Ver mais notícias

A PENHORA ESPECIAL DE QUOTAS DE SÓCIO EM SOCIEDADES EMPRESARIAIS

Neste texto, nos propomos a expor alguns assuntos relacionados à penhora de quotas de sociedades empresariais pelo regime especial aplicável às sociedades personificadas (CPC, artigo 861), com as divergências e soluções possíveis.

Vicente Greco Filho ensina que a penhora é ato de apreensão de bens com finalidade executiva e que dá início ao conjunto de medidas tendentes à expropriação de bens do devedor para pagamento do credor. Seguindo esse pensamento, podemos definir que a penhora especial nada mais é do que a penhora de bens incorpóreos com alguns cuidados especiais. (GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, p.75).

Desta forma, Amador Paes de Almeida define cota como uma parte ou porção fixa e determinada de algo. No âmbito da atividade econômica, representa a parcela de um sócio na sociedade de qual faz parte. É, portanto, o contingente com o qual o sócio contribui para a formação do capital social. (ALMEIDA, Amador Paes de. Direito de Empresa no Código Civil. 1.ª, p. 128).

Contexto histórico do tema
Nem sempre, em nosso ordenamento jurídico, as quotas foram passíveis de penhora. O primeiro Código Civil de 1939 restringia a penhora de cota. Portanto, eram impenhoráveis na forma em que a lei expressamente vedava. Porque existiam divergências conceituais a respeito dos conceitos entre quotas, fundos líquidos e fundos sociais.

Já no Código de Processo Civil de 1973, com advento da lei 11.382/2006, tornou-se prevista a penhora de ações e quotas de sociedade empresárias. Com isso, a preferência dos sócios tornou-se fator de divergências. Pois, alegava-se a quebra do intuito personae oriundo da affectio societatis, ocasionada pela adjudicação por terceiro adquirente.

Por vez, o STJ, pacificando a questão, fez a distinção conceitual entre a aquisição da cota penhorada e a admissão no quadro societário, no sentido de que "(...) 1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a penhora de quotas sociais não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, já que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio". (AgRg no REsp 1221579 MS 2010/0204948 – 7, DJe 04/03/2016).

No mais, para ilustrar, o T-SP entendeu que "Irrelevante se a empresa se encontra em recuperação judicial, haja vista que a constrição não recairá sobre o patrimônio da sociedade empresarial, mas, sim, sobre direito pessoal do sócio (.)". (AI 2277737-32.2021.8.26.0000 SP 2277737-32.2021.8.26.0000, 38.ª Câmara de Direito Privado, DJ em 25/3/2022).

O Código Civil vigente de 2002 (artigo 1026) veio dizer que na falta de outros bens (espécie de benefício de ordem) é possível pedir a execução do lucro que couber o sócio, ou na parte que lhe tocar em liquidação da cota.

Por vez, o Conselho da Justiça Federal, através de sua IV Jornada de Direito Civil, veio para servir como guia na preservação da empresa e evitando a sua descapitalização. Vejamos:

Enunciado 387 — CJF: "A opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade ou sobre a parte que lhe tocar em dissolução orienta-se pelos princípios da menor onerosidade e da função social da empresa".

Hoje, no Código de Processo Civil de 2015, reafirmou-se tal possibilidade de penhora, como trata o artigo artigo 835, IX: Artigo 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: IX — ações e quotas de sociedades simples e empresárias; bem como prevê a preferência dos sócios (CPC, artigos 799, VII, e 876, § 7.º), e a inovação do artigo 861, que trata de procedimento específico.

E, este (CPC, artigo 861), segundo a doutrina, trata-se de procedimento confuso para realização da penhora de quotas, como se debaterá a seguir.

Penhora de quotas prevista no artigo 861, CPC, e a sua (in) viabilidade prática. Alternativa possível.

Em constatando-se que não há outros bens do devedor passíveis de penhora (subsidiariedade), o caminho normal para o caso é a intimação, no processo executivo, da sociedade contratual ou de companhia fechada (CPC, artigo 799, VII), a respeito da penhora.

No mais, passando desta fase, segue-se o artigo 861 do CPC/2015 e seus mecanismos para que a cota penhorada possa cumprir sua finalidade. Qual seja, a liquidação da dívida (quota) por parte do executado (apesar deste ser medida excepcional, não obstante, a possibilidade da adjudicação ou da alienação das quotas, ou ações).

No entanto, o Código (CPC, artigo 861) determina que a sociedade, por exemplo, apresente balanço especial "na forma da lei", ofereça as quotas ou as ações, com o respeito ao direito de preferência dos sócios. E, não havendo interesses destes, proceda à liquidação das quotas ou das ações, depositando o valor apurado, em dinheiro.

