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O CURIOSO CASO DA CREDORA QUE QUERIA RECEBER E DO DEVEDOR QUE QUERIA PAGAR

Esta história se inicia em 2012, ano em que um senhor fez um financiamento bancário com alienação fiduciária de seu bem imóvel.

A mim compete explicar brevemente do que se trata: a alienação fiduciária é a transferência da propriedade de um bem móvel ou imóvel do devedor ao credor para garantir o cumprimento de uma obrigação.

Ocorre quando um comprador adquire um bem a crédito. O credor toma o próprio bem em garantia, de forma que o comprador, apesar de ficar impedido de negociar o bem com terceiros, pode dele usufruir.

A alienação fiduciária estipulada no contrato bancário está regida pelos ditames da Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, cuja finalidade está descrita expressamente em seu artigo 1°, conforme transcrição abaixo:

"Art. 1° — O Sistema de Financiamento Imobiliário tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, segundo condições compatíveis com as da formação dos fundos respectivos."

mens legis da lei ordinária sob comento instituiu exclusivamente o Sistema de Financiamento Imobiliário, traçando diretrizes pertinentes às operações de financiamento imobiliário.

Sabe-se que a intenção do legislador ao promulgar respectiva lei era equacionar o déficit habitacional no Brasil. Assim, a vontade política dos governantes e parlamentares foi estabelecer políticas e medidas para que a sociedade, em específico os atores do sistema financeiro, incentivem o financiamento imobiliário.

A lei estabelece que, verificada a mora total ou parcial do débito financiado, a forma contundente de retomada do imóvel financiado (alienação fiduciária de coisa imóvel — artigo 17, inciso IV — ex vi do artigo 26) é por meio da consolidação da propriedade do imóvel em nome do fiduciante e posterior alienação do bem. Essa é a forma típica de purgação da mora prevista na da Lei 9.514/97. E, ainda, a jurisprudência pátria compreende que, diante da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, o devedor fiduciante tem direito de purgar mora até a efetiva assinatura do auto de arrematação do bem, senão vejamos:

Mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em garantia em nome do credor fiduciário, é possível, até a assinatura do auto de arrematação, a purgação da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei 9.514/1997). À luz da dinâmica estabelecida pela Lei 9.514/1997, o devedor fiduciante transfere a propriedade do imóvel ao credor fiduciário até o pagamento da dívida. Essa transferência caracteriza-se pela temporariedade e pela transitoriedade, pois o credor fiduciário adquire o imóvel não com o propósito de mantê-lo como de sua propriedade, em definitivo, mas sim com a finalidade de garantia da obrigação principal, mantendo-o sob seu domínio até que o devedor fiduciante pague a dívida. No caso de inadimplemento da obrigação, o devedor terá quinze dias para purgar a mora. Caso não o faça, a propriedade do bem se consolida em nome do credor fiduciário, que pode, a partir daí, buscar a posse direta do bem e deve, em prazo determinado, aliená-lo nos termos dos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/1997. No entanto, apesar de consolidada a propriedade, não se extingue de pleno direito o contrato de mútuo, uma vez que o credor fiduciário deve providenciar a venda do bem, mediante leilão, ou seja, a partir da consolidação da propriedade do bem em favor do agente fiduciário, inaugura-se uma nova fase do procedimento de execução contratual. Portanto, no âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato, que serve de base para a existência da garantia, não se extingue por força da consolidação da propriedade, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, a partir da lavratura do auto de arrematação. Feitas essas considerações, constata-se, ainda, que a Lei 9.514/1997, em seu artigo 39, II, permite expressamente a aplicação subsidiária das disposições dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei 70/1966 aos contratos de alienação fiduciária de bem imóvel. Nesse ponto, cumpre destacar que o artigo 34 do Decreto-Lei 70/1966 diz que "É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito". Desse modo, a purgação da mora até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, tendo em vista que o credor fiduciário — nos termos do artigo 27 da Lei 9.514/1997 — não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se extingue com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário e, por fim, que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor. Além disso, a purgação da mora até a data da arrematação atende a todas as expectativas do credor quanto ao contrato firmado, visto que o crédito é adimplido.
Precedente citado: REsp 1.433.031-DF, 3ª Turma, DJe 18/6/2014. REsp 1.462.210-RS, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/11/2014.

