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Imunidade das empresas de mídia social será julgada pela Suprema Corte dos EUA

A Suprema Corte dos Estados Unidos concordou em julgar dois casos que questionam a parte de uma lei que garante imunidade a empresas de mídia social — ou impede que elas sejam civilmente responsabilizadas por não moderar devidamente (ou não censurar) conteúdos publicados em suas plataformas.

A Suprema Corte dos EUA terá de tomar decisões salomônicas sobre redes sociais 

Tais casos se opõem a outro que a Suprema Corte deverá julgar porque tribunais de recursos tomaram decisões conflitantes. Trata-se do julgamento de leis aprovadas pelos estados do Texas e da Flórida que proíbem as empresas de mídia social de censurar postagens de conteúdo político ou de banir usuários que postaram conteúdos inapropriados (como, em casos extremos, a incitação à violência).

Ou seja, em um julgamento, a corte vai deliberar se as grandes empresas de tecnologia (big techs) devem censurar conteúdo que pode causar danos a pessoas. Em outro, vai decidir se elas não devem censurar conteúdo de uma maneira geral — o que também pode abrir as portas para a publicação de desinformação e conteúdo de ódio.

Os dois casos são Gonzalez vs. Google e Twitter vs. Taamneh. No primeiro, Reynaldo Gonzalez alega que a Google foi parcialmente responsável pela morte de sua filha, Nohemi Gonzalez, em um ataque terrorista do autodenominado Estado Islâmico, em novembro de 2015, em Paris, por promover vídeos do grupo no YouTube, plataforma de sua propriedade.

Tal promoção ocorreria porque a plataforma, assim como várias outras, usa o sistema de "recomendações dirigidas" — em que se recomenda vídeos similares aos usuários. Dessa forma, promove o recrutamento de terroristas e os incita a realizar ataques, em violação à Lei Antiterrorismo.

As plataformas de mídia social, como YouTube, Facebook, Twitter e outras, usam algoritmos de computador para selecionar e recomendar conteúdo a seus usuários, como meio de gerar maior engajamento e receitas publicitárias. A questão é se a Google tem direito às proteções da lei quando recomenda conteúdo de terceiros aos usuários, mesmo se esse processo é feito por algoritmos.

No caso Twitter vs. Taamneh, a família de Nawras Alassaf, também vítima de um ataque do Estado Islâmico a um clube noturno, em 2017, alega que a empresa deu suporte a material de terrorismo e encorajou o ataque por não fazer o suficiente para monitorar o conteúdo publicado em sua plataforma.

A seção da imunidade
No caso contra a Google, a questão principal apresentada à Suprema Corte é sobre a legalidade da Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações (Communications Decency Act), que foi criada em 1996 para proteger a liberdade de expressão na internet. Ela protege as empresas de tecnologia contra responsabilização civil por conteúdos postados por usuários em suas plataformas.

Curiosamente, a Communications Decency Act (CDA) foi criada com o propósito original de restringir a liberdade de expressão na internet, mas essa parte da lei foi derrubada pela Suprema Corte e outras seções sobreviveram. A Seção 230, particularmente, diz:

"Nenhuma provedora ou usuário de um serviço interativo de computação deve ser tratado como uma editora — ou publicadora — de informações fornecidas por outra provedora de conteúdo de informações".

Em outras palavras, as empresas de mídia social são intermediárias online que hospedam ou republicam postagens que são protegidas contra uma variedade de leis que, de outra forma, poderiam ser usadas para responsabilizá-las legalmente pelo que outros falam ou fazem na internet, segundo a Electronic Frontier Foundation (EFF).

"As intermediárias protegidas incluem não somente provedoras de serviço de internet (ISPs), mas também uma variedade de provedoras de serviço interativo de computação, incluindo, basicamente, qualquer serviço online que publica conteúdo de terceiros — apesar de haver exceções importantes para certos casos criminais e de violação de propriedade intelectual", diz a EFF.

Apesar de muitos políticos republicanos e democratas (nem todos) defenderem a revogação da Seção 230, a EFF argumenta que a CDA cria uma ampla proteção que possibilita o florescimento da inovação e da liberdade de expressão online. E alega que é impossível às publicações online monitorar todo o conteúdo gerado por usuários.

"O Facebook, por exemplo, tem mais de um bilhão de usuários; os usuários do YouTube publicam cem horas de vídeo por minuto. De qualquer forma, as empresas só têm duas opções: não publicar o conteúdo de terceiros em suas plataformas ou se engajar ativamente em censura do que dizemos, vemos e fazemos para se proteger", argumenta a EFF.

As cortes inferiores, de uma maneira geral, têm decidido a favor das empresas de mídia social por causa da Seção 230 da CDA. Mas alguns juízes de tribunais de recurso têm se manifestado a favor de rever a lei. Na Suprema Corte, o ultraconservador ministro Clarence Thomas é o mais ardoroso defensor da revisão dessa seção da lei.

A Suprema Corte terá de tomar decisões salomônicas. Se mantiver as leis que proíbem a censura de conteúdo político, vai, por extensão, proibir a censura de conteúdo que incentive a violência ou que promova a desinformação e o discurso de ódio. Se revogar a Seção 230, vai obrigar as empresas de mídia social a censurar ainda mais as postagens que publicam para se proteger e, com isso, impor mais limites à liberdade de expressão.