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"MUDANÇAS NO ESTATUTO DA ADVOCACIA PODEM CRIAR CELEUMA ENTRE MP E OAB"

Muito celebrada por advogados, a Lei 14.365 esconde uma determinação que pode criar celeuma entre a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público, envolvendo todo o Judiciário: a previsão de que cabe privativamente à OAB analisar e decidir sobre a prestação efetiva do serviço jurídico por parte do advogado.

Quem chama a atenção para esse ponto é Sérgio Rosenthal, especialista em crimes financeiros, mestre em Direito Penal pela USP e ex-presidente da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo (Aasp) por dois mandatos consecutivos. Em entrevista à ConJur, ele se debruçou sobre as mudanças introduzidas pelo novo estatuto e comentou a nova conjuntura para a atuação profissional dos advogados.

"Não mais serão admitidas acusações de prática de lavagem de dinheiro por escritórios de advocacia com base na simples afirmação do Ministério Público no sentido de que os serviços não teriam sido prestados. É muito relevante, inclusive para os casos de prestação de assessoria e consultoria", analisa o criminalista.

Além dessa mudança, as novas normas possibilitam a prestação de serviços de consultoria e assessoria jurídicas, que podem ser exercidas de modo verbal ou por escrito, independentemente de outorga de mandato ou da existência de contrato de honorários formalizado, conforme acerto realizado entre o profissional e o cliente. Além disso, foram alterados os limites de impedimentos ao exercício da advocacia e a suspensão de prazo no processo penal.

A Lei 14.365/22 promove mudanças de conteúdo no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), no Código de Processo Civil (13.105/15) e no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/41).

Leia a seguir a entrevista:

Conjur — Entre as garantias estabelecidas pelo novo Estatuto da Advocacia, quais o senhor acredita que darão margem a questionamentos?
Sérgio Rosenthal — O novo Estatuto dos Advogados traz uma garantia aos profissionais da carreira que, sem tardar, vai despertar questionamentos das autoridades que hoje protagonizam a investigação necessária ao devido processo legal. Trata-se da atribuição, garantida exclusivamente à OAB, para comandar uma investigação sempre que o objetivo for apurar a efetiva prestação de serviços e legalidade quanto ao recebimento de honorários. Está criada a celeuma.

É uma peculiaridade que eu observei nessa alteração legislativa que diz respeito à investigação de escritórios de advocacia a respeito dos serviços prestados, especialmente de consultoria e de assessoria.

Existem dois dispositivos, na realidade. Um deles diz que a consultoria e a assessoria podem ser prestadas tanto por escrito como de forma verbal. É algo que efetivamente acontece na profissão. Muitas vezes os advogados são consultados pelos seus clientes e os problemas são resolvidos verbalmente. É com um conselho, com uma orientação. Então, esse é um serviço que é efetivamente prestado, mas que é de difícil comprovação. Até porque, muitas vezes, os fatos relacionados com essa consultoria são fatos sigilosos, que não podem chegar ao conhecimento de terceiros.

Conjur — A nova redação do Estatuto vai ajudar a esclarecer essas situações?
Sérgio Rosenthal — Em primeiro lugar, a legislação traz uma adequação a essa realidade, no sentido de permitir que esse serviço de assessoria e consultoria seja prestado por escrito ou verbalmente. Não é exigido sequer que haja contrato para isso. Facilita a prestação desse tipo de serviço. E, de outro lado, a efetiva prestação de serviço por parte do advogado, assim como os honorários que são cobrados pela prestação desses serviços, devem ser analisados privativamente pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Conjur — O Ministério Público, em investigações sobre advogados e seus escritórios, desrespeitava a legislação?
Sérgio Rosenthal — Há muitos casos em que o Ministério Público procurou envolver escritórios de advocacia em investigações por conta de honorários recebidos, entendendo que não eram plenamente justificáveis. Esses casos já não podem ter início com esse tipo de premissa, ou seja, devem ser efetivamente apurados por quem tem privativamente competência para fazer isso, que é a própria Ordem dos Advogados do Brasil.

Conjur — Isso pode causar algum tipo de problema entre a OAB e o Ministério Público a curto e médio prazos?
Sérgio Rosenthal — Eu acho que todas essas questões, quando colocadas na prática, trazem questões que criam celeumas, sem dúvida alguma.

