou a atender que vivia um relacionamento abusivo. No início, minimizava as agressões físicas e psicológicas por que passava, e ainda sustentava sozinha a casa, pois companheiro estava desempregado. Mesmo alertada, seguia perdoando o homem que amava. Só depois conseguiu ver que ele era manipulador e a fazia sentir que estava sempre errada.
Atualmente, com uma medida protetiva que impede judicialmente o ex-marido de se aproximar, Fernanda respira aliviada, mas não sem os traumas e medos que essa relação destrutiva a causou. “É difícil voltar a confiar em alguém”, contou ela, que dá um alerta a mulheres que estejam passando pelo mesmo problema. “A agressão física, psicológica não vai ser passageira. São abusadores psicológicos, manipuladores. É preciso estar alerta, denunciar e sair deste ciclo de violência”.
*Nomes fictícios para não identificar as vítimas.
Saiba mais informações sobre violência doméstica e como denunciar o agressor acessando a cartilha abaixo:
https://www.emerj.tjrj.jus.br/publicacoes/cartilhas/violencia-domestica/versao-digital/index.html
SP/FS