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OPINIÃO ATRIBUIR RESPONSABILIDADE ÀS PLATAFORMAS DIGITAIS NÃO SIGNIFICA CENSURA

Ao ler a íntegra do discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proferido em 1º de janeiro de 2023, encontrei trecho que acena claramente para uma política de regulação das atividades dos provedores de aplicações na internet. Sobre a questão do fenômeno das notícias falsas (fake news), o presidente empossado disse o seguinte:

"Defendemos a plena liberdade de expressão, cientes de que é urgente criarmos instâncias democráticas de acesso à informação confiável e de responsabilização dos meios pelos quais o veneno do ódio e da mentira são inoculados. Este é um desafio civilizatório, da mesma forma que a superação das guerras, da crise climática, da fome e da desigualdade no planeta" [1] (grifei).

A ênfase ao assunto, nesse trecho do discurso, indica que a política do novo governo certamente será a de atribuir maior responsabilidade aos provedores de aplicações na internet, quanto a conteúdos produzidos por terceiros. A atenção ao tema não causou surpresa, pois Paulo Bernardo, ex-ministro das Comunicações e integrante do grupo técnico da equipe de transição para a área de tecnologia, já tinha afirmado que o assunto da regulamentação das plataformas digitais seria prioridade. Em entrevista que concedeu ao site Jota, em 29/11/22, ele deixou entrever que a regulamentação pode ser feita ainda em 2023 e que tomará como base o modelo normativo europeu [2].

Espero que a disposição do presidente Lula e dos integrantes do seu governo se confirme na forma de projeto de lei que trate da responsabilidade dos provedores ou mesmo no impulso a projetos que já tramitem no Congresso.

Invocando a defesa da liberdade de expressão, as grandes plataformas digitais que hospedam conteúdos gerados por terceiros (a exemplo do Facebook e da Google) adotavam uma política de completa inércia em relação às postagens de usuários. Mesmo conteúdos visivelmente ilícitos ou racistas não eram bloqueados ou de alguma maneira rotulados, pois as empresas consideravam que as próprias pessoas deveriam retirar suas conclusões sobre o que era publicado. A mudança na política de "moderação de conteúdo" somente ocorreu após ficar claro que o fenômeno das notícias falsas (fake news) ameaçava os regimes democráticos. Conteúdos que incitam a ódio, racismo e violência devem ser submetidos ao controle da empresa que mantém a plataforma onde são publicados.

O presidente Lula não só está sensível a esse assunto de alta relevância social como parece ter identificado a raiz do problema, pois mira no próprio provedor como responsável pelas fake news e outros conteúdos ilícitos que inundam as redes sociais.

A desinformação e disseminação de conteúdos ilícitos é um problema que só pode ser resolvido pelos próprios provedores de serviços na internet. Não é um assunto da alçada de governos e cuja solução deve partir dos indivíduos ou da sociedade. Não é por meio da educação das pessoas ou com ações governamentais voltadas à investigação da origem dos conteúdos ilícitos que se vai solucionar o problema das fake news, discurso de ódio (hate speech) e propagação de informações desagregadoras nas redes sociais. Só se resolve com a imposição de obrigações ao provedor, para que assuma responsabilidade editorial (ainda que de forma mais amena do que em relação à mídia tradicional).

A "intoxicação informacional" tem origem na forma como funcionam as chamadas "redes sociais" e serviços de hospedagem de conteúdo. Adquiriram, no início da popularização da internet (em meados dos anos 90), imunidade para funcionar sem qualquer forma de responsabilidade editorial, sem ter que fazer espécie alguma de filtragem prévia dos conteúdos postados por seus usuários. Sem responsabilidade pelo conteúdo que transita em seus sistemas, não se deram ao trabalho de checar a identidade dos usuários. A "anonimização" fomentou um ambiente de "terra sem lei" nas redes sociais, com usuários criando contas e perfis falsos e divulgando conteúdos ilícitos sem que ninguém respondesse pelos danos causados.

O discurso do presidente Lula, portanto, é alvissareiro. Já passou da hora de o Brasil adotar uma legislação que trate da "moderação de conteúdos" pelos provedores de aplicações na internet. Uma rede social não é uma praça pública, um local de domínio público, mas um sistema informatizado privado, controlado por uma empresa privada, que deve ser obrigada a assumir responsabilidade pelo que transita em seu ambiente digital. Conteúdos que incitem o ódio, a violência, o extremismo e que propiciam o divisionismo social podem (e devem) ser filtrados pelo provedor. É preciso rever o papel dos provedores de hospedagem de conteúdo na internet na prevenção e remoção de material informacional ilícito.

O Parlamento Europeu aprovou no ano passado o Digital Services Act (Lei de Serviços Digitais), ato normativo que regula a responsabilidade dos provedores de conteúdo e serviços na internet [3]. Esse texto pode servir de modelo para futura proposta legislativa a ser enviada ao parlamento brasileiro ou mesmo para aperfeiçoar projetos de lei que já tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de conter a disseminação de conteúdos discriminatórios e falsos nas redes sociais e em outras plataformas digitais.

É preciso discutir com sobriedade qual o grau da responsabilidade que deve ser atribuída aos provedores, na contenção de conteúdos ilícitos. O que não se pode é isentá-los de qualquer tipo de obrigação em relação a material informacional nocivo que circula em suas estruturas e sistemas informatizados.

 

[2] Ver notícia sob o título "Transição: os planos do governo Lula para regulação de plataformas digitais", publicada em 29/11/2022 no site Jota, acessível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/regulacao/transicao-os-planos-do-governo-lula-para-regulacao-de-plataformas-digitais-29112022