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PERÍCIA EM ALGORITMOS DE PLATAFORMAS DIGITAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO

A correição parcial é meio processual apto a corrigir erros, abusos ou atos contrários à boa ordem processual, nos casos em que inexistir recurso ou outro meio processual cabível.

Também é meio processual apto a impedir lesão de difícil reparação, mesmo nas hipóteses em que exista recurso cabível — mas, nesses casos, somente em situações extremas, absolutamente excepcionais, para assegurar eventual resultado útil ao processo, quando existir recurso pendente de julgamento, pelo órgão jurisdicional competente, e na pendência do exame de mérito por este último.

Pois bem.

Há numerosas correições parciais propostas, todas ao fim acolhidas pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho (CGJT), cujas decisões proíbem a realização, em processos judiciais trabalhistas, da perícia técnica nos algoritmos das empresas digitais, mesmo que o juiz do trabalho observe a decretação de segredo de justiça, a fim de proteger o algoritmo.

Segundo a CGJT, o direito de produzir prova, no processo judicial, limita-se à demonstração das suas alegações, não se permitindo o acesso a informações sigilosas ou privadas que não sejam efetivamente necessárias à demonstração do direito invocado.

Em todos os processos, a CGJT entendeu desnecessária a prova, sob o fundamento de que, como as empresas digitais (Uber, 99 etc.) não negam o vínculo de trabalho (em sentido amplo, por se tratar, segundo alegam, de um trabalho autônomo), mas negam apenas o vínculo de emprego (em sentido estrito, por supostamente não estarem configurados os pressupostos da relação de emprego), aplicar-se-ia a Súmula nº 212 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ou seja, o ônus da prova da natureza jurídica diversa da relação de emprego seria das próprias empresas digitais, não sendo, portanto, "razoável e necessária" a produção de prova pericial para acesso ao algoritmo da plataforma digital, por se tratar de um "segredo de negócio".

A CGJT ainda cita, expressamente, o artigo 195, XI e XII, da Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), sob o fundamento de que referida Lei, ao definir, como crime, a divulgação, exploração ou utilização, sem autorização, de dados confidenciais, inclusive por meios ilícitos ou mediante fraude, teria revelado uma proteção jurídica qualificada aos "trade secrets", o que admoestaria o Poder Judiciário a não permitir a realização de tais perícias.

Equivoca-se a CGJT, a meu juízo, por inúmeras razões.

Lembre-se, inicialmente, que a prova pericial é voltada à formação do convencimento motivado do juiz e destinada a esclarecê-lo sobre as circunstâncias fáticas do caso concreto, de modo que somente ao juiz natural na causa, aquele que efetivamente sentenciará, cabe dizer se a prova é ou não desnecessária.

Segundo, há interesse jurídico de ambas as partes na produção da prova pericial, e não me seduz o fundamento de que, por se tratar de ônus da empresa digital, o trabalhador não teria interessa na produção da prova.

Imaginemos que o juiz declare, na sentença de mérito, que a empresa digital se desincumbiu do ônus; tal conclusão macularia a norma-princípio da ampla defesa (artigo 5º, LV, da Constituição da República) se, na hipótese, o mesmo magistrado, dentro do mesmo processo, tivesse negado à parte reclamante o direito à prova pericial, como contraprova.

Com efeito, como se explica que o juiz, responsável por determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, possa indeferir uma perícia algorítmica por a considerar inútil, protelatória, excessiva ou impertinente (artigos 370 do CPC e 852-D da CLT), mas, ao final, julgar o mérito em desfavor daquele contra qual se indeferiu a produção da prova?

Terceiro, há um grave equívoco na referência ao artigo 195, XI e XII, da Lei nº 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

Isso porque o artigo 195, ao tipificar o crime de concorrência desleal, não trata da divulgação em juízo ou que ocorra por força de decisão ou processo judicial específicos.

O artigo 195, XI, é tipo penal específico e restrito às relações contratuais ou empregatícias — em tese privadas, sendo controversa apenas a sua aplicação a empregados públicos —, sendo inaplicável às decisões e processos judiciais, portanto.

O artigo 195, XII, é tipo penal específico e restrito aos meios ilícitos e às fraudes, inaplicável, portanto, às decisões e processos judiciais, que não incorrem em ilicitude ou fraude — conclusão reforçada pelo artigo 206 da mesma Lei, como veremos adiante.

O artigo 195, §1º, inclui nas hipóteses a que se referem os incisos XI e XII o empregador, sócio ou administrador da empresa que incorrer nas tipificações estabelecidas nos mencionados dispositivos — portanto tipo penal específico e restrito à atores sociais da seara privada, não repercutindo na seara pública (outro elemento normativo que induz à interpretação restritiva do artigo 195, XI).

Por fim, com maior contundência, clareza e aptidão para afastar qualquer dúvida quanto à atuação judicial, o artigo 206 da Lei nº 9.279/1996 prevê o seguinte:

"Artigo 206. Na hipótese de serem reveladas, em juízo, para a defesa dos interesses de qualquer das partes, informações que se caracterizem como confidenciais, sejam segredo de indústria ou de comércio, deverá o juiz determinar que o processo prossiga em segredo de justiça, vedado o uso de tais informações também à outra parte para outras finalidades."

Em referência ao trecho "hipótese de serem reveladas, em juízo", registre-se que se trata do único momento em que Lei nº 9.279/1996 trata, especificamente, de decisões e processos judiciais.

Quando se fala em "defesa dos interesses de qualquer das partes", refere-se diretamente ao direito à prova — portanto não restrito apenas a quem tem o ônus de provar, mas à disposição de quem tenha o interesse em produzir prova.

Por outro lado, a Lei nº 9.279/1996 tão somente impõe ao Poder Judiciário que decrete o segredo de justiça, apenas, e que tais informações confidenciais não sejam usadas para outras finalidades que não para a prova do direito no processo, por quaisquer dos sujeitos processuais ou por quem, de qualquer forma, participe do processo e tenha acesso às informações — sendo esta a única limitação normativa.

A previsão do artigo 206 é coerente com a proteção jurídica qualificada aos "trade secrets", pois o segredo de justiça tem o condão de proteger o resultado do objeto da prova técnica e preservar a dinâmica comercial e de trabalho das empresas digitais.

As decisões judiciais, nas correições parciais, merece profunda reflexão.

Nas lições do professor Ricardo Antunes, na era da "desantropomorfização do trabalho", as corporações plataformizadas têm criado novos laboratórios de exploração do trabalho, sob o comando do capital, provocando uma esdrúxula aproximação em fases tão distintas do capitalismo — uma forma mais avançada tecnologicamente, mas que recupera o sofrimento, a morte e o adoecimento do seu viés inicial.

Parece-me que o Poder Judiciário, em certas decisões — como as que aqui comentamos, de proibir a produção da prova técnica e, ao fim e ao cabo, impedir o livre direito à prova da parte que pretende provar o vínculo de emprego, modalidade mais consentânea com a melhoria da condição social dos trabalhadores, na forma do artigo 7º da Constituição da República —, tem intensificado e consolidado, intencionalmente ou não, a desumanização da força de trabalho humano.