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AMPLO ACESSO. SAÍDA INCERTA. E O PORVIR?

Tão logo digitei as primeiras letras deste texto, as teclas do computador começaram a sentir o peso dos meus dedos trêmulos. Não, eu não havia levado um susto. Tampouco penso que esteja com algum (novo) problema de saúde. Pelo menos no corpo físico. Os atuais já me bastam... Depois de dias de profundo estresse por conta de problemas de saúde com filhos e de extenuantes jornadas de trabalho, inclusive dentro do hospital, meu corpo fraquejou. E tremeu.

Longe de mim desconhecer que mundo afora há milhões e milhões de pessoas em situação de estresse e condições de trabalho muito, muito piores que as minhas. Não se trata disso. As primeiras palavras são apenas um mote para entrar no assunto que pretendo abordar.

Tampouco ouso generalizar ou questionar condutas alheias. Em absoluto! Estas linhas revelam apenas o desabafo de um magistrado que luta há quase dezoito anos para não se deixar vencer pela letargia, muito menos pela lógica de que bons mesmo são os juízes e juízas que julgam muito, que apresentam sempre gigantescos números de produtividade, que participam — durante o expediente, claro — de projetos que cuidam das borboletinhas que vivem à margem esquerda do rio das lorotas etc. Da margem direita já há quem se ocupe...

Este nada despretensioso texto busca alertar — sem nenhuma vênia e com toda ênfase — para um fato que se mostra cada dia mais grave: o Poder Judiciário — com o argumento dito politicamente correto e muitas vezes mentiroso de melhorar a tal prestação jurisdicional e distribuir justiça — a cada dia terceiriza mais e mais a principal função de seus membros, que é efetivamente examinar os processos e só depois despachar, decidir e julgar.

Há pouco, sobrecarregado, mas lisonjeado com a confiança numa capacidade que eu mesmo desconheço, estava respondendo por duas varas cíveis e auxiliando o titular numa outra. Salvo engano, isso quer dizer que havia pelo menos dez pessoas elaborando minutas que posteriormente seriam e foram submetidas à minha apreciação. Pedidos de liminares minavam como água em beira de praia. Demandas de saúde, então... Humano que sou, por óbvio assinei coisas que reputei simples sem uma avaliação mais detida. Embora não conheça, adianto que sinceramente admiro quem teria agido de modo diferente.

Alguém poderá dizer que estou reclamando de barriga cheia, que nós de fato não costumamos ler as petições, nem quando nelas um gaiato transcreve uma receita de bolo. Ledo engano.

Num país no qual as agências reguladoras e os órgãos fiscalizadores são ineficientes e o Poder Judiciário é instado diuturnamente a decidir sobre a (não) nomeação de ministros, (não) políticas de saúde, (não) construção de creches e hospitais, atrasos em voos, abusos bancários, relações amorosas, falência de grandes grupos econômicos, guarda de animais, borrachas de geladeiras que não vedam e até sobre a falta de sobremesa dietética numa churrascaria, para ficar em poucos exemplos, é impossível que os processos sejam examinados com o devido rigor. Ah! Lembrei-me de um caso recente: numa ação simples de indenização por danos morais, que deveria estar num Juizado Especial, penso eu, somente a petição inicial, a contestação e a réplica somavam quase cento e cinquenta páginas!!! Ou seja, algo feito para não ser lido às inteiras.

Não raro, ouvem-se vozes a gritar que o Judiciário se mete em tudo. Olvidam-se, entretanto, que magistrados e magistrados não acordam de manhã e simplesmente dizem que decidirão sobre isso ou aquilo. Para que nos manifestemos, é imprescindível que alguém provoque. E, uma vez provocados, não podemos nos negar a decidir. Isso decorre do princípio da inderrogabilidade da jurisdição, se não me falha a cansada memória. Mas há racionalidade num sistema em que tudo se judicializa? Evidente que não. Costumo dizer que não demora e me verei diante de um pedido para estabelecer a rotina de um casal na alcova. Oxalá fosse apenas uma piada de mau gosto...

Seja por abuso de direito com objetivos financeiros, seja porque ainda não se deram conta do que isso de fato representa, muitos brasileiros e brasileiras estão, em todos os níveis e Poderes, equivocada e irrefletidamente transferindo para terceiros as rédeas dos seus destinos. Mas não existe almoço grátis, como se diz por aí, sobretudo num estabelecimento lotado, com muitos maîtres e garçons, mas um só cozinheiro.

A nobre missão de julgar exige cautela, reflexão, tempo. Como — ainda — não canso de repetir, estudei e estudo para dar prevalência às pessoas, não aos números. Mas isso tem me custado caro, física e mentalmente. Até agora, esse sistema perverso não me dobrou. No porvir, rogo que não me convença do equívoco das minhas escolhas.