Conjur — Há algum outro ponto nessas alterações que mereça destaque?
Sérgio Rosenthal — As autoridades, tanto policial quanto judiciária, têm de ter muita cautela na investigação de escritórios. Primeiramente com relação às diligências de busca e apreensão que, agora, por conta da alteração legislativa, não podem ser autorizadas com base apenas na palavra de um colaborador, por exemplo.

E, de outro lado, devem ser acompanhadas por um representante da Ordem dos Advogados do Brasil. A Ordem deve ser avisada dessa diligência com 24 horas de antecedência caso isso seja possível. Se não for possível, deve haver uma justificativa plausível para isso. E especialmente deve haver um cuidado especial na busca e apreensão num escritório de advocacia, porque ali há informações de inúmeros clientes.

Conjur — Quando essa situação deve ocorrer, então?
Sérgio Rosenthal — Parece-me que essa situação deve ocorrer quando, em primeiro lugar, o próprio escritório de advocacia estiver envolvido evidentemente na prática criminosa e deve se ater exclusivamente a documentos que digam respeito a essa investigação.

Conjur — No que isso ajudaria o exercício da advocacia responsável?
Sérgio Rosenthal — Para que o sigilo em relação a outros clientes seja mantido. Em primeiro lugar, para que a autoridade policial seja autorizada pela autoridade judiciária a proceder a busca e apreensão de documentos em um escritório de advocacia, primeiro é imprescindível que os membros desse escritório estejam envolvidos diretamente na prática criminosa. Em segundo lugar, que todas as cautelas sejam adotadas para que o sigilo em relação a outros clientes não sejam violados.

Conjur — A realização de busca e apreensão com base apenas na fala de uma delação premiada é um expediente que vem sendo bastante utilizado ultimamente...
Sérgio Rosenthal — Sim, isso agora foi vedado pela lei. Isso não pode mais acontecer. No mesmo sentido da regra que estabelecia que a denúncia não pode ser oferecida exclusivamente com base na denúncia do delator, e principalmente a sentença condenatória não pode valer apenas com base numa delação premiada.

Conjur — O novo estatuto está pleno, sem problemas, ou ainda será necessário fazer alguma modificação?
Sérgio Rosenthal — Essas são reformas pontuais de uma lei que já é bastante antiga e me parece que há um lado bastante positivo nessa reforma que é a preservação da preocupação da valorização da profissão do advogado, da preservação do cuidado com os direitos e prerrogativas do advogado. Que, afinal, são prerrogativas utilizadas em benefício do cidadão.

Conjur — De que modo possíveis celeumas e dificuldades na interpretação das novas normas poderiam ser evitadas para não atrapalhar o exercício da profissão?
Sérgio Rosenthal — Todas essas normas que foram agora editadas preservam, protegem o exercício da profissão. O advogado deve ter a tranquilidade de atuar livremente, sem o receio de ser processado ou envolvido em fatos atinentes a práticas de seu cliente. Advogado é o advogado, não pode ser confundido com o investigado, não pode ser confundido com o denunciado.

Conjur — Essas mudanças ocorreram por influência de ações lavajatistas que contaminaram a Justiça brasileira ao ponto de exigir que fosse realizada uma reforma na lei para preservar as garantias legais ao profissional do Direito?
Sérgio Rosenthal — Sim, acho que você tocou num ponto correto. Acho que há duas causas disso. Em primeiro lugar, alguns escritórios de advocacia se envolveram em práticas criminosas. São os maus exemplos da profissão. Em segundo lugar, tivemos essa tendência com o lavajatismo de se ter como presunção a culpa, e não a inocência. E isso fez com que esse estado de coisas fosse contaminado, porque a presunção de inocência deve ser sempre adotada como princípio válido, e não o contrário.

Conjur — Como o senhor avalia essa recomendação da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para condenar o Conselho Federal da OAB pela prática de conduta anticompetitiva devido à imposição da tabela de honorários advocatícios para os inscritos? Isso pode gerar algum problema?
Sérgio Rosenthal — Essa é uma questão que está gerando controvérsia. Há razões de ambos os lados. Parece-me que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil vai conseguir estabelecer as suas razões agora perante o Judiciário.