TENDÊNCIA IMPERIAL PARA NYT, SUPREMA CORTE DOS EUA ACUMULA MAIS PODER E PREOCUPA JURISTAS
Apesar da impressão de muitas pessoas de que a Suprema Corte dos Estados Unidos deu uma guinada à direita e não está em sintonia com parte da população, há outro problema que preocupa juristas americanos: o tribunal vem acumulando cada vez mais poder, e rapidamente, às custas de praticamente todas as demais áreas do governo.
Formação da Suprema Corte em julho/22
Fred Schilling
A análise foi publicada no jornal The New York Times com base em uma série de estudos jurídicos recentes. Um deles foi escrito pelo professor de direito da Universidade de Stanford Mark A. Lemley com o título "A Suprema Corte imperial".
"É uma corte que está consolidando seu poder, enfraquecendo sistematicamente qualquer outro ramo do governo federal ou estadual que possa ameaçar seu poder e, ao mesmo tempo, enfraquecendo os direitos individuais", avaliou o professor.
Segundo o jornal, a tese de Lemley pode ser comprovada por um estudo conduzido pela Presidential Studies Quarterly com foco em processos envolvendo o Poder Executivo. Com base em 3.660 decisões da Suprema Corte desde 1937, o estudo apontou que, desde 2005, quando passou a ser presidida pelo juiz John Roberts, a corte tem demonstrado "disposição singular de coibir a autoridade executiva".
Outro estudo, feito por Rebecca L. Brown e Lee Epstein, da University of Southern California, indicou que, desde 2005, o Executivo ganhou apenas 35% das ações, mais de 20 pontos percentuais abaixo da média histórica. Segundo eles, há indícios de que a corte está estabelecendo uma posição de supremacia judicial sobre o presidente e o Congresso.
"Há poucos indícios de que a disposição da Suprema Corte de John Roberts de tomar decisões contrárias ao presidente guarde qualquer relação consistente com a preservação do equilíbrio entre os poderes ou com o funcionamento e a responsabilização do processo democrático", escreveram Brown e Epstein.
Outro ponto foi levantado pela juíza Elena Kagan, que destacou o "viés imperial" da maioria na Suprema Corte em uma decisão anunciada em junho deste ano limitando a capacidade da Agência de Proteção Ambiental (EPA) de combater mudanças climáticas.
"A Suprema Corte nomeou a si própria, em vez do Congresso ou de uma agência especializada, como tomadora de decisões sobre políticas climáticas. Não consigo pensar em muitas coisas que sejam mais assustadoras que isso", disse Kagan.
Desconfiança com tribunais federais
O texto do New York Times também aponta uma crescente desconfiança da Suprema Corte com os tribunais federais. Há casos em que a corte tem julgado processos antes dos próprios tribunais federais de recursos, usando um procedimento intitulado "certiorari antes do julgamento".
Antigamente, esse procedimento só era adotado em situações excepcionais, como a recusa do presidente Richard Nixon em entregar gravações a um promotor ou a tomada da indústria siderúrgica pelo presidente Harry Truman.
Antes de 2019, a Suprema Corte não utilizava o "certiorari antes do julgamento" havia 15 anos, segundo estudo feito por Stephen Vladeck, professor de direito da Universidade do Texas. Desde então, segundo Vladeck, o procedimento já foi utilizado 19 vezes.
Além disso, a Suprema Corte também tem utilizado outro tipo de atalho para aumentar seu poder, conforme duas professoras de direito, Lisa Tucker, da Drexel University, e Stefanie A. Lindquist, da Arizona State University, demonstraram em um estudo.
"Cada vez mais, a Suprema Corte vem ignorando decisões legalmente importantes de tribunais de instâncias inferiores, como se nunca tivessem acontecido, invalidando-as em ordens processuais sumárias", escreveram as professoras.
O juiz John Roberts defendeu a Suprema Corte em uma conferência de juristas em setembro. "Não queremos que os ramos políticos nos digam o que é a lei", disse. Ele também citou uma declaração famosa do ex-juiz chefe John Marshall em uma decisão de 1803: "É enfaticamente da competência do ramo judicial e seu dever dizer o que é a lei".