OS 30 ANOS DO ICMS ECOLÓGICO NO ESTADO DO PARANÁ
O estado do Paraná celebrou no dia 21 de outubro de 2021 os 30 anos de uma das políticas públicas mais importantes para a preservação do meio ambiente paranaense: o ICMS Ecológico.
Inaugurado pelo Paraná em 1991 e regulamentado por outros 17 estados da Federação, essa modalidade de realocação de recursos fiscais repassa atualmente cerca de R$ 7 bilhões para os mais de 260 municípios paranaenses cadastrados [1], o que além de condecorar a figura do protetor-beneficiário [2] também estimula a proteção da biodiversidade no território paranaense.
Prefacialmente, impende salientar que tal disposição assumiu fundamental importância para equilibrar a balança dos repasses fiscais em favor da proteção do meio ambiente, posto que a antiga conjuntura tributária insistia em privilegiar com maiores repasses os municípios que se dedicavam ao desenvolvimento econômico em detrimento da preservação ambiental.
Isso porque não raramente as cidades mais populosas ou que mais geram circulação de mercadorias/serviços são as que têm, em seu território, mais condições de desenvolver atividades economicamente produtivas, as quais culminam, no mais das vezes, em externalidades negativas por meio do desenvolvimento de uma estrutura predatória em relação aos recursos naturais [3] (LOUREIRO, 2002).
Consequentemente, essa modalidade de transferência de recursos penalizava duplamente as cidades que se dedicavam à preservação da biodiversidade, tanto pela restrição da exploração econômico-produtiva de parte do seu território em face da afetação ambiental, quanto pela consequência economicamente nefasta de tal imposição, que implicava num menor nível de repasse orçamentário (LOUREIRO, 2002).
Nesse cenário, os municípios sentiam suas economias prejudicadas pela proibição de uso causada pela necessidade de cuidar dos mananciais de abastecimento para municípios vizinhos e pela existência de unidades de conservação, ao passo que o Poder Público estadual sentia a iminente necessidade de modernizar seus instrumentos de política pública. Desse modo, o ICMS Ecológico então surge como produto dessa dupla necessidade intergovernamental.
Originalmente, a fundamentação jurídica do ICMS Ecológico encontra supedâneo legislativo na regulamentação do artigo 158, IV, parágrafo único e incisos da Constituição Federal, haja vista que o referido dispositivo atribui aos municípios 25% de todo o montante arrecadado pela Fazenda Estadual a título de ICMS.
A partir disso, tendo em conta que o legislador constituinte deixou a cargo dos estados a definição dos critérios [4] desse repasse orçamentário, a regulamentação do referido dispositivo coube pioneiramente ao estado do Paraná, que, por meio do artigo 132 de sua Constituição Estadual, determinou que parte do ICMS previsto no permisso constitucional seria então repassado aos municípios que mantivessem áreas de preservação ambiental e/ou áreas mananciais em seus respectivos territórios.
Essa tímida regulamentação normativa, entretanto, ainda não esgotaria o afunilamento legislativo da autorização constitucional, pois, predecessoriamente, ainda seria preciso que o artigo 2º da lei complementar nº 9.491/90 especificasse o valor exato do repasse (5%) para que só então a Lei Complementar nº 59/91 definitivamente instituísse o que hoje se conhece por ICMS Ecológico, verde ou ambiental.
Desse modo, não se está a tratar, portanto, de uma nova tributação instituída, mas sim de uma modalidade de redistribuição da receita estadual que objetiva incentivar as municipalidades a compatibilizarem o desenvolvimento de suas atividades econômicas com a preservação do meio ambiente equilibrado, premiando o protetor-beneficiário com um maior repasse de ICMS.
No caso do Paraná a redistribuição do referido valor de 5% coube ao artigo 4ª da Lei do ICMS Ecológico, que prevê o repasse de metade desse valor (2,5%) aos municípios com mananciais de abastecimento e a outra metade aos municípios com unidades de conservação ambiental [5]; composição essa que tem produzido bons resultados ao longo desses 30 anos.
Segundo dados levantados pelo engenheiro agrônomo do Instituto Ambiental do Paraná [6] (IAP), Wilson Loureiro, além dos inúmeros resultados indiretos, tais como o aprimoramento institucional do IAP, a democratização do debate sobre as unidades de conservação, a justiça fiscal pela conservação, a construção dos corredores da biodiversidade e a geração de trabalho e renda, o ICMS Ecológico já nos seus primeiros dez anos (1991-2001) emplacou uma evolução de 159,77 % no aumento de superfície das áreas protegidas [7].
Outrossim, no Paraná, merece destaque a criação do Parque Nacional de Ilha Grande, pois foi justamente a possibilidade do repasse de recursos financeiros provenientes do ICMS Ecológico que despertou nos dirigentes públicos locais a intenção de compensar a perda do antigo Parque Nacional das Sete Quedas, que fora destruído para dar lugar ao reservatório de Itaipu.
