É PRECISO CONSCIENTIZAR POVO DA IMPORTÂNCIA DE TER POLÍTICOS NEGROS
*Esta é décima quinta entrevista da série Candidatos Legais, na qual a ConJur sabatina profissionais do Direito que se candidatarão a cargos eletivos nas eleições deste ano. Para ler as outras entrevistas, clique aqui.
As cotas raciais, que estão completando 20 anos no Brasil, foram um grande avanço, embora o advogado e candidato a deputado federal Humberto Adami (PSB-RJ) acredite ser preciso ter um controle maior sobre a autodeclaração, de forma a evitar os casos de fraudes praticadas por brancos. No entanto, ele afirma que o aumento de parlamentares negros deve se dar pela conscientização da população, e não pela reserva de vagas.
"O Legislativo é feito através do voto popular, e isso deve ser respeitado. O que deveríamos fazer é um trabalho de conscientização das pessoas, eleitores, da importância em ter representantes negros em um país em que somos maioria. Não que os brancos não possam fazer, não estou sugerindo guerra racial. Mas do jeito que está não pode continuar."
Presidente da Comissão de Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Adami fez sustentação oral em defesa das cotas no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal considerou legítima a reserva de 20% das vagas em concursos públicos para candidatos negros (ADC 41). Na ocasião, o advogado representou o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, que era amicus curiae na ação.
Se eleito deputado, Adami pretende apresentar projetos de lei que estabeleçam o incentivo público para acesso de negros às instituições federais; a reparação da escravidão às populações negras; a demarcação das terras quilombolas; a efetivação do Museu Nacional da Escravidão; a valorização dos museus e prédios históricos que contam a história do povo negro; e o controle do sistema de controle de cotas e denúncia dos fraudadores.
Mestre pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília, Humberto Adami é sócio do escritório Adami Advogados Associados. A banca carioca atua em Direito das Relações Étnico-Raciais, além de constitucional, administrativo, civil, consumidor, empresarial e eleitoral.
Leia a entrevista:
ConJur — Por que o senhor decidiu se candidatar a deputado federal?
Humberto Adami — Decidi ser candidato a deputado federal porque um conjunto de pessoas, entre amigos, conhecidos e até pessoas mais distantes, insiste muito em ver pessoas mais sérias e comprometidas com a pauta racial na Câmara Federal. É preciso “empretecer” o parlamento. São 513 parlamentares, a maioria de brancos. Além disso, é preciso colocar gente séria e preocupada com a construção de um país melhor. Uma vez que não temos visto isso. O que temos são políticos carreiristas, oportunistas que só querem abastecer seu próprio nicho.
ConJur — Uma vez eleito, o senhor apresentaria um ou mais projetos logo no início do mandato? Se sim, quais?
Humberto Adami — Sim. Entre meus projetos estão o incentivo público para acesso de negros às instituições federais, a reparação da escravidão às populações negras, a demarcação das terras quilombolas, a efetivação do Museu Nacional da Escravidão, a valorização dos museus e prédios históricos que contam a história do povo negro e controle do sistema de controle de cotas e denúncia dos fraudadores, entre outros.
Quero contribuir também como o presidente na elaboração de projetos a longo prazo. Nesses últimos três anos, não tivemos projetos para o país. Precisamos de projetos de inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade, que são a maioria de pretas e pardas. Elas precisam fazer parte desse Brasil como dos demais setores da sociedade. Quero propor mecanismos na educação que possam capacitar e qualificar essas pessoas. Todos temos o direito de criar um futuro melhor.
ConJur — De modo geral, como avalia a qualidade das leis produzidas no Brasil?
Humberto Adami — O Brasil sofre com um excesso de leis que em sua maioria são ruins. Não se consegue chegar na ponta, que seria a aplicabilidade delas.
ConJur — A qualidade da Justiça se subordina à qualidade das leis? Qual é o papel do Legislativo na produção da justiça?
