ENTIDADES PEDEM VETO A MP QUE AMPLIA NÚMERO DE APTOS A CRÉDITO CONSIGNADO
Entidades de proteção ao consumidor pediram que o presidente Jair Bolsonaro (PL) vete a medida provisória que amplia a margem de crédito consignado aos segurados do Regime Geral de Previdência Social e autoriza que outros beneficiários tenham acesso ao crédito.
Texto da medida provisória ampliará o público-alvo de créditos consignados
De acordo com as agremiações de proteção ao consumidor, com a vigência dessa MP, mais de 52 milhões de pessoas — incluindo os cerca de 30,5 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, os 4,8 milhões de beneficiários do BPC e os 17,5 milhões beneficiários do Programa Auxílio Brasil —poderão tomar empréstimos e financiamentos nessa modalidade.
A medida provisória também aumentou a margem de comprometimento da renda dos aposentados: a partir de agora, aposentados do Regime Geral de Previdência terão a margem ampliada de 40% para 45%, mesmo valor aplicado a quem recebe BPC. Para os beneficiários dos programas federais de transferência de renda, o percentual de comprometimento será de 40%. Em todos esses casos, 5% são reservados exclusivamente para operações com cartões de crédito consignado.
De acordo com a advogada Lillian Salgado, presidente do Comitê Técnico do Instituto Defesa Coletiva, o atual cenário de crise social vivenciado no Brasil é "público e notório", e a população passa por sérias dificuldades econômicas diante da hiperinflação e das consequências da pandemia de Covid-19. "A aprovação da MP 1106/22 não será suficiente para neutralizar o problema, uma vez que poderá levar famílias que já vivem em extrema pobreza ao superendividamento", alerta Lillian.
Problemas com os empréstimos consignados
Segundo o INSS, de 2016 até junho de 2018 a ouvidoria da autarquia federal recebeu mais de 97 mil reclamações relativas a empréstimos consignados não autorizados. As queixas cresceram ainda mais durante a pandemia da Covid-19, após o acréscimo de 5% no percentual máximo para a contratação de operações de crédito com desconto automático em folha de pagamento.
Para a diretora executiva do Instituto Defesa Coletiva, Elen Prates, a medida provisória pode ser nociva aos mais vulneráveis, a exemplo de idosos e pessoas com algum grau de deficiência.
"Como se vê, os destinatários da medida são, primordialmente, os aposentados e as pessoas com deficiência física e intelectual, os quais não conseguem se inserir no mercado de trabalho e são amparados pelos benefícios de assistência social na condição de pessoas hipervulneráveis. Os aposentados já representam um número expressivo da população detentora de empréstimos bancários ativos e que sofrem com o superendividamento decorrente da irresponsabilidade na concessão do crédito", explica ela.
O assédio das instituições financeiras
Os membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor fazem um apelo ao presidente Bolsonaro para que considere o veto à medida. "A MP foi aprovada sem apresentar qualquer providência para refrear o assédio das instituições financeiras, que desrespeitam o direito ao esclarecimento dos consumidores ao inundarem os cidadãos com publicidades extremamente invasivas. Esta preocupação torna-se ainda mais latente considerando a baixa instrução do público-alvo dos benefícios de transferência de renda, o que pode acarretar uma avalanche de empréstimos não consentidos, ocasionando o efeito inverso para a economia: o agravamento do superendividamento dos brasileiros", argumentam as entidades em manifestação técnica.
O pedido de veto foi assinado por membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, o Instituto Defesa Coletiva, a Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON), o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), o Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), a Associação Gaúcha de Procons Municipais (AGPM), o Fórum dos Procons Mineiros (FPM), a Associação Paulista de Procons e PROCONSBRASIL.
O advogado especializado em Direito do Seguro e Consumidor Vitor Boaventura Xavier, sócio de Ernesto Tzirulnik Advocacia, vê com preocupação a medida provisória. Para o advogado, ela promove mais um golpe contra a legalidade constitucional e a regularidade do processo eleitoral.
"A MP inaugura uma distopia de curto prazo nos segmentos mais vulneráveis da população, oferecendo-lhes a possibilidade de utilização dos benefícios de transferência de renda para acessar o crédito consignado. Os indivíduos poderão se bem-fazer com o dinheiro na mão ofertado pelas financeiras agora, mas, logo adiante, lidarão novamente com a condição de miserabilidade e, pior, com o pagamento de juros altos, e os descontos feitos pelas financeiras dos futuros benefícios que, podemos afirmar, tem uma natureza alimentar", destaca o especialista.
Xavier ainda ressalta que a norma acaba por deturpar o objetivo da transferência de renda promovida pelos benefícios e programas sociais. "A MP desvia a finalidade do BPC e dos programas federais de transferência de renda. É obsceno, cruel e inconstitucional. A MP 1106/22 deve ser rechaçada pelo Congresso Nacional ou anulada pelo Supremo Tribunal Federal".