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DECISÃO DA SUPREMA CORTE DOS EUA PODE FACILITAR CORRUPÇÃO ELEITORAL

O financiamento de campanhas eleitorais nos EUA tem umas regras pouco vistas por aí. Por exemplo, as doações são feitas ao comitê de campanha eleitoral de cada candidato — não ao candidato ou ao partido. Com esse dinheiro, o comitê cobre todas as despesas da campanha, como anúncios, viagens, hospedagens e tudo mais. Mas o candidato pode fazer empréstimos a seu próprio comitê eleitoral. E, depois das eleições, pedir novas contribuições a seu comitê de campanha, para que o comitê lhe pague o dinheiro que emprestou — com juros altos, comparáveis aos de cartão de crédito.

Ele irá, com certeza, receber muitas contribuições, se ganhar a eleição, porque ninguém dá dinheiro após as eleições para candidato perdedor. E muita gente quer dar dinheiro para um candidato eleito para um cargo influente. Essa prática sempre foi envolta, obviamente, por um cheiro de corrupção anunciada.

Por isso, em 2002, o Congresso aprovou a Lei Bipartidária da Reforma da Campanha Eleitoral (Bipartisan Campaign Reform Act of 2002), que estabeleceu um limite máximo de US$ 250 mil para a restituição pós-eleitoral ao candidato, pelo dinheiro que ele emprestou ao comitê. Nesta segunda-feira (16/5), a Suprema Corte dos EUA extinguiu esse limite, por 6 a 3 — seis votos dos ministros conservadores contra três votos (de protesto) dos ministros liberais.

decisão, considerada surpreendente, foi dada em uma ação judicial movida pelo senador republicano Ted Cruz. Um dia antes das eleições de 2018, Ted Cruz fez um empréstimo de US$ 260 mil ao comitê “Ted Cruz for Senate” — US$ 10 mil acima do limite imposto pela lei — com um objetivo definido: disputar na justiça a constitucionalidade da lei. Não foi só pelos US$ 10 mil. O comitê devia a ele US$ 545 mil, de um empréstimo que fez em 2012. Agora o senador Ted Cruz — e somente ele, por enquanto — vai receber US$ 555 mil, mais juros. O senador havia perdido a causa em instâncias inferiores.

Voto vencedor
O voto da maioria conservadora foi escrito pelo presidente da corte, ministro John Roberts, que concordou com a tese de Ted Cruz de que o limite a restituições de empréstimos de campanha é inconstitucional, porque viola o direito à liberdade de expressão, assegurado pela Primeira Emenda da Constituição. Entre outras coisas, Roberts escreveu:

"O limite ao reembolso do empréstimo restringe os direitos da Primeira Emenda, ao sobrecarregar candidatos que querem fazer despesas em benefício de suas próprias candidaturas, através de empréstimos pessoais [que fazem a seu comitê]. Restringir as fontes de recursos que as campanhas podem usar para restituir o empréstimo de um candidato, aumenta o risco de que tais empréstimos não serão totalmente restituídos e, por causa disso, os candidatos podem não emprestar dinheiro para suas campanhas."

"Essa Corte reconheceu apenas um fundamento permissível para restringir a fala política: a prevenção da corrupção por troca de favores ou de sua aparência [de que esse é o caso]. Temos rejeitado consistentemente tentativas de restringir a fala em campanhas, com base em outros objetivos legislativos", prossegue.

"Por exemplo, rejeitamos tentativas de reduzir o valor dinheiro usado em política, para nivelar oportunidades eleitorais por equalizar recursos dos candidatos e para limitar a influência geral que um contribuinte pode exercer sobre uma autoridade eleita. No entanto, por mais bem-intencionada que essas propostas possam ser, a Primeira Emenda — como essa Corte tem enfatizado repetidamente O senador havia perdido a causa em instâncias inferiores. proíbe tentativas de interferir no direito dos cidadãos de escolher quem deve governá-los."

"Empréstimos são importantes para dar partida em uma campanha, especialmente importante para os candidatos que querem desafiar quem já exerce o cargo. Limites a contribuições pós-eleição a candidatos são os mesmos da pré-eleição e, portanto, não representam, particularmente, qualquer efeito corrosivo. As contribuições não podem ser vistas como presentes ao candidato. Apenas irão restituir o dinheiro que o candidato gastou na campanha."

Voto vencido
O voto da minoria liberal se concentra, sobretudo, na ideia de que a extinção do limite a contribuições pós-eleitorais irá, sem dúvida alguma, facilitar a corrupção nos meios políticos. O voto, escrito pela ministra Elena Kagan, diz, entre outras coisas:

"Contribuições pós-eleitorais a um candidato vencedor, para que ele recupere empréstimo pessoal que fez a seu comitê, apresenta riscos únicos de corrupção. Tudo que esse dinheiro faz é enriquecer o candidato pessoalmente, em um tempo em que ele pode retornar favores, através de um voto, de um contrato ou de uma reunião."

"Não é preciso ser um gênio político para ver o alto risco de corrupção — o perigo do acerto entre autoridades e doadores, do tipo 'eu faço você ficar rico, você me faz ficar rico'. Nesse ponto [após a eleição], o candidato e o doador sabem o que estão obtendo com o arranjo. O candidato fica profundamente agradecido porque sua riqueza pessoal aumentou e o doador sabe que o candidato irá retribuir o que ele pagou", afirma o voto.

"Nos próximos meses e anos, eles vão receber benefícios governamentais — talvez uma legislação favorável, talvez reuniões proveitosas, talvez contratos lucrativos. O político fica feliz, os doadores ficam felizes. O único perdedor é o público que, inevitavelmente, sofre com a corrupção governamental."

"O candidato pode, de fato, se autofinanciar, como quiser. A lei impede apenas sua habilidade de usar o dinheiro de outras pessoas para financiar sua campanha, da forma que os limites padrão (e permissíveis a contribuições) permitem. E mesmo que a restrição a terceiros seja modesta, elas se aplicam apenas a doações pós-eleição (não a pré-eleições), para reembolsar grandes empréstimos (não os pequenos)."

Alegações do governo
Enquanto as alegações do autor da ação foram semelhantes às sustentadas no voto da maioria, as alegações do governo, representado pelo Departamento de Justiça (DoJ), também deram maior destaque aos riscos de corrupção, que poderiam ser criados por uma decisão favorável ao senador Ted Cruz. Os advogados do DoJ argumentaram, entre outras coisas:

"A justificativa para essas limitações é a de que contribuições pós-eleitorais a um candidato, particularmente um candidato vencedor, para ajudar [o comitê] a pagar um empréstimo, apresentam um aumento das possibilidades de corrupção porque, quando a campanha usa o empréstimo do candidato, cada dólar doado pelo contribuinte vai, no final das contas, para o bolso do candidato."

"Um doador pós-eleição normalmente sabe que o recipiente da contribuição venceu a eleição — em vez de meramente esperar por isso — e já está em posição de lhe fazer favores oficiais."

Na decisão da maioria, o ministro John Roberts escreveu que o DoJ não comprovou, em sua resposta à ação, que algum candidato vencedor usou o dinheiro para fazer favores aos doadores.