Humberto Adami — Ela se subordina em parte. A qualidade da Justiça é, fundamentalmente, a aplicação das leis. Se as leis são ruins, elaboradas por um parlamento ruim, dificilmente esse conjunto de leis vai produzir uma boa qualidade de produção judiciária. A Justiça acabar sendo apenas para uma parte da população. Uma Justiça cara e que acaba não enxergando as grandes qualidades da população brasileira. O Brasil tem um povo sério e honesto. Só precisa de um governo que não atrapalhe seu crescimento. Todos querem um país melhor e o atual governo só fala em armas, em acabar com oponente. É preciso chegar uma nova gestão que não cometa erros do passado e atenda um projeto de felicidade.
ConJur — Em sua opinião, a advocacia, a academia e demais profissionais do Direito deveriam ter maior participação no processo legislativo? Se sim, como?
Humberto Adami — Sim. É importante a participação de todos, em especial advocacia, academia, os mestres em Direito no sentido de produzir melhores leis, com critérios mais justos. É o que irei fazer, se eleito.
ConJur — O sistema criminal é racista? Se sim, como mudá-lo?
Humberto Adami — Inserindo a juventude através das políticas públicas de cota racial, levando conhecimento que às vezes nem chegam nessas carreiras mais estanques. Precisamos ter mais advogados pretos, juízes pretos, desembargadores pretos.
ConJur — Cerca de dois terços dos presos brasileiros são negros. Como tornar o sistema criminal menos racista?
Humberto Adami — É preciso investir em educação. Só com a educação você vai tirar esse tipo de característica da execução da escravidão negra no Brasil.
ConJur — Um dos procedimentos penais em que o racismo mais se manifesta é o reconhecimento de pessoas, seja pessoal, seja por fotografia. Como torná-lo mais confiável e menos racista?
Humberto Adami — Há muito tempo a Ordem dos Advogados do Brasil, através Comissões de Direitos Humanos, vem elaborando projetos de lei fantásticos para a proibição da utilização apenas de fotos antigas e até de Facebook, de rede social. Tem sido frequente o uso desses recursos pelo sistema. Por isso, é urgente a criação e a aplicabilidade dessas proibições e a criação de leis que modifiquem essa prática.
ConJur — As cotas raciais estão completando 20 anos no Brasil. Como o senhor as avalia? Acredita que elas poderiam ser estendidas para outras áreas, como vagas no Legislativo?
Humberto Adami — Foi um grande avanço. O que me preocupa são os casos de fraudes praticadas por brancos. Por isso, acho que deveríamos ter um controle maior nessa autodeclaração. O Legislativo é feito através do voto popular e isso deve ser respeitado. O que deveríamos fazer é um trabalho de conscientização das pessoas, eleitores da importância em ter representantes negros em um país em que somos maioria. Não que os brancos não possam fazer, não estou sugerindo guerra racial. Mas do jeito que está não pode continuar.
ConJur — O que pensa sobre a descriminalização da posse de drogas para consumo? E da legalização do comércio de drogas?
Humberto Adami — Parece claro que é uma guerra que está completamente perdida. Há aparato econômico policial que custa caro para a população brasileira no combate ao uso de drogas. O gasto para a manutenção dessa repressão é muito grande. A descriminalização é o caminho? Precisamos discutir o assunto com a seriedade exigida. Teria o Brasil hoje a capacidade de permitir o uso controlado como em outros países? Acho muito válido avaliar os prós e contras
ConJur — Como criar uma segurança cidadã e tornar a polícia brasileira menos violenta?
Humberto Adami — Precisamos preparar e qualificar nossos policiais. A polícia precisa ter uma base de investigação, a polícia inteligente para nortear suas ações. Aquela imagem da polícia repressora que hostiliza moradores de comunidades carentes não é mais possível, na verdade nunca foi. Onde pessoas negras têm medo de sair às ruas tamanha a abordagem violenta policial. Isso vem de lá da história. Quando os negros eram perseguidos. Para acabar com isso só um projeto a longo prazo porque requer a diluição desses pensamentos arraigados na sociedade racista. Por isso defendo a reparação da escravidão à população negra.