LUTO NO JORNALISMO SEVERINO GOES, REPÓRTER DA CONJUR EM BRASÍLIA, MORRE NESTA SEGUNDA-FEIRA
Com profunda tristeza, a ConJur noticia a morte do repórter em Brasília Severino Goes. Gaúcho de Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, Severino Jorge Caldas de Araújo Goes completou 70 anos em fevereiro de 2022. Era fã de Érico Veríssimo e de filmes noir. Gremista. Deixa as filhas gêmeas Amanda e Joana e o filho Gabriel.
"Severino era um profissional íntegro, com um texto impecável. Adorava cinema e literatura. Mas o que ele me deixou de mais importante foi o Gabriel, um filho lindo e muito amado", afirma Letícia Borges, ex-mulher e mãe de Gabriel.
Severino Goes sofreu um infarto fulminante nesta segunda-feira (22/8). O velório será realizado amanhã, quarta-feira (24/8), das 13h às 15h, na Capela 1 do Cemitério Campos da Esperança, na Asa Sul, em Brasília.
Criado em Santa Maria, chegou em Brasília em 1977. Passou pelas redações dos maiores jornais do país. No O Globo, fez parte da equipe da coluna do Miriam Leitão, escreveu para a Folha de S.Paulo, o Jornal do Brasil, foi diretor da sucursal do Estadão e da Gazeta Mercantil. Dirigiu também a redação da Gazeta em Porto Alegre, quando decidiu voltar ao seu estado.
Severino Goes (agachado à esquerda) com a turma de formatura da faculdade. Está atrás de sua primeira mulher, Elda Martins, com quem se casou aos 24 anos
De volta a Brasília, foi oficial de Comunicação e Informação Pública da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil por 10 anos. Patrícia Audi, com quem trabalhou na OIT, conta que "o Severino foi o assessor de imprensa do projeto de combate ao trabalho escravo da OIT e trabalhava na minha equipe. O trabalho dele foi fundamental para que a gente pudesse falar sobre o problema e pudesse mostrar para a sociedade que o crime existia e, com isso, houvesse uma grande conscientização de todos os setores e da sociedade com relação à gravidade do trabalho escravo. Foi peça fundamental porque nos ajudou com a divulgação das informações corretas e fez com que o tema fosse conhecido pela imprensa, por intermédio de artigos e notícias. Lamento a partida súbita dele. Era um bom amigo e excelente profissional."
Em depoimento à ConJur, a jornalista Miriam Leitão reforça as palavras de Patrícia Audi e conta como Severino Goes abriu os seus olhos para que tivesse uma atuação mais forte contra o trabalho escravo no país e que, a partir disso, entrou nessa trincheira de forma mais efetiva.
"O Severino veio ao Rio de Janeiro para me levar para a pauta do trabalho escravo. Eu estava prestando atenção no assunto, mas não estava tão mobilizada jornalisticamente pela pauta. Tinha outras causas em que estava envolvida. Ele me mostrou dados, relatórios do Ministério do Trabalho e me convenceu, vi que estava deixando de cuidar de um assunto importante. Nunca mais saí dessa pauta, sabe? A partir daí, dediquei muitos programas, inúmeras colunas ao combate ao trabalho escravo. É um assunto que me mobiliza até hoje. Estou muito triste com sua morte. Eu amava ele", declarou a jornalista à ConJur.
"Severino Goes era um grande jornalista e eu pude constatar na juventude quando trabalhei ao lado dele na Gazeta Mercantil. Ele se envolveu profundamente na defesa dos brasileiros mais desprotegidos: os expostos ao trabalho análogo à escravidão. Sinto muito essa perda", acrescentou.
O jornalista Bartolomeu Rodrigues, atual secretário de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, também lamenta a perda do amigo e colega com quem trabalhou na sucursal de O Estado de São Paulo, em Brasília, e na empresa de assessoria de imprensa Sapiens. Bartô destaca a contribuição de Severino para o jornalismo brasileiro: “Severino Goes faz parte de uma geração de jornalistas que testemunharam a transição democrática e as mudanças tecnológicas que marcaram profundamente os meios de comunicação. Foi um verdadeiro mestre, e nos deixa em plena forma no exercício de uma profissão que amava.”
Em 2015, assumiu a assessoria de imprensa da Anamatra ao lado de Viviane Dias. "Conheci Severino no tempo em que ele era oficial de comunicação da OIT. Alguns anos depois, teria a oportunidade de trabalhar ao seu lado na Anamatra. Ali eu conheceria não apenas o Severino jornalista, com a inquietude característica dos bons profissionais que amam o que fazem, mas também um fiel amigo, o pai orgulhoso, o ávido leitor, cinéfilo, crítico social e contundente, sempre atualizado e preocupado com o que acontecia ao redor do seu país", lembrou Viviane. "No coração, guardarei não apenas tantos de seus ensinamentos — com o olhar, firmeza e o carinho de um pai — mas, em especial, a amizade, a presença, a verdade."
