TRIBUTAÇÃO DAS PLATAFORMAS ONLINE DE APOSTAS
Nos últimos dias, o governo federal anunciou que editará medida provisória para tributar plataformas de apostas com sede fora do Brasil.
Aparentemente, a justificativa para a adoção da medida é o fato de tais entidades, apesar de não possuírem estabelecimento em território brasileiro, operarem livremente sem pagar nenhum imposto.
Como se sabe, tais entidades não possuem autorização para operar essas atividades em território brasileiro, por força de uma proibição legal que, grosso modo, criminaliza o jogo.
Enquanto se aguarda a solução jurídica que o Estado brasileiro dará para o problema, algumas dúvidas surgem:
a. Poderia o governo receber receitas públicas de atividade ilegal?
b. Se sim, como tributar tais atividades se não possuem residência em território brasileiro?
Antes de responder tais pontos, é bom registrar que atualmente tramitam dois projetos de lei (PL nº 442/1991 e PL nº 186/2014) que visam a legalizar as apostas e os jogos de azar em território brasileiro, justamente com uma proposta de tributar tais atividades.
Ou seja, o Congresso Nacional teria a oportunidade de opinar sobre o assunto e, ainda, de estabelecer o modo como tais atividades seriam endereçadas em termos de tributação, de arrecadação e de despesas.
(Para o leitor que se interessa pelo assunto, indico minha dissertação de mestrado que culminou na publicação do "Inimigos Públicos? Uma perspectiva à luz do direito financeiro", publicado pela Editora Lumen Juris)
Voltemos às questões colocadas.
Para a primeira pergunta, a resposta é que, em minha avaliação, não há impeditivo para o Estado brasileiro tributar receitas decorrentes de atividades não legalizadas. Ou seja, não precisaria ele legalizá-las para se obter arrecadação com elas.
Ao caso se aplicaria a velha máxima de que o "dinheiro não tem cheiro" (o famigerado princípio "non olet"), o que implica a possibilidade de a Administração Pública poder obter receitas com atividades ilícitas, privilegiando uma ideia de igualdade. A lógica é: se quem opera dentro da legalidade deve pagar imposto, por quem está à margem da lei também deve ser tributado (para não haver vantagens, inclusive, concorrenciais).
Claro que a discussão sobre a aplicação dessa máxima é grande e profícua. Mas, para encurtar o caminho, nossa resposta à primeira pergunta é positiva.
Deslocando brevemente o debate, a questão é: a legalização de tais atividades poderia trazer uma discussão qualitativa sobre (1) a forma de autorização das atividades; e (2) sobre a forma de arrecadação que se pretende impor ao jogo de modo geral. Daí a importância de se discutir o assunto no parlamento brasileiro.
Respondida a primeira pergunta, passemos ao modo de se tributar tais atividades (segundo questionamento).
Em nossa avaliação, o Estado brasileiro, dentro dos tributos existentes no ordenamento, teria as seguintes possibilidades:
a. Exigir Imposto de Renda (IR) retido na fonte nas remessas ao exterior a título de apostas, bem como exigir das casas de câmbio a apresentação da prova de retenção do imposto (ou criar uma obrigação adicional para as operadoras de cartão de crédito);
b. Exigir o pagamento das contribuições ao PIS e a Cofins nas remessas ao exterior, mediante a criação de obrigação adicional;
c. Exigir o pagamento da Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide) nas remessas ao exterior (aproveitando o tributo já existente);
d. Exigir o pagamento do IOF às remessas ao exterior, utilizando uma alíquota majorada, bem como exigir das operadoras de cartões de crédito a retenção do imposto.
A tributação, contudo, envolve algumas impossibilidades práticas.
Primeiro, porque, de alguma forma, o Estado teria que identificar a natureza dessas atividades. E desconfio que a alternativa seria enquadrá-las como serviço, em linha com o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) [1] — o que poderia gerar o argumento sobre uma espécie de legalização tácita sobre as atividades.
Segundo, porque há uma pulverização de usuários a serem tributados, o que dificultaria a fiscalização pela Administração Pública em todos os casos.
Terceiro, porque no caso da alternativa "a", em cada operação haveria de se observar se há tratado internacional, gerando ônus aos consumidores (tomadores do serviço) e casas de câmbio. Além da necessidade de criar obrigação (complexa, inclusive) para as operadoras de cartão de crédito.
Diante disso, nos parece que o caminho seria ampliar o debate sobre a regularização de tais atividades de modo a viabilizar a arrecadação e o controle em território brasileiro. Do contrário, mais medidas provisórias virão, mais complexidade será criada e — desconfio — a arrecadação sobre tais atividades ainda ficará aquém.
E a discussão, como dito, passa pelo parlamento, onde o assunto está mais avançado.