Metrô de SP é condenado a indenizar adolescente agredido por seguranças
Uma companhia responsável pela operação de rede metroviária tem o direito de vetar práticas que considera irregulares, como o ato de pedir dinheiro nos vagões e plataformas. Mas isso não pode ser usado como pretexto para permitir que seus agentes de segurança "excedam os limites do razoável" com quem desrespeita as regras — se isso acontecer, a empresa deverá ser responsabilizada.
Com esse entendimento, o juiz Vítor Gambassi Pereira, da 23ª Vara Cível de São Paulo, condenou na terça-feira (17) o Metrô paulista a indenizar um adolescente agredido por seguranças da empresa. A Companhia do Metropolitano terá de pagar R$ 70 mil ao jovem L.V., de 15 anos.
Em 8 de dezembro de 2019, L.V. estava distribuindo bilhetes com pedidos de ajuda a passageiros em um trem na Estação Tamanduateí, da Linha 2-Verde, quando foi abordado por um segurança. O adolescente foi arrastado para fora do vagão e imobilizado por dois agentes.
Segundo a defesa da vítima, o funcionário do Metrô encontrou na mochila do garoto um papel de seda para enrolar tabaco. L.V. tentou correr, "pois estava com medo", mas o segurança "o imobilizou novamente com uma chave de braço" e, depois, "com um mata-leão".
Em seguida, o adolescente foi encaminhado a uma sala reservada, longe das filmagens. As agressões foram presenciadas por um policial militar, que nada fez para socorrer o menino de 15 anos, mais magro e fraco do que os agentes, de acordo com o processo.
O Metrô contestou o feito e argumentou que a abordagem se deu pelo fato de que o adolescente pedia dinheiro no transporte público, prática proibida nas instalações. Defendeu que os agentes agiram de acordo com o manual de segurança, "tendo o autor tentado fugir e ameaçado os agentes, o que determinou a necessidade de imobilização". Também negou a existência de agressões.
Danos morais
Ao analisar o caso, o juiz destacou que é possível que a companhia estabeleça regras para utilização dos trens e permanência nos vagões e nas plataformas, sem que isso, por si só, configure ilegalidade ou abuso.
"Acontece que (a companhia) não pode, a pretexto de atuar legalmente e com o fim de coibir práticas irregulares, permitir que seus agentes excedam os limites do razoável quando enfrentam contenda que deveria ser conduzida de forma completamente diferente", disse o magistrado. "As imagens trazidas com a inicial, bem como aquelas juntadas com a contestação, bem comprovam que houve, sim, abuso".
O juiz destacou que os agentes optaram por "imobilização excessiva, com golpes que poderiam perfeitamente fraturar algum osso do autor, causando-lhe lesões corporais inaceitáveis", e que não há qualquer indício de que houve orientação e tentativa de evitar ao máximo o enfrentamento: "Ao contrário, o embate físico foi a primeira opção dos agentes".
O laudo de lesão corporal confirmou a existência de equimose e diversas escoriações no corpo de L.V., todas produzidas por agente contundente e compatível com a atuação dos seguranças, segundo o que consta nos autos. Nada de ilícito foi encontrado com o garoto.
"Houve não só a violação à saúde e à integridade física da parte autora, especificamente quanto às lesões corporais comprovadamente sofridas e relatadas no laudo pericial, mas também violação à integridade psíquica, decorrente do presumível desespero quando abordado o autor de forma excessiva e por mais de uma pessoa", afirmou o juiz.
O magistrado também reconheceu a existência de racismo estrutural na abordagem dos agentes.
Para a advogada de L.V., Ana Paula Cristina Oliveira Freitas, "o reconhecimento do racismo estrutural é de grande importância, uma vez que o adolescente não foi a primeira e nem a última vítima de violência por parte dos seguranças do Metrô".
O juiz julgou proporcional o valor de R$ 70 mil de indenização por danos morais ao adolescente, com juros de mora de 1% ao mês desde a citação.
Processo 1014309-68.2021.8.26.0100