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REPUBLICANOS PREPARAM GOLPE ELEITORAL COM AJUDA DA SUPREMA CORTE DOS EUA

Ao apagar das luzes do ano judicial 2021/2022, a Suprema Corte dos EUA decidiu julgar, no próximo ano judicial que começa em 3 de outubro, uma ação movida por parlamentares do Partido Republicano da Carolina do Norte, que tem o potencial de dar às assembleias legislativas dos estados o poder de subverter resultados das eleições de 2024, que inclui a eleição presidencial, mesmo que isso contrarie as leis eleitorais e a Constituição do estado — e sem que as cortes possam intervir.

Nessa ação, os republicanos pedem à Suprema Corte para validar uma obscura teoria, chamada de doutrina do "Legislativo Estadual Independente". A doutrina foi inventada — e depois esquecida — em 2020, na ação Bush v. Gore (em que a Suprema Corte entregou a Presidência ao republicano George W. Bush) pelo então presidente da corte William Rehnquist, com adesão dos ministros Antonin Scalia (falecido) e Clarence Thomas (ainda na Corte).

A doutrina diz que, de acordo com a cláusulas da Constituição sobre eleições e sobre a escolha de delegados para o colégio eleitoral, as assembleias legislativas dos estados têm poder pleno e exclusivo para conduzir as eleições presidenciais federais e — o que vem ao caso — a seleção dos delegados que irão escolher o presidente no colégio eleitoral.

Nem mesmo os tribunais superiores dos estados, muito menos as autoridades eleitorais dos estados, podem alterar as regras eleitorais escritas pelo legislativo ou interferir na nomeação dos delegados eleitorais escolhidos pelos parlamentares estaduais.

A doutrina se baseia em uma interpretação do Artigo II da Constituição. Tal artigo diz que os estados devem apontar os eleitores (os delegados ao colégio eleitoral) "de maneira que o legislativo ordenar". Atualmente, os estados nomeiam os delegados escolhidos pelo partido que venceu a eleição presidencial em seu território.

Em suma, o legislativo de um estado com maioria republicana (ou democrata) na Câmara e no Senado, pode deixar de certificar o resultado da eleição presidencial (o que é feito hoje por uma comissão eleitoral e pelo secretário de estado), com a alegação de que houve fraude ou outros problemas, descartar o grupo de delegados escolhidos pelo partido vencedor e nomear o seu próprio grupo de delegados para votar no colégio eleitoral.

Pode parecer uma ameaça tão grande ao processo democrático que a Suprema Corte jamais validaria a tal doutrina do "Legislativo Estadual Independente". Mas, em primeiro lugar, a Suprema Corte decidiu julgar a ação, em vez de matar a "ameaça" no nascedouro.

Em segundo, a Corte rejeitou anteriormente o caso (em Moore v. Harper), mas quatro ministros conservadores (Samuel Alito, Clarence Thomas, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh) declararam que a questão do legislativo estadual independente é de importância excepcional para as eleições nacionais e que a corte deve decidir o assunto a tempo para as próximas eleições presidenciais.

As três ministras liberais (Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Katanji Brown Jackson) e o presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, que é conservador, deverão votar contra a doutrina. Nesse caso, a questão será decidida pela ministra Amy Coney Barret, cuja opinião ainda não é conhecida. A ministra, que é conservadora e se declara "originalista" como alguns de seus colegas da ala conservadora, poderá votar a favor.

Nesse caso, vai acontecer o que o ex-juiz de um tribunal federal de recursos J. Michael Luttig, considerado um "gigante nos círculos jurídicos conservadores", previu há pouco tempo, em um artigo assinado para a CNN. Nesse artigo, o jurista advertiu os eleitores do país que "os republicanos irão tentar roubar as próximas eleições".

Para Luttig, que é republicano, o ex-presidente Donald Trump e seus correligionários em todo o país vêm insistindo que as eleições de 2020 foram fraudadas em alguns estados, em favor de Joe Biden, não porque ele realmente acredite nisso, mas para tentar mudar as regras do jogo para as eleições de 2024. Depois de derrotado nas eleições, Trump tentou convencer alguns secretários de estado a rejeitar os delegados democratas e nomear delegados republicanos, sem sucesso.

Mas, passando o bastão para as assembleias legislativas, as chances de subverter resultados eleitorais são muito maiores. E significativas: 30 dos 50 estados do país têm maioria republicana na Câmara e no Senado de suas respectivas assembleias legislativas.

A ação dos parlamentares republicanos da Carolina do Norte que chegou à Suprema Corte não é diretamente ligada ao processo de escolha de delegados para o colégio eleitoral. É sobre o poder das assembleias legislativas dos estados de desenhar os mapas distritais para eleição de deputados.

A Assembleia Legislativa da Carolina do Norte redesenhou o mapa distrital para suas eleições, mas o novo mapa foi rejeitado pelo tribunal superior do estado. A corte decidiu que o mapa é excessivamente partidário e, por isso, viola a Constituição do estado, até porque deixa de refletir a composição político-partidária geral da Carolina do Norte.

No desenho do mapa para eleições distritais, os partidos com maioria nas assembleias legislativas recorrem a uma tática eleitoral manipulativa, conhecida nos EUA como "gerrymandering", em "homenagem" ao ex-governador de Massachusetts, Elbridge Gerry, que a inventou e usou pela primeira vez.

A manipulação consiste em diluir o número de votos do partido adversário em uma área, subdividindo-a em duas ou três áreas pequenas e juntando cada área menor a uma área maior, onde se concentram mais eleitores do partido que desenha o mapa. Assim, esse partido terá mais votos garantidos nesses dois ou três novos distritos. Outra forma de fazer isso é juntar duas áreas do partido adversário em um único distrito.

Apesar de o alvo da ação ser o direito das Assembleias Legislativas desenhar seus mapas distritais como quiserem — e com isso garantirem perpetuidade nos cargos eleitorais — a sustentação do pedido à Suprema Corte é a doutrina do "Legislativo Estadual Independente".

Assim, a Corte poderá ajudar os republicanos a matar dois coelhos com uma cajadada só — isto é, o desenho dos mapas distritais e a escolha dos delegados para o colégio eleitoral — e ferir gravemente o suposto processo democrático que governa as eleições nos EUA, em que o voto da maioria dos eleitores não significa nada, porque quem elege o presidente é o colégio eleitoral, que poderá, também, ser manipulado. Com informações da National Public Radio (NPR), da MSNBC, do Washington Post, do site Salon, do Vox e do Brennan Center for Justice.