STJ DECIDE FEDERALIZAR INVESTIGAÇÃO DE CHACINA DO "MAIO SANGRENTO" DE 2006
A incapacidade do Ministério Público de São Paulo de investigar a chacina do Parque Bristol, ocorrida na capital paulista em maio de 2006, e o risco de responsabilização internacional do Brasil pela violação de direitos humanos levaram o Superior Tribunal de Justiça a determinar a federalização do caso.
Chacina ocorreu no contexto de reação aos ataques do PCC em 2006
Marcos Oliveira/Agência Senado
Na tarde desta quarta-feira (10/8), a 3ª Seção do tribunal, por unanimidade de votos, julgou procedente o pedido de deslocamento de competência suscitado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em 2016.
A chacina do Parque Bristol é um dos casos mais emblemáticos do chamado "maio sangrento" de 2006, quando mais de 500 pessoas foram mortas no estado de São Paulo em crimes atribuídos a grupos de extermínio com participação de policiais e agentes públicos.
Edivaldo Barbosa de Andrade, Fábio de Lima Andrade, Israel Alves de Souza, Eduardo Barbosa de Andrade e Fernando Elza foram mortos num contexto de reação aos ataques promovidos pelo primeiro comando da capital (PCC) às forças de segurança.
Os crimes de maio nunca foram devidamente apurados, o que levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a, em 2021, acolher a denúncia contra o Brasil, por violação de garantias constitucionais. O país está sob risco de responsabilização internacional pela omissão.
É esse contexto que, segundo o ministro João Otávio de Noronha, relator do caso no STJ, que permite que o deslocamento de competência seja feito. As investigações serão assumidas pela Polícia Federal, sob supervisão do Ministério Público Federal de São Paulo.
"Difícil acreditar que não se possa desvendar este crime", disse o ministro Noronha
Gláucio Dettmar/Agência CNJ
Impunidade
"Esse caso mostra algo muito peculiar. Uma impunidade. Todo mundo diz que foram agentes policiais, mas não se consegue chegar a esses agentes policiais. No atual momento das técnicas investigativas, é difícil acreditar que não se possa desvendar este crime", pontuou o ministro João Otávio de Noronha nesta quarta-feira.
Para ele, todos os requisitos para o deslocamento de competência estão atendidos: há grave violação dos direitos humanos, há necessidade de assegurar o cumprimento de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, e há incapacidade do estado de São Paulo de levar a cabo a persecução penal.
Ao acompanhar o relator, o ministro Rogerio Schietti pontuou que a chacina do Parque Bristol se insere em um contexto de política de eliminação daqueles que teriam violado as leis penais. "Nítida a desídia estatal e uma implícita (ou explícita) adesão ou acomodação com tais práticas irracionais e ilegais do estado".
Vai adiantar?
A votação na 3ª Seção foi unânime, mas gerou algumas dúvidas entre os julgadores. O ministro Ribeiro Dantas questionou se será proveitoso, 16 anos depois, federalizar as investigações para resolver um crime tão antigo.
No "maio sangrento", mais de 500 pessoas foram assassinadas como retaliação
Reprodução
"Passados tantos anos entre uma coisa que aconteceu em 2006, quando sequer se estava no presente ciclo de violência que hoje infelizmente o país vive, e hoje, acho que dificilmente se chegará a resultados mais auspiciosos. Espero estar errado", disse.
"Aqui talvez a federalização tenha um efeito mais pedagógico e moral, até para efeitos de reparação histórica das memórias das pessoas, e principalmente, também a responsabilidade internacional a que o país está sujeito", disse o ministro Joel Ilan Paciornik. "Esses fatos têm se repetido aqui", lamentou.
Os desembargadores convocados Olindo Menezes e Jesuíno Rissato também admitiram ter dúvidas sobre a efetiva resolução do crime. Para o ministro Noronha, parte da culpa é do STJ, já que o incidente de deslocamento de competência está na corte, parado, desde 2016. Além disso, ele só é possível diante da inércia estatal, o que leva tempo.
"As provas estão colhidas. Elas estão lá. E poderão ser reexaminadas, e aí se verdadeira a acusação de que houve inércia ou não, os novos peritos poderão trazer à baila", disse o relator. "Esse caso repercute muito mal para a imagem do país", complementou.