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FISCALIZAÇÃO POR FORÇA-TAREFA NÃO JUSTIFICA BUSCA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

Não existe atuação de rotina de órgãos de polícia administrativa quando o caso concreto evidencia que Polícia Federal e órgãos fazendários formaram verdadeira força-tarefa para, sem mandado judicial, empreender busca e apreensão contra suspeitos de ilícitos financeiros.

Para ministro João Otávio de Noronha, não há batida de rotina que envolva complexo acerto entre diferentes órgãos fiscalizadores
Gustavo Lima

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça declarou a nulidade das provas obtidas contra empresários investigados por emissão de valores mobiliários sem registro prévio na autoridade nacional competente.

A conduta consistiu em negociar títulos de capitalização denominados “Carimbó da Sorte” em desacordo com a autorização emitida pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão que identificou o ilícito e informou as autoridades competentes.

Em posse da informação, policiais federais, agentes da Receita Federal e membros do Grupo Especial de Prevenção a Organizações Criminosas (Geproc) do Ministério Público do Pará fizeram o que definiram como “fiscalização de rotina” na sede da empresa suspeita.

Durante a fiscalização, identificaram situação de flagrante delito, o que as autorizou a ingressar no local sem autorização judicial e buscar e apreender diversos documentos e objetos, como livros contábeis.

Relator no STJ, o ministro João Otávio de Noronha apontou que a identificação de situação de flagrante quando da realização de ato fiscalizador de rotina pelos órgãos competentes poderia, de fato, dispensar o prévio mandado judicial para entrada no local.

O caso dos autos, no entanto, traz peculiaridades. A principal delas é a atuação conjunta de órgãos de polícia autônomos e independentes entre si, em formato de “força tarefa” e que dificilmente aconteceria “de rotina”.

“A complexidade da operação deflagrada e a atuação conjunta dos órgãos de fiscalização, por si sós, afastam o fundamento utilizado na origem a respeito da atuação de rotina dos referidos agentes estatais, expondo a fragilidade da medida, realizada ex officio, sem o controle jurisdicional”, justificou o relator.

Além disso, o próprio ofício da Susep que deflagrou a “fiscalização de rotina” traz informações preliminares que indicavam a necessidade de submeter o controle dos atos investigatórios ao Judiciário, de modo a assegurar a validade da busca e apreensão.

“O que se apresenta nestes autos é o equívoco de personalizar, na figura do delegado de polícia, as prerrogativas de inquirir, avaliar e decidir acerca de procedimentos cuja execução presume a atuação jurisdicional ante a possibilidade de mitigação de direito fundamental inerente à dignidade da pessoa humana”, disse o ministro Noronha.

Para ele, o fato de existir denúncia administrativa acerca da suposta prática de crime pela pessoa jurídica não autoriza, por si só, a atuação desmedida de diferentes órgãos fiscalizadores sem o devido controle jurisdicional.

As irregularidades que justificaram o flagrante delito não poderia ter sido identificadas de plano pelas autoridades em mera “batida de rotina”. A avaliação do juiz, neutro e desinteressado, deve se sobrepor à avaliação do policial, envolvido nas investigações.

“O fato de existir denúncia administrativa acerca da suposta prática de crime pela pessoa jurídica administrada pelos agravantes não autoriza, por si só, a atuação desmedida de diferentes órgãos fiscalizadores”, apontou o ministro. A votação foi unânime.

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HC 676.091