Severino também integrou a Assessoria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal e fez parte da equipe de Comunicação do Palácio do Planalto no governo do ex-presidente da República Michel Temer.
Há um ano e meio fazia parte da equipe da ConJur. Cobriu o Supremo Tribunal Federal para o site e escreveu os perfis dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho em duas edições do Anuário da Justiça Brasil.
"Extremamente crítico e rigoroso — mais consigo próprio que com os outros — Severino tornou-se conhecido pela sua integridade. A sua rigidez, contudo, não facilitava o relacionamento algo do que, aliás, ele se orgulhava", depõe Márcio Chaer, que com ele trabalhou na Gazeta Mercantil e na Folha de S.Paulo.
Mauricio Cardoso, diretor do Anuário da Justiça e da ConJur, acompanhou de longa data a trajetória de Severino Goes, principalmente em sua fase como porta-voz da OIT no Brasil, e sente orgulho de ter compartilhado o trabalho com ele nos últimos anos. "Severino era um jornalista da velha guarda que tinha todo o cuidado no tratamento da informação porque compreendia a importância da comunicação para a sociedade."
O Supremo Tribunal Federal divulgou nota em que lamenta a morte do jornalista e destaca a sua trajetória na carreira. "Que amigos e familiares encontrem consolo nas lembranças felizes que viveram ao lado de Severino e que Deus conforte seus corações."
Cleonice Borges, com quem trabalhou na Gazeta Mercantil, lamenta a perda do colega e guarda boas lembranças. "Fomos colegas na Gazeta Mercantil (muitos anos atrás) . Gostava daquele seu jeito gaúcho de ser. Brincávamos muito. Eu o chamava de "Severino chique chique" para provocá-lo."
"Meu Deus, o Severino! Que pena. Vivemos momentos divertidos em meio à tensão do trabalho na inesquecível sucursal do JB da segunda metade dos anos 80. Vá em paz, companheiro", lamentou o jornalista Nelson Torreão.
O jornalista José Casado também fez questão de falar sobre Severino Goes e contar um 'causo'. "Gaúcho chamado Severino não é comum, pelo menos na paisagem do jornalismo. Às vezes cáustico ao falar, mas sempre elegante ao escrever, era capaz de passar quase duas horas explicando a uma jovem repórter iniciante detalhes sobre o funcionamento da bancada do MDB no Congresso, e depois dizer a um amigo: 'Acabei de 'descobrir' uma coisa que sabia, mas não havia percebido — o Itamar [Franco, governador de Minas Gerais] vai tentar emparedar Fernando Henrique.' E ria de si mesmo por não ter percebido antes, junto com o amigo que confessou-lhe ter sido incapaz até de imaginar esse cenário. Cerca de três meses depois, o governador mineiro mandou a tropa da PM cercar a usina de Furnas, em Minas, para demarcar o 'terreno' contra o governo FHC, que pretendia privatizar estatais do setor elétrico. Ao telefone, riram juntos outra vez."
O amigo de longa data Irineu Tamanini, que o considera um brilhante jornalista, publicou em seu blog texto bem-humorado em que Severino conta que não sabia andar de bicicleta:
“O amigo (jornalista) Inácio Muzzi é um grande contador de histórias. Todos que o conhecem sabem disso. Uma vez, ele soube que eu — assim como ele — não sei andar de bicicleta. Tá bom, gente. Nunca aprendi. Fazer o quê? Sou filho caçula, meus irmãos mais velhos viviam me sacaneando, estas coisas que você tem que contar para analistas etc etc.
O Inácio um dia me perguntou: você sente falta de não saber andar de bicicleta? Eu respondi, como faço com todos que perguntam, honestamente, não. Nunca parei pra pensar nisso seriamente.
Aí o Inácio me contou uma ótima história. Um dia, quando trabalhava na IstoÉ, em São Paulo, foi entrevistar o velho Afonso Arinos. Conversa vai, conversa vem, era uma longa entrevista. Inácio perguntou: o senhor tem alguma frustração na vida? O velho Arinos pensou, pensou e … começou a chorar. “Não sei andar de bicicleta, meu filho”. O Inácio aproveitou para dizer que também nunca tinha andado de bicicleta. Começou a chorar junto com o velho jurista”.
Este ano, com tristeza, Severino produziu o necrológio, neste site, de três amigos muito próximos — jornalistas de primeira grandeza — Orlando Brito, Jaime Saltchuk e José Antônio Severo.