NORMA DO TJ-RJ QUE PERMITE CELEBRAR ANPP EM AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA CONTRARIA CNJ
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro publicou resolução que permite a celebração e homologação de acordo de não persecução penal (ANPP) em audiência de custódia. Porém, a norma viola a regulamentação do procedimento feita pelo Conselho Nacional de Justiça, que não permite que se trate do mérito da acusação na sessão, dizem especialistas.
Especialistas dizem que não se pode celebrar ANPP em audiência de custódia
Yanukit
A Resolução TJ-OE 30/2022, publicada em 8 de novembro, alterou o artigo 4º-A da Resolução TJ-OE 5/2022 para estabelecer que o representante do Ministério Público pode oferecer acordo de não persecução penal ao preso em flagrante a ser submetido a audiência de custódia. Se o acusado estiver acompanhado de advogado ou defensor público, poderá celebrar o acordo, que será homologado pelo juiz com atuação junto às Centrais de Audiências de Custódia.
Segundo o artigo 28-A do Código de Processo Penal, o MP pode propor acordo de não persecução penal se não for caso de arquivamento e o investigado tiver admitido a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, desde que o compromisso seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Para isso, o acusado também deve reparar o dano à vítima, prestar serviços à comunidade ou cumprir outras condições.
O Órgão Especial do TJ-RJ justificou a medida com base na Lei estadual 6.956/2015, que lhe permite, “sempre que necessário para a adequada prestação jurisdicional e sem aumento de despesa, alterar a competência, a estrutura e a denominação dos órgãos judiciários, bem como determinar a redistribuição dos feitos”.
A corte ainda apontou que “a reorganização da estrutura judiciária se mostra imprescindível ao melhor aproveitamento dos recursos existentes e à otimização da prestação jurisdicional”. E destacou que o MP pode oferecer o acordo, e “compete ao juiz da custódia estabelecer o fluxo de trabalho para homologação do ANPP antes do recebimento da denúncia”.
Normas do CNJ
Porém, especialistas afirmam que a norma do TJ-RJ contraria a regulamentação do CNJ sobre audiências de custódia.
A Resolução 213/2015, que regulamentou o procedimento, impede que sejam abordadas questões de mérito na sessão. Além disso, o CNJ destacou, em 2020, que a audiência de custódia não é o momento para o oferecimento e celebração de acordo de não persecução penal.
O defensor público do Rio Eduardo Newton afirma que a resolução do TJ-RJ distorce os institutos do ANPP e da audiência de custódia.
"Para a celebração do ANPP, o CPP exige como requisito a confissão. Por outro lado, na audiência de custódia, não pode o magistrado inquirir sobre o mérito, sob pena de antecipação do interrogatório e violação ao disposto na Resolução 213/CNJ. Assim, além de ilegal, essa resolução do TJ-RJ demonstra o completo desconhecimento dos institutos do ANPP e da audiência de custódia".
Nessa mesma linha, o advogado e professor de Direito Processual Penal Diogo Malan entende que a celebração de ANPP em audiência de custódia extrapola a função desse procedimento.
“A audiência de custódia serve exclusivamente a dois propósitos: controle judicial da legalidade da prisão e prevenção/repressão a abusos, maus tratos e torturas de presos. Já o ANPP pressupõe que o acusador possua aquele suporte probatório mínimo necessário para ajuizar a ação penal condenatória (justa causa) - o que só se configura ao término do inquérito policial. Assim, a celebração de ANPP durante audiência de custódia me parece ato extemporâneo e ilegal”.
Por sua vez, o criminalista Antonio Pedro Melchior declara que a resolução do TJ-RJ “implica retrocesso ao sistema de Justiça” e aumenta as chances de ocorreram erros judiciários.
“O ANPP pressupõe a confissão circunstancial do delito, providência que não pode ser exigida no contexto de uma audiência voltada ao controle da legalidade da prisão. A resolução amplia a possiblidade de erro judiciário ao criar ambiente propício a confissões falsas, realizadas para dirimir o risco de conversão do flagrante em prisão preventiva. As saídas alternativas ao julgamento de mérito são bem-vindas, desde que promovidas no momento adequado do procedimento, respeitada a presunção de inocência e efetividade da defesa”.
O TJ-RJ afirmou à ConJur que o ANPP não será celebrado na audiência de custódia. A corte declarou que o acordo será negociado e homologado por promotor e juiz diferentes, em outra sala, após o fim da sessão de custódia.
*Texto atualizado às 21/11/2022 para acréscimo de informações.