NA SEGURANÇA PÚBLICA, JUDICIÁRIO NÃO DEVE SE LIMITAR A PRENDER, DIZ GILMAR
O Poder Judiciário precisa ter consciência de seu papel na manutenção da segurança pública. Porém, não basta prender. É necessário que magistrados evitem sobrecarregar o sistema prisional e busquem formas de reinserir os egressos de penitenciárias na sociedade. Foi o que afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes nesta segunda-feira (13/6), em evento em sua homenagem no Rio de Janeiro.
O ministro Gilmar Mendes defendeu
projeto nacional de segurança pública
Nelson Jr./SCO/STF
Gilmar, que na próxima segunda-feira (20/6) completará 20 anos de STF, recebeu da Associação Comercial do Rio de Janeiro a comenda Bicentenário Visconde de Mauá, durante o Almoço do Empresário. Em palestra, o ministro defendeu que o Judiciário atue com outros órgãos na preservação da segurança pública.
Tal estratégia deve ser coordenada pelo governo federal, opinou o magistrado. Desde que era presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar sugere a criação do Sistema Único de Segurança Pública, inspirado no Sistema Único de Saúde. Um passo positivo nesse sentido foi a criação, no governo Michel Temer, do Ministério da Segurança Pública, que foi integrado ao Ministério da Justiça na gestão de Jair Bolsonaro.
Cerca de três milhões de pessoas vivem em áreas dominadas pelo tráfico ou pela milícia no Rio de Janeiro, mencionou o ministro, destacando a importância do tema. Por isso, ele disse ser preciso que os candidatos a presidente e governador apresentem propostas concretas no setor da segurança pública. E, se for preciso, que usem o Rio de laboratório para medidas da área.
Como exemplo de atuação do Judiciário na área da segurança, Gilmar Mendes citou as decisões do Supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635. No caso, a corte restringiu as operações policiais no Rio a casos "absolutamente excepcionais" enquanto durasse a epidemia da Covid-19 e determinou que o governo estadual apresentasse plano de redução da letalidade policial.
"É uma decisão complexa, mas que se inspira em cuidados que se deve ter nessas operações, que acabam resultando em verdadeiras chacinas, massacres", avaliou o ministro, ressaltando que o trabalho dos policiais é difícil diante de opositores fortemente armados.
Questionado pela ConJur se a atuação do Judiciário na segurança pública baseada apenas em prisões é eficaz, Gilmar Mendes respondeu que não e defendeu um amplo debate sobre a aplicação de medidas alternativas ao encarceramento.
"De fato, a responsabilidade é do juiz, porque é ele quem decreta a prisão e depois decide pelo relaxamento. E muitas vezes o juiz é caudatário do pedido da autoridade pública, que argumenta que prendeu um chefe do tráfico", ponderou o magistrado.
Ele lembrou que, quando foi presidente do CNJ, promoveu o Mutirão Carcerário, que resultou na libertação de 22 mil pessoas. Também mencionou que o artigo 319 do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade da aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, surgiu de discussões com o órgão.
O ministro também recordou que votou pela descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e afirmou ser necessário promover políticas para facilitar a reinserção social de egressos do sistema carcerário.
Crimes na Amazônia
Gilmar Mendes disse a jornalistas ser "lamentável" o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips na Amazônia.
"É extremamente grave que esteja ocorrendo isso nessa região do Brasil. É importante que possamos chamar a atenção para que isso não mais se repita".
O ministro também relevou os ataques de Bolsonaro ao STF e negou que a corte faça oposição ao presidente.
"Não há guerra entre Judiciário e Executivo. Se olharem bem, temos uma série de decisões que confirmam políticas públicas. Recentemente tivermos a Pauta Verde, e houve decisões contrárias, algumas favoráveis. Criou-se uma lenda urbana de que o Supremo é o partido de oposição ao governo, que não seria a oposição do Congresso. Isso não é verdade. Muitas das medidas tomadas pelo governo foram validadas pelo STF. Como o desinvestimento na Petrobras, em que se fez a privatização de subsidiárias da Petrobras sem lei. Isso foi validado pelo STF. O problema é que quando surge uma situação de conflito, ela é maximizada", declarou ele.
"A judicialização da política vem da política, não do Judiciário", disse o ministro, lembrando que são os partidos que levam as questões ao Supremo, e não a corte que as reivindica.
Com relação às eleições, Gilmar, que já presidiu o Tribunal Superior Eleitoral, apontou que não há possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas. Tanto que, por meio delas, o PSL — então partido de Bolsonaro — elegeu 52 deputados no pleito de 2018, muitos deles até então desconhecidos no meio político, como Hélio Lopes, conhecido como Hélio Bolsonaro, do Rio.
"Lava jato" e corrupção
O presidente do STF, Luiz Fux, afirmou na sexta-feira (10/6) que "ninguém pode esquecer" que casos de corrupção ocorreram no Brasil e que "embora nas decisões da 'lava jato' tenha havido anulações formais, aqueles R$50 milhões nas malas eram verdadeiros", fazendo referência ao dinheiro do ex-ministro Geddel Vieira Lima encontrado em um apartamento em Salvador.
Ao comentar a fala de Fux, Gilmar Mendes disse que ninguém está discutindo se houve ou não corrupção, mas que é preciso que o combate ao crime ocorra dentro da lei.
"O que se cobra é se isso seja feito de acordo com o devido processo legal. Não se combate crime defendendo crime. Então se você usou a prisão provisória alongada para obter delação, isso tem outro nome na ordem jurídica. Isso se chama tortura. Vimos agora um empresário falando que foram forçados a fazer delação contra um ou outro sujeito. O Geddel, por exemplo, foi condenado. O combate à criminalidade deve ser feito dentro dos marcos legais. E o STF não pode validar práticas ilícitas".
"A 'vaza jato' mostrou que um juiz (Sergio Moro) comandava toda a operação ("lava jato") e sugeria medidas para os procuradores. Já viram alguém dizer que isso seja legal em um lugar que tenha devido processo legal? Ou promotor submetendo denúncia ao juiz para ele ver se a peça estava boa?", questionou ele.
"Isso se tornou um projeto de poder", destacou Gilmar. "Vocês mesmos (jornalistas) diziam 'não se pode contrariar a 'lava jato', a 'lava jato' está recomendando tais e tais medidas'. Isso acabou se configurando em um escândalo. E tinha corrupção dentro. O que era aquela Fundação Dallagnol? Era algo de R$ 2,4 bilhões. Veja, vocês estão escandalizados com 4,9 bilhões de Fundo Eleitoral. A fundação daria R$ 2,4 bilhões para os procuradores se candidatarem. É um exemplo de como não se fazer (combate à corrupção)", disse o ministro.