AO ELABORAR LEIS, CONGRESSO NÃO PODE SOBREPOR ECONOMIA À MORAL, DIZ EMPRESÁRIO
*Esta é décima segunda entrevista da série Candidatos Legais, na qual a ConJur sabatina profissionais do Direito que se candidatarão a cargos eletivos nas eleições deste ano. Para ler as outras entrevistas, clique aqui.
A instituição de parâmetros objetivos para se aferir o impacto econômico e social das leis é uma prática perigosa. Isso porque parte da premissa de que uma visão utilitarista e materialista de mundo deve ser o critério de referência do Congresso na elaboração do ordenamento jurídico, subordinando a os parâmetros moral e estratégico aos aspectos e impactos econômicos. É o que afirma o engenheiro, bacharelando em Direito e mestrando em Teologia Arthur Machado.
"De certa maneira, [a instituição de parâmetros objetivos para se aferir o impacto econômico e social das leis] é a autêntica submissão do homem à técnica e a concretização jurídica de um modelo tecnocrático, que sabemos ser absolutamente perverso ao país. Não apoio que essa discussão avance na legislatura vindoura", declara Machado, que é candidato a deputado federal (Republicanos-SP).
Com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro, Machado foi sócio de corretoras de valores e da Bolsa de Valores de Nova York (Nyse) no Brasil. Estudioso do sistema educacional, ele comprou, em 2017, a Educar Holding, mais conhecida como o grupo educacional Alub. No campo social, foi fundador do Instituto Devir e da Associação Semeadora, que buscam ajudar jovens por meio da educação.
Em 2018, foi preso preventivamente por ordem do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. A detenção foi revogada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que apontou que fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de inocência. Posteriormente, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região declarou a incompetência da vara de Bretas para conduzir o processo. Por falta de provas e atipicidade das condutas, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região suspendeu a ação.
Porém, o estrago já estava feito. Empresas de Machado foram fechadas, e seus sócios aproveitaram a ocasião para dilapidar o patrimônio delas.
"Fui vítima do sistema e de um poder econômico que se utilizou de instituições para destruir meus negócios e manter o monopólio sobre setores da economia. Quem foi vítima do lavajatismo foi o país, a democracia, a justiça e a nossa liberdade", critica.
Leia a entrevista:
ConJur — Por que o senhor decidiu se candidatar a deputado federal?
Arthur Machado — O país tem sofrido de problemas estruturais sérios, que nascem de dentro das casas legislativas e que se manifestam na perda progressiva e continuada de nossa soberania política e econômica. Em um nível mais comum, há o divórcio entre poder e política, fazendo com que o ordenamento jurídico brasileiro e a ação de nossas instituições estejam demasiadamente abstratas, sem sentido prático para a população, limitando-se a um patrimonialismo estamental.
Perdemos a capacidade de escolher e decidir sobre os aspectos comuns de nosso dia a dia e do destino do país; ficamos reféns das circunstâncias e escravos da necessidade, tendo grande parte de nossas instituições capturadas por grupos que defendem interesses monopolistas ou oligárquicos internacionais, em prejuízo de uma visão de país e de nação.
Por tais razões, resolvi fazer parte de um projeto político que torne a organização da sociedade voltada para os interesses reais do Brasil e de seu povo, de maneira que o Estado passe a servir a sociedade, e não a sociedade ao Estado. Trata-se de retomar o Brasil.
ConJur — Uma vez eleito, o senhor apresentaria um ou mais projetos logo no início do mandato? Se sim, quais?
Arthur Machado — Sofremos de cinco doenças crônicas: a destruição da família; a desordem legal; a guerra por alimentos; a escravidão do crédito; e o império educacional. Para enfrentá-las, precisamos recuperar a soberania política e econômica, sobretudo na gestão de alimentos e da livre iniciativa, diminuindo assim a influência de organismos internacionais, aumentando o acesso ao crédito para empreendedorismo, reformando a legislação educacional para permitir a liberdade de escolha em relação aos métodos de ensino, separando o financiamento da execução e a simplificação da burocracia em organizações não governamentais, que atuam onde o Estado simplesmente inexiste, como agentes organizadores da sociedade. Além das obvias reformas política e tributária.
ConJur — De modo geral, como avalia a qualidade das leis produzidas no Brasil?
