FRAUDE NÃO IMPEDE JUSTIÇA DE AUTORIZAR EMPRESA A ENTRAR EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Devido à descoberta de um rombo contábil que pode elevar a sua dívida para cerca de R$ 43 bilhões, as Lojas Americanas pediram recuperação judicial, e o procedimento foi autorizado nesta quinta-feira (19/1) pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Mesmo que os controladores da empresa tenham cometido fraude, tal fator não impede a aprovação pela Justiça do procedimento de reestruturação. Isso porque o objetivo da medida é preservar a atividade econômica da companhia.
Recuperação judicial das Americanas foi autorizada nesta quinta-feira (19/1)
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A varejista está em situação financeira delicada desde que foram descobertas "inconsistências" de R$ 20 bilhões no balanço. Posteriormente, as Americanas informaram que a correção das irregularidades levará a uma revisão dos resultados financeiros de anos anteriores. Com isso, os números referentes ao grau de endividamento e seu capital de giro serão modificados, o que deve levar ao descumprimento de contratos e ao vencimento antecipado de dívidas. Assim, o débito total pode chegar a R$ 43 bilhões, segundo a empresa.
No último dia 13, a 4ª Vara Empresarial do Rio atendeu a um pedido das Americanas e concedeu liminar para protegê-las da cobrança de dívidas pelos próximos 30 dias. O BTG Pactual, um dos maiores credores das Americanas, recorreu da decisão. Na petição, os advogados acusam de premeditação o grupo 3G, fundo de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, maior acionista das Americanas.
O banco sustenta que, como a situação financeira da empresa decorre de fraude, ela não tem direito subjetivo a uma recuperação judicial futura que justifique liminar para protegê-la de credores. O instituto busca preservar a função social da companhia.
Porém, de acordo com o BTG, em uma crise de insolvência "de uma empresa que tem na fraude contábil o seu modelo de negócio, não há função social subjacente que se possa preservar". "Fraude contábil não é função social legítima, merecedora da proteção da lei, mas, sim, um ato que deve ser punido severamente, com suas potenciais consequências criminais", argumenta o banco.
No entanto, ao autorizar o processamento da recuperação judicial da empresa, o juiz Paulo Assed Estefan estipulou que as alegações de fraude e má-fé das Americanas deverão ser apuradas em processos independentes, para a identificação dos seus eventuais responsáveis.
"Contudo, não se pode confundir nestes autos eventuais responsabilidades e atos praticados por gestores e/ou controladores com a necessária proteção da atividade econômica empresarial, que visa a garantir a manutenção da fonte produtora, das dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos e, por óbvio, o próprio interesse dos credores, preservando a empresa, sua função social e estimulando a atividade econômica produtiva, tudo nos termos do artigo 47 da Lei 11.101/2005", afirmou Estefan.
Sem impedimento
O fato de uma empresa ter cometido fraude, como pode ter ocorrido com as Americanas, não impede que ela obtenha recuperação judicial, apontam especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
A secretária-adjunta da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Samantha Longo, sócia do escritório Longo Abelha Advogados, argumenta que a recuperação judicial resguarda a função social da empresa, e não o empresário, administrador ou acionista.
"Protege-se a empresa enquanto atividade econômica e detentora de uma função social. Tanto é assim que a lei prevê ações de responsabilidade contra o gestor e até mesmo seu afastamento do comando. A alegação de fraude, a princípio, não afastaria o direito da empresa de se utilizar deste instrumento legal", avalia ela.
A Lei de Falências (Lei 11.101/2005) não proíbe a concessão da recuperação judicial em casos de fraude, até porque o intuito é preservar a atividade econômica, e não proteger os sócios, administradores ou contadores, de acordo com Maria Fabiana Seoane Dominguez Sant'Ana, sócia do PGLaw e professora de Direito Comercial.
"Sócios, administradores e contadores podem e devem responder pelo eventual cometimento de fraude, se comprovada. As Lojas Americanas, enquanto empresa, geram milhares de empregos, atendem a milhões de consumidores e, em tese, recolhem os tributos devidos, fatos estes que ajudam a fomentar a atividade econômica nacional. Assim, não é correto confundir a empresa com as pessoas físicas que praticaram os alegados atos fraudulentos", opina.
De qualquer forma, na votação sobre o plano de recuperação os credores podem analisar se é o caso ou não de aprová-lo diante da existência de fraude — que deve ser comprovada, ressalta Maria Fabiana. Ela ainda destaca que a prática de ato fraudulento, incluindo a elaboração de escrituração contábil inexata, constitui crime falimentar, conforme o artigo 168 da Lei de Falências.
Nessa mesma linha, Domingos Refinetti, sócio do escritório WK Advogados, afirma que, objetivamente, não há nada na Lei de Falências que impeça uma empresa que praticou fraude de pedir recuperação judicial.
"O requisito, do ponto de vista econômico-financeiro, é que a empresa esteja passando por uma crise que possa ser superada com a utilização dos mecanismos legais — recuperação judicial — colocados à sua disposição. Ou seja, algo que não seja estrutural a ponto de comprometer definitivamente a sua recuperação."
A origem da crise da companhia não é objeto de apreciação ou de discriminação pela lei, ressalta o advogado. Se houver fraude, destaca Refinetti, há mecanismos civis e penais para punir as pessoas físicas responsáveis pelos atos.
Um administrador judicial lembra que a tese de que a empresa que praticou fraude não pode obter recuperação judicial foi usada contra empreiteiras acusadas de irregularidades e crimes na "lava jato". No entanto, o argumento não prosperou, e diversas construtoras entraram em reestruturação. Entre elas, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e UTC.