PEC DA TRANSIÇÃO: NOVO GOVERNO PROPÕE BOLSA FAMÍLIA FORA DO TETO POR 4 ANOS, MAS ADMITE NEGOCIAR
Proposta está em negociação pela equipe de transição e pode cair para dois anos; veja todos os pontos.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Nesta segunda-feira (28), o senador Marcelo Castro protocolou o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que autoriza o governo eleito e que assume o Brasil em janeiro a excluir as despesas com o programa Bolsa Família (Atualmente chamado de Auxílio Brasil) do teto de gastos por quatro anos.
Além disso, a PEC da Transição também prevê investimentos fora do limite em caso de arrecadação de receitas extraordinárias, ou seja, não há um valor específico para essas despesas, só estimativas do PT que apontam um gasto extrateto de até R$ 198 bilhões com a PEC.
O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está negociando a medida para conseguir manter o mínimo de R$ 600 do Bolsa Família a partir de 1º de janeiro e também honrar com promessas de campanha, como implementar o pagamento adicional de R$ 150 por criança de até seis anos, reajustar salário mínimo e retomar investimentos.
Pontos de negociação do teto de gastos
O governo eleito pede que o programa Bolsa Família seja retirado do teto de gastos por quatro anos, período completo do governo Lula. Contudo, integrantes da equipe de transição já admitem negociar uma série de pontos, como uma redução para dois anos.
A cúpula do Congresso indicou que a PEC só tem chances de ser aprovada com validade de dois anos, e interlocutores do governo eleito também admitem ceder nesse ponto.
Outro ponto em negociação é fixar no texto da PEC da Transição o limite exato para gastos extras no ano de 2023. O formato é defendido por alguns parlamentares e também tem a simpatia do grupo de economia na transição.E
A referência atual para esse valor é o cálculo de R$ 150 bilhões feito pelo time da transição. Um gasto adicional neste montante manteria constante a relação entre despesa e PIB (Produto Interno Bruto).
A conta atual é de que esse número deve ficar em 19% neste ano, enquanto o Orçamento de 2023 foi enviado prevendo com 17,6%.
Castro, que também é relator do Orçamento de 2023, afirmou nesta segunda que "tudo isso vai ser fruto de intensas negociações" e que a proposta inicial, que não estipulava prazo para a exclusão de despesas do teto, foi revista "devido a muitas reações" do Congresso.
"Inicialmente havia a ideia de ser perene a excepcionalização do teto de gastos do Bolsa Família, mas, devido a muitas reações, chegou-se à proposta de quatro anos", declarou na chegada ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede da transição.
"É claro que tudo isso vai ser fruto de intensas negociações, e quem cobre o Congresso Nacional sabe que dificilmente uma matéria entra no Congresso e sai da mesma maneira", disse.
"Nós combinamos com líderes que nós daríamos entrada e, à medida que a PEC for tramitando na Comissão de Constituição e Justiça, nós vamos então buscando um texto comum."
O líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PT-PA), também disse nesta segunda que o PT está "disposto a conversar".
"A PEC vem com a proposta de quatro anos, e nós estamos dispostos a buscar a mediação. O Lula está tomando essas iniciativas, inclusive de vir conversar, para valorizar a boa política e o Parlamento brasileiro", afirmou.
"Fato é que nós dissemos com todas as letras que um ano não era possível, que isso inviabilizava o funcionamento. Porque, na prática, um ano é seis meses, já que o governo tem que mandar a nova LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] em abril para o Congresso Nacional", afirmou.
O líder do partido na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), reforçou que a sigla está aberta às negociações, mas sem admitir a possibilidade de um ano, defendida por lideranças do Centrão.
"Acho que a Câmara, a maior das lideranças, e do Senado, já compreenderam que um ano é impossível. Então, hoje começa a debater de dois a quatro anos", disse.
O ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Nelson Barbosa, um dos quatro coordenadores do grupo técnico de economia na transição, afirmou que a PEC foi a estratégia "considerada mais viável do ponto de vista político", e defendeu a aprovação do texto até o final do ano.
"Nós temos apresentado nossas considerações ao relator e aos demais membros do governo de transição. Acho que o fato de a PEC ter vindo com prazo de quatro anos já atendeu a algumas das preocupações", disse Barbosa.
Uma PEC precisa da assinatura de 27 senadores, um terço da Casa, para começar a tramitar. Castro afirmou que as assinaturas serão apresentadas até esta terça (29).
A minuta inicial da proposta, apresentada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), previa a retirada do Auxílio Brasil —que voltará a ser chamado de Bolsa Família— da regra fiscal por tempo indeterminado. No texto protocolado nesta segunda, a lógica foi mantida, mas o prazo foi ajustado para quatro anos.
Pontos da PEC de Transição que foram mantidos
Outros pontos apresentados no dia 16 foram mantidos. O texto da PEC permite, por exemplo, a destinação de uma parcela das receitas extraordinárias (obtidas, por exemplo, com bônus de assinatura de leilões de petróleo) para custear investimentos públicos fora do teto de gastos.
O argumento é que essa despesa teria uma espécie de lastro fiscal, ou seja, só seria realizada mediante o excesso de arrecadação.
A proposta, porém, estipula um limite para essa parcela, equivalente a 6,5% do excesso de arrecadação verificado em 2021 —o que resulta em um valor de até R$ 23 bilhões.
A PEC também inclui um dispositivo que permite ao governo usar recursos obtidos por meio de doações na execução de projetos ambientais. A articulação foi feita no dia em que Lula discursou na COP27, a conferência do clima das Nações Unidas, cobrando recursos dos países ricos e colocando o combate à crise climática como prioridade.
A mesma lógica seria aplicada às universidades federais, que teriam autorização para executar despesas fora do teto caso elas sejam bancadas com receitas próprias, como doações ou captações. Hoje, esse tipo de gasto fica sujeito ao limite, o que gera reclamações das instituições e engessa projetos de pesquisa.
Sem compensação por elevação de receitas ou corte de outros gastos, a ampliação de despesas na magnitude pretendida pelo PT elevaria o déficit das contas em 2023. O Orçamento projeta oficialmente um rombo de R$ 63,5 bilhões, mas o governo atual atualizou essa estimativa para um número menor, embora ainda negativo em R$ 40,4 bilhões.
A existência de déficits públicos indica que o governo está financiando despesas por meio de emissão de um volume maior da dívida brasileira. O custo fica próximo da taxa básica de juros da economia, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.
Com a PEC, o PT pretende resolver o imbróglio da falta de verbas em 2023 e ganhar tempo para discutir a nova regra fiscal que substituirá o teto de gastos.
Integrantes do governo eleito avaliam que é preciso iniciar as discussões na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado até o final desta semana para haver tempo hábil para a votação. Castro ressaltou nesta segunda que a PEC deve ser aprovada no Senado e na Câmara até o dia 16 de dezembro, a tempo de fazer os ajustes no Orçamento de 2023.
O texto deve ser relatado pelo presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ou pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG).
Com informações da Folha de S.Paulo