Arthur Machado — Pontes de Miranda dizia que o Brasil sofre de um apriorismo jurídico — a ideia de copiar legislação e instituições estrangeiras, que não encontram amparo na realidade de nosso povo e tampouco em nossa história, construindo assim sistemas baseados em princípios distantes de nossa realidade. Nesse sentido, a democracia no país é uma pantomina, e nosso sistema, para muitos, uma ficção.
ConJur — A qualidade da Justiça se subordina à qualidade das leis?
Arthur Machado — No Brasil, a lei transformou-se em tradução de interesses. E esse é um risco ao indivíduo, pois a lei pode virar manifestação de poder de um grupo que domina o sistema político. E isso vem gerando a corrupção do Direito pela lei. Por outro lado, a sensação de justiça e de sua qualidade é mais ligada à maneira como vai correndo a vida das pessoas do que à natureza das instituições. Por isso, a burocracia, a submissão do indivíduo ao Estado e a invasão da liberdade individual são tão graves para a percepção do sentimento da qualidade de justiça.
ConJur — Alguns institutos inovadores estão passando por um momento de inflexão, como a colaboração premiada, a arbitragem e o compliance. Onde está o problema? Nos intérpretes ou na formulação legislativa?
Arthur Machado — Em que pese a importância desses institutos, o país hoje enfrenta uma defraudação e captura desses organismos. Devemos enfrentar isso no Congresso Nacional. Cada um desses institutos foi distorcido de sua proposta original. Com isso, criou-se a possibilidade de uma captura democrática e de forças políticas e econômicas, que devem ser revistas.
No caso da arbitragem, temos visto sua utilização em câmaras internacionais em todos os setores da economia, incluindo, mas não se limitando a ativos estratégicos do país com enorme impacto na posição geopolítica do Brasil, atendendo a interesses. Soma-se a isso a utilização do instituto por alguns grupos jurídicos que acabam esvaziando o processo legislativo e judiciário do país e até mesmo nossa soberania política. Não são raros, e inaceitáveis, casos de empresas monopolistas ou oligárquicas que utilizam uma combinação de institutos como a arbitragem, a autorregulação e o livre mercado para fazer as vezes do Estado, substituindo-o, dilacerando a concorrência e submetendo os interesses nacionais às suas causas. Uma revisão desse processo se torna absolutamente fundamental para garantir a não captura de instituições e de mercados no Brasil, criando oligopólios ou monopólios isentos de responsabilidade ou cobertura jurisdicional do Estado.
No caso do compliance, a revisão se torna ainda mais necessária, pois o instituto se fortaleceu de tal maneira, que se tornou um braço do Estado dentro do setor privado, ferindo princípios constitucionais basilares e permitindo que o instituto seja usado para perseguir, escolher vencedores e perdedores e influenciar políticas públicas em empresas privadas, sem que haja um claro limite de ação. O compliance tornou o Estado onipresente, criando uma “estatalidade” plena das áreas de controle, sendo instrumento de violação dos direitos constitucionais individuais e corporativos.
A origem da corrupção desses institutos nasce dos dois males. Por um lado, de uma formulação legislativa ineficiente e apressada, que muitas vezes reage ao clamor popular ou a interesses atávicos de grupos econômicos e políticos, sem medir de forma apropriada o efeito mediato e imediato de uma lei, de maneira que sua criação já nasce com o germe de sua revisão pela má qualidade da discussão que a cerca, na maior parte dos casos unidimensional e imediatista.
Por outro lado, temos a crise da hermenêutica e do oportunismo jurídico. O Congresso Nacional terá que, em algum momento, discutir e enfrentar os limites do controle de constitucionalidade de suas leis, de sua exegese e hermenêutica em todas as instâncias do judiciário, que se contaminou com um pós-positivismo jurídico não oficial e trouxe indevidamente ao juiz o papel de aliar Direito e moral, impondo à comunidade sua visão de sociedade a partir de seus critérios, o que gerou ao ordenamento uma espécie de semântica sem sintaxe, criando decisões e jurisprudência incoerentes e cegas, transferindo aos interpretes poder demasiado não correspondente à sua função constitucional.
ConJur — Em sua opinião, é possível ou desejável criar parâmetros objetivos para se aferir o impacto econômico e social das leis?
