FATOS E PROVAS É POSSÍVEL ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA EM AÇÃO DE IMPROBIDADE COM ACUSAÇÃO DE CONLUIO
Mesmo antes da devida instrução processual, é plenamente possível que o juiz da causa, analisando indícios, conclua pela absolvição sumária de agentes públicos alvos de ação de improbidade administrativa baseada na ocorrência de conluio.
Voto vencedor do ministro Gurgel de Faria concluiu que seria inviável rever conclusões das instâncias ordinárias sobre o ponto
Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso especial do Ministério Público do Distrito Federal que buscava responsabilizar advogados públicos por atos ímprobos cometidos através da emissão de pareceres jurídicos.
O caso envolve a realização de um Termo de Acordo de Regime Especial (Tare), instrumento que permite ao Fisco a concessão de um regime especial para que determinadas empresas possam cumprir suas obrigações fiscais.
Segundo o MP-DF, o Tare firmado com a Empresa Martins S.A. foi alterado com a exclusão de uma cláusula graças a pareceres jurídicos emitidos por procuradores do DF e encampado pelos agentes tributários, o que levou ao favorecimento do contribuinte e causou lesão aos cofres públicos.
A exclusão dessa cláusula teria permitido a redução da carga tributária na remessa de mercadorias da filial no estado de São Paulo para a matriz em Minas Gerais, por meio de passagem ficta desses bens pelo Distrito Federal. O prejuízo causado seria da ordem de R$ 28 milhões.
As instâncias ordinárias absolveram os procuradores de maneira sumária por entender que seria inviável atribuir ilicitude à conduta do profissional que, por dever de oficio, expressa certa opinião ao emitir um parecer — o qual, por sinal, tem caráter opinativo e não vincula a administração pública.
Ao STJ, o MP-DF alegou que o cerne da questão é a existência de conluio entre os agentes públicos para beneficiar o contribuinte, o que só poderia ser descartado a partir da devida instrução processual, com o trâmite da ação de improbidade.
Na 1ª Turma, a votação foi apertada e só se resolveu com o voto de desempate após a convocação do ministro Francisco Falcão, que integra a 2ª Turma. Isso porque o ministro Benedito Gonçalves se declarou suspeito e não participou do julgamento.
Para ministro Kukina, havendo indícios de improbidade e acusação de conluio, conclusão dependeria do trâmite da ação
Sergio Amaral/STJ
Fatos e provas
A corrente vencedora foi a do voto divergente do ministro Gurgel de Faria, para quem não caberia ao STJ rever as conclusões do TJ-DF sobre a ausência dos indícios mínimos necessários ao recebimento da ação de improbidade, pois baseada na análise de fatos e provas.
"Convém anotar que a decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade não pode limitar-se à invocação do in dubio pro societate [na dúvida, em prol da sociedade], devendo, antes, ao menos, tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir, ao mesmo tempo que, para a rejeição, deve bem delinear a situação fático-probatória que lastreia os motivos de convicção externados pelo órgão judicial", explicou.
Em voto-vista, o desembargador convocado Manoel Erhardt concordou e acrescentou que o Supremo Tribunal Federal julgou que o Tare firmado no caso dos autos foi ilegítimo, por gerar prejuízo na incidência do ICMS em outros estados, com violação do pacto federativo. Portanto, não só a cláusula específica caiu, mas todo o acordo.
"Assim, nessa fase embrionária da demanda, é possível dizer que não se detecta a presença de conluio doloso entre os agentes acionados, especialmente por atos dos emissores de parecer, uma vez que os fatos posteriores vieram a comprovar que, realmente, era possível a alteração da cláusula do acordo, até porque o TARE, na forma como foi inicialmente engendrado, não contou com as melhores luzes jurídico-legais, razão pela qual foi reputado ilegal em momento seguinte", concluiu. Formou a maioria com eles o ministro Francisco Falcão.
Absolvição prematura
Ficou vencido o relator, ministro Sergio Kukina, acompanhado da ministra Regina Helena Costa. Ele destacou que a jurisprudência do Supremo indica que só é possível responsabilizar advogados públicos pelo conteúdo de pareceres técnico-jurídicos meramente opinativos "se evidenciada a presença de culpa ou erro grosseiro".
Esse parece ser exatamente o caso dos autos, apesar de as instâncias ordinárias terem presumido que os pareceristas atuaram nos limites legais de sua atividade profissional. Se a imputação é de atividade coordenada para causar dano ao erário, desvendá-la requereria a devida instrução processual.
"Dessa forma, uma vez que a efetiva elucidação dos fatos narrados na exordial da ação somente poderá ocorrer por meio do regular processamento do feito, a sua extinção, em relação aos ora agravantes, mostrou-se intempestiva e inoportuna, em nítida ofensa ao artigo 17, parágrafo 8º, da LIA", concluiu.
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REsp 968.110