Desse modo, não por menos o ineditismo da Lei do ICMS Ecológico na área do Meio Ambiente logrou reconhecimento internacional pela ONU (Organização das Nações Unidas), além de receber também o prêmio Henry Ford, por ser considerado um dos dez melhores projetos do mundo na área da ecologia.
Atualmente os resultados do ICMS Ecológico ainda ostentam números substanciais no que diz respeito à proteção da biodiversidade paranaense. De acordo com dados fornecidos pelo IAP [8], nas entrementes de 1997 a 2021, o total de áreas protegidas cadastradas no ICMS Ecológico obteve uma ampliação de 51,28%, assim como as áreas de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) e as Unidades de Conservação Municipais, que obtiveram um exponencial aumento de 1.558% e 1.107% respectivamente.
Aqui é importante destacar que o ICMS Ecológico não tem contribuído somente para a ampliação das áreas protegidas, mas também para a qualidade do tratamento dessas unidades, porque não basta que os municípios simplesmente realizem o cadastro da unidade de conservação, mas é igualmente necessário que essa unidade tenha e mantenha um satisfatório nível de conservação para que o município protetor possa receber os repasses do ICMS Ecológico (LOUREIRO, 2002).
Hodiernamente, no estado do Paraná esses repasses totalizam aproximadamente R$ 400 milhões por ano [9], com destaque para os municípios de Antonina, Céu Azul, Mato Rico e São Jorge do Patrocínio, que juntos receberam mais de R$ 29 milhões de recursos provenientes do ICMS Ecológico somente até o mês de outubro de 2021 [10].
No que diz respeito à capital paranaense, também os repasses do ICMS Ecológico têm impactado significativamente no aumento da receita municipal, haja vista que, tomando em conta o período supracitado, o município de Curitiba recebeu mais de R$ 3 milhões do governo estadual pelas unidades de conservação cadastradas, dentre as quais merece destaque o parque municipal Barigui, que sozinho é responsável por mais de 20% do respectivo montante [11].
Desse modo, é possível concluir que o ICMS Ecológico tem se apresentado como uma política intergovernamental de redistribuição de recursos satisfatória para autocomposição entre o desenvolvimento econômico dos municípios e a preservação do meio ambiente equilibrado, algo que privilegia a manutenção do desenvolvimento sustentável e promove a justiça fiscal redistributiva, recompensando o protetor-beneficiário pelos esforços dependidos em favor meio ambiente, sobretudo nas cidades em que a proteção ambiental imposta por lei representa uma limitação ao desenvolvimento das atividades econômico-produtivas.
[1] Instituto Água e Terra. ICMS Ecológico chega a três décadas de reconhecimento da proteção do meio ambiente. Disponível em: http://www.iat.pr.gov.br/Noticia/ICMS-Ecologico-chega-tres-decadas-de-reconhecimento-da-protecao-do-meio-ambiente. Acesso em: 14 de dez. 2020.
[2] De acordo com Wilson Loureiro, esse princípio se coloca dialeticamente em contraponto ao princípio do poluidor-pagador, operacionalizando fundamentalmente ações de caráter preventivo.
[3] Loureiro, Wilson. Contribuição do ICMS Ecológico à conservação da biodiversidade no Estado do Paraná. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2002.
[4] O parágrafo único do referido dispositivo condiciona o repasse dos 25% do ICMS devido aos municípios, estabelecendo que, no mínimo, 65% desse valor deverá ser repassado na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas nos respectivos territórios municipais, sendo que os outros 35% desse percentual estaria à livre disposição da legislação estadual, desde que observada, obrigatoriamente, a distribuição de, no mínimo, dez pontos percentuais com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos.
[5] A definição de unidades de conservação ambiental está contida no artigo segundo da lei do ICMS ecológico como sendo "áreas de preservação ambiental, estações ecológicas, parques, reservas florestais, florestas, horto florestal, área de relevante interesse de leis ou decretos federais, estaduais ou municipais, de propriedade pública ou privada".
[6] Hoje denominado como Instituto Água e Terra.
[7] LOUREIRO, Wilson. O ICMS Ecológico na Biodiversidade. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:GwYS1R7yXpwJ:www.floresta.ufpr.br/pos-graduacao/seminarios/wilson/ICMS_ecologico_no_parana.doc+&cd=17&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 14 dez 2020.
[8] Instituto Água e Terra. ICMS Ecológico por Biodiversidade. Disponível em: http://www.iat.pr.gov.br/Pagina/ICMS-Ecologico-por-Biodiversidade#. Acesso em 14 Dez 2021.
[9] Instituto Água e Terra. ICMS Ecológico chega a três décadas de reconhecimento da proteção do meio ambiente. op. cit.
[10] Instituo Água e Terra. ICMS Ecológico por Biodiversidade. op.cit.
[11] Instituo Água e Terra. ICMS Ecológico por Biodiversidade. op.cit.