Arthur Machado — Há de se ter extremo cuidado e cautela com esse tema, pois parte-se da premissa de que uma visão utilitarista e materialista de mundo seria o critério constitucional adequado como padrão ou referência da casa legislativa na confecção de nosso ordenamento, tornado o critério moral e estratégico subordinado ao aspecto e impacto econômico. De certa maneira, é a autêntica submissão do homem à técnica e a concretização jurídica de um modelo tecnocrático, que sabemos ser absolutamente perverso ao país. Não apoio que essa discussão avance na legislatura vindoura.
ConJur — Em sua opinião, a advocacia, a academia e demais profissionais do Direito deveriam ter maior participação no processo legislativo? Se sim, como?
Arthur Machado — De maneira geral, sofremos uma grave crise de princípios conceituais. A adoção do positivismo temperado pelo controle de constitucionalidade, a partir do alargamento de gerações de direitos humanos, nos empurrou para o pós-positivismo pela própria insuficiência de um padrão moral e social que atendesse às demandas sociais e à realidade da vida. Nesse sentido, o fetiche acadêmico que temos pelo iluminismo, desconsiderando tanto outras ideias que solidamente existem na Filosofia do Direito, faz com que o país tenha um sistema jurídico constitucional mutilado, unidimensional, que não abarca a demanda de grande parte de sua população. É preciso, portanto, ampliar sua esfera conceitual jurídica, formando correntes de pensamentos mais diversas e permitido reflexões acadêmicas mais ricas, que estimulem as decisões legislativas de maneira a criar e refletir nosso plano histórico e natural em nosso ordenamento.
Contudo, é fundamental mantermos adequada e segura distância entre os profissionais do Direito e da academia com o parlamento, para evitar o velho e detestável vicio da tecnocracia, a malfadada crença de que técnicos e burocratas poderiam ser os novos Prometeus da sociedade, gerando um totalitarismo técnico, uma sinarquia [sociedade governada por sábios], que nada mais seria do que a maior ameaça à democracia e ao autogoverno do indivíduo.
ConJur — O senhor foi uma das vítimas do lavajatismo. Como ficou o processo e como o senhor descreve o cenário que possibilitou esse período conturbado e anômalo da Justiça?
Arthur Machado — O lavajatismo foi um fenômeno multidimensional. Existem inúmeros vetores dentro dele. Quando a “lava jato” virou lavajatismo? Penso que quando se prostituiu de um fim, o combate à corrupção, para um meio, forma de tomada de poder político e de instrumento para a destruição conveniente de algumas empresas. Quais as lições que temos de olhar com maturidade e seriedade? Como instituições de Estado podem ser facilmente capturadas e usadas por monopólios financeiros internacionais para proteger seus mercados contra a livre iniciativa e os direitos do cidadão. Foi a captura do poder político pelo poder econômico, com a cumplicidade de uma mídia realmente voltada para projetos políticos, e não para a realidade.
Veja a força e magnitude disso: o Estado sendo usado para saquear patrimônios, destruir a concorrência, proteger monopólios, destruir a liberdade e corromper o devido processo legal à custa da ruína da vida de pessoas e da economia do país. Foi seríssimo. Hoje vemos o eco do uso de métodos jurídicos para fins políticos. O Congresso tem de criar meios de defesa para proteger o indivíduo do uso arbitrário do poder legal pelo Estado por instituições capturadas. Muito do que vimos no modelo do lavajatismo — e que se mantém — tem reflexo nos famosos processos de Moscou do período Stalinista (confissões obtidas sob coerção, processos públicos, uso da mídia, ausência de defesa e clamor popular).
Vejam os efeitos maléficos disso. Até hoje sou associado à “lava jato”. Empresas foram fechadas, com sócios saqueando minhas próprias empresas, se aproveitando do fenômeno midiático. Compare com a realidade processual: três meses após a operação, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) reconheceu a incompetência da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro por não haver qualquer vínculo com a investigação, redistribuindo o processo. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em caráter liminar, suspendeu o processo, atendendo ao pedido da nossa defesa, por entender que há falta de material probatório e atipicidade dos fatos. Nunca houve nenhuma condenação em qualquer instancia. Sob esse prisma, fui vítima do sistema e de um poder econômico que se utilizou de instituições para destruir meus negócios e manter o monopólio sobre setores da economia. Quem foi vítima do lavajatismo foi o país, a democracia, a justiça e a nossa liberdade.