Em primeiro lugar, a doutrina de Erasmo Valladão França e Marcelo Vieira Von Adamek tratam de alguns óbices a respeito do procedimento (o levantamento de balanço especial):

"Para além das dificuldades inerentes a essa tarefa, vários pontos ainda restaram indefinidos na legislação. Qual a data base? Quem arcará com os custos do levantamento? Exequente, executado e demais sócios estarão obrigados a aceitar o valor unilateralmente apurado pela sociedade? (...) E se a sociedade, que não é parte, não providenciar esse levantamento — seja porque permaneceu inerte, seja porque simplesmente não dispõe de recursos para tanto — (...)". (França, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes, Marcelo Vieira Von Adamek. Direito processual societário: comentários breves ao CPC/2015. 3.ª, p. 214).

Outro ponto que merece atenção é quando não houver interesse dos sócios na aquisição, determina-se que a sociedade liquidará as quotas penhoradas.

Erasmo Valladão França e Marcelo Vieira Von Adamek, na obra mencionada supra, tecem interessantes questões: "Oferecer aos sócios ou, não havendo interesse destes na aquisição, liquidar: por quanto e em que prazo? Dir-se-á: logicamente, pelo valor definido no balanço levantado pela sociedade (.) E se com o resultado desse levantamento não estiverem de acordo exequente, executado e demais sócios? Reverter-se-á a liquidação da quota já transformada por simples canetada? (...) E de novo: quem arcará com todos esses custos? A sociedade? (...) prevemos que esta novel disciplina tenderá ao desuso, com a consequente aplicação generalizada da regra do leilão (CPC, artigo 861, § 5.º). (...)".

Ou seja, "Não havendo interesse dos sócios, a própria sociedade poderá adquirir as quotas ou ações sem redução do seu capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria. Em qualquer dos casos, o valor pago pelas quotas ou ações deverá ser depositado em juízo para satisfazer o crédito exequendo. Não ocorrendo a aquisição das quotas ou ações pelos sócios ou pela sociedade, tampouco sua adjudicação pelo exequente (vide artigo 876) procede-se finalmente à liquidação as quotas ou das ações, com o depósito em juízo do valor apurado e correspondente às ações ou quotas penhoradas, em dinheiro". (Amaral, 2018).

Observamos que Guilherme Amaral ensina que o ente societário tem toda a responsabilidade pelo depósito das quotas em juízo, no sentido de que "a sociedade naturalmente torna-se depositária do patrimônio àquelas correspondente, tanto que a lei atribui à sociedade a responsabilidade pelo depósito, em juízo, do resultado da liquidação".

Aliás, para este, "eventual descumprimento, total ou parcial, do disposto no caput do citado artigo, atrairá para a sociedade a responsabilidade pelo pagamento do crédito exequendo e, presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica (artigo 50, Código Civil), tal responsabilidade recairá sobre os demais sócios (devendo observar-se, é claro, o procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no artigo 133 e seguintes do CPC)". (Amaral, 2018).

De mais a mais, há outro problema, pois, o dispositivo (CPC, artigo 861, §3º) prevê que em não havendo interesse dos sócios na aquisição das ações e, a requerimento do exequente ou da sociedade, deve-se nomear administrador judicial para liquidar as quotas.

Nisto, o referido, dubiamente, retirou o executado do rol dos legitimados, excluiu as atividades de liquidação do balanço, também, não disse como se procederá quanto ao pagamento dos custos da nomeação do administrador judicial e quais seriam os seus poderes frente a sociedade.

Conclusão
Ao que foi exposto, tal procedimento é complexo e com muitas polêmicas. Além disso, bastante dispendioso para a própria sociedade (podendo ensejar descapitalização e ferir o princípio da preservação da empresa, conforme o caso).

De tal modo, tais fatores podem tornar impraticável o procedimento, deixando mais viável e simples a expropriação ordinária pelo leilão judicial. Sobretudo, caso não seja acordado o ingresso do exequente na sociedade, sem deixar de levantar a possibilidade para apurar os haveres e cobrar o seu valor, v.g.

 


Bibliografia

ALMEIDA, Amador Paes de. Direito de Empresa no Código Civil. 1ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

AMARAL, Guilherme. Artigo 861 In: AMARAL, Guilherme. Alterações no Novo Cpc: O que Mudou? São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais. 2018. em: https://thomsonreuters.jusbrasil.com.br/doutrina/1207549064/alteracoes-no novo-cpc-o-que-mudou. Acesso em: 6 de Janeiro de 2023.

FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes, Marcelo Vieira Von Adamek. Direito processual societário: comentários breves ao CPC/2015. 3ª, São Paulo: Malheiros, 2022.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, 3º Volume. 16.ª. Edição, São Paulo: Saraiva, 2003.

www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 6 de janeiro de 2023.

www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 6 de janeiro de 2023.