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ABUSOS E FALHAS COMPROMETEM DELAÇÃO PREMIADA, COMPLIANCE E ARBITRAGEM

Nos últimos anos, importantes ferramentas de combate à criminalidade e resolução de conflitos empresariais foram postas em xeque por causa de excessos e abusos de alguns operadores do Direito.

Um dos casos mais emblemáticos é o do instituto da delação premiada, que ficou marcado pela manipulação ilegítima de membros do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Apesar do estardalhaço das acusações, muitas vezes o curso da instrução penal mostrou que não havia provas que as corroborassem. O saldo acabou sendo de poucas condenações robustas, muita erosão institucional e a criminalização da política. ConJur ouviu alguns especialistas sobre o tema. 

O jurista e colunista da ConJur Lenio Streck é duro em sua avaliação sobre o instituto. "A delação desmoralizou o Direito Penal. Virou alcaguetagem remunerada. Custo institucional alto", resume ele. 

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, por sua vez, é mais otimista ao avaliar as delações e outras ferramentas desacreditadas, como o compliance e a arbitragem. "É preciso recuperar a crença no Direito. Triste quadra a vivenciada. Mas nós a suplantaremos, com a força dos bons". 

Outro otimista é o criminalista Igor Tamasauskas, que acredita que os acordos de delação e compliance vão se tornar mais robustos a partir dos erros cometidos. "Faz parte do amadurecimento institucional e teórico um certo oscilar do pêndulo. Não sou pessimista a ponto de pensar que estamos diante de retrocessos. É parte do processo esse ajuste". 

O advogado e ex-presidente do TRF-3 Fábio Prieto acredita que a "lava jato" ilustra bem o fenômeno do descrédito das instituições. "Os agentes do crime, com as confissões preliminares, ganharam imenso protagonismo. Parecia a verdade relevada. Depois, o contraditório mudou completamente a matriz das decisões judiciais. O standard liberal do processo penal como verdade provada falou mais alto que o estrépito publicitário das confissões isoladas. A lei foi corrigida com a exigência das provas de corroboração".

Para o ex-procurador Eugênio Pacelli, hoje advogado, não é preciso abandonar a ideia por causa dos erros de execução. "Mas enquanto os atores principais desse roteiro (MP e Polícia) não se convencerem que a Lei é o primeiro e o último passo dessa caminhada, não haverá sistema de Justiça que resista", afirma.

Em relação aos erros de execução mencionados, ele destaca a necessidade de "desmobilizar" uma cultura que foi criada em torno das delações. "Nem tudo é organização criminosa e tampouco lavagem de dinheiro. Excessos visíveis foram tolerados e não censurados, do que resultou o sinal verde para outros, com a consolidação da ideia de presunção de culpa. Houve retrocesso funcional sim. Bem intencionado ou não, já não importa mais."

Pacelli ainda destaca que um dos maiores problemas criados pelos excessos produzidos a partir da má execução da lei de organizações criminosas foi a criminalização da atividade econômica. "O erro é nefasto, atinge empregados e suas famílias, com a imobilização irracional de patrimônios, e o estrangulamento da produção de bens e serviços. Sabemos os resultados disso e não são melhores que a punição desorganizada e arbitrária."

Compliance 
Outra ferramenta bastante questionada tem sido o complianceAsfor Rocha, advogado e ex-presidente do STJ, é contundente em sua avaliação. "Tornou-se um nefasto instrumento de manipulação da concorrência; de perseguição a adversários; de irresponsáveis e aleatórias rotulações negativas contra pessoas sem oportunizar direito de defesa".

Lenio Streck, por sua vez, acredita que nos últimos anos o instrumento "criou um apagão de canetas endógeno nas empresas. Conseguiram imitar — e mal — o setor público". 

Já Fábrio Prieto acredita as questões envolvendo a solidificação do compliance são mais complexas do que aquelas sobre os acordos de delação premiada. "O compliance, queiramos ou não, é estrutura de custo. Em um modelo de negócios tão sufocado como o do Brasil, aumento de despesa fala mais alto que as boas promessas de qualquer instituto. A eficácia da ferramenta fica comprometida com grande parte dos empreendedores. Por outro lado, em alguns casos, o compliance começou a avançar para o terreno do moralismo empresarial. O moralismo é sempre adversário da virtude da moralidade. Por meio do moralismo, como sempre acontece nos processos decisórios, vem o dirigismo político".

Arbitragem
A ferramenta de resolução de conflitos tem sido muito questionada pelo mercado — como mostra o grande crescimento de anulações na Justiça e a desistência de empresas da cláusula compromissória nos contratos —, e isso promoveu o retorno ao Poder Judiciário das grandes causas empresariais.

Lenio Streck é conciso sobre o tema. "Quer acabar com um instituto? Tire sua autonomia". Já Fábio Prieto acredita que se rumos não forem corrigidos, a arbitragem corre o risco de virar a primeira instância do sistema estatal de prestação de Justiça. 

"A nossa lei é boa, razoável. Os players, como os árbitros, os peritos e os advogados, têm bom nível profissional. O problema é que o sistema estatal de prestação de Justiça ainda é muito atrativo. Deveria ser reserva subsidiária, mas está virando revisor oficial do sistema privado de arbitragem. Não vejo pecados capitais na arbitragem brasileira. Creio que são as dores da iniciação. O Brasil está no caminho certo. Neste momento, talvez o mercado de arbitragem devesse tomar o cuidado de sinalizar que não é corporação fechada". 

O advogado e diretor jurídico da JBS Adriano Ribeiro, por sua vez, acredita que a "arbitragem é um instrumento fantástico, mas tem de corrigir problemas graves que ocorrem no Brasil. Advogar em procedimentos arbitrais e ser árbitro ao mesmo tempo me parece extremamente inoportuno… Não é algo comum na Europa, por exemplo", comenta ele. 

Já o ex-presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo Ricardo Nascimento acredita que o problema com essas ferramentas é estrutural. "Quando as instituições da República estão em risco, todo o edifício da segurança jurídica treme. A construção de cada instituto jurídico fica paralisada".