Nesta história em particular, não houve qualquer leilão do bem imóvel tomado como garantia pela credora, pois aquele foi suspenso anteriormente por meio de uma decisão judicial no ano de 2015 — em razão de pedido expressamente realizado.

Voltando à diagramação jurídica, o fato é que, considerando-se uma interpretação gramatical (ou literal), ainda é possível verificar que a mencionada norma pátria não determina tal procedimento como o único e exclusivo meio possível de purgação da mora, caso contrário o legislador pátrio seria explícito ao determiná-lo claramente por termos restritivos.

Contrariamente, é possível inferir pela interpretação teleológica do dispositivo legal, que o que a lei visou foi justamente a purgação da mora pela maneira mais facilitada e célere. Explico.

Para que fosse possível o financiamento imobiliário acessível, medida de política pública que visa a dignidade da pessoa humana por meio da viabilização de moradia própria, seria imprescindível o mútuo remunerado por taxas de juros baixas. Neste sentido, para que isto de fato fosse possível, o legislador previu como garantia o próprio imóvel financiado, por meio de sua alienação fiduciária. Esta, por sua vez, trata-se do meio extraprocessual mais rápido e eficaz juridicamente de se obter o recebimento do valor do débito quando inadimplido.

Desse modo, claramente a intenção do legislador foi possibilitar o "sonho da casa própria" por meio de um financiamento que, para ser acessível, precisa contar com baixas taxas de juros; o que, para ser viável, claramente necessita de uma garantia de "fácil" recebimento/execução e que assegure o crédito ofertado. Assim sendo, foi estabelecida a alienação fiduciária sobre o imóvel financiado, que possui um procedimento célere e eficaz.

Diante disto, uma vez compreendida a lógica do legislador, é claro que, em situações nas quais haja um meio de recebimento mais célere do valor inadimplido pela instituição financeira credora financiadora, não há que se obstar sua ocorrência. Neste caso, estaríamos diante de uma forma atípica de purgação da mora, mas que atinge a finalidade de recebimento da credora.

Neste conto de fadas esdrúxulo que trago a vocês, permeado por uma inefetividade da lei e por uma pitada e inconformismo, o filho do devedor que possuía meio financeiros para quitar a dívida buscou quitá-la junto à credora no valor integral exigido por esta. Entretanto, o pagamento não foi aceito, porque a lei deve ser seguida cegamente (contém ironia) e a credora não poderia receber — bem, o direito de preferência é de fato personalíssimo, mas, não deveria ser utilizado para impedir a finalidade da lei.

Quero dizer, não seria razoável pressupor a exigência de um procedimento de leilão, em que há claro risco de não realização da venda pelo valor de sua avaliação, quando há quem tenha interesse em quitar o débito garantido pelo bem imóvel e aquele que tem direito de preferência na compra e interesse em ver a dívida extinta, anuir.

Mas, calma caro leitor, há de se ter uma saída. Sim. Ela: a jurisdição. Essa é a atividade do Estado que busca a pacificação social por intermédio do juiz pela aplicação da legislação aos casos concretos. Entre suas características está a substitutividade, que se trata justamente da incumbência do Estado-juiz aplicar a lei aos acontecimentos presentes, substituindo as partes da resolução do conflito jurídico por meio de uma solução imparcial que concretize a paz social, ou seja, traga uma solução definitiva e adequada.

Assim, pela inefetividade e limites da lei, recorremos ao Estado-juiz, na busca implacável de pagar o que é devido, solucionar a questão de maneira efetiva, não prevista expressamente pela lei, mas também não proibida por ela — passível de viabilizar o que o diploma legal pretende: a quitação do débito existente e pacificação social.

Desse modo, a ação judicial é o único meio de solucionar esta história; finalmente, inflamamos o Judiciário por não encontrarmos outro meio capaz de permitir ao devedor pagar uma dívida!

Toda a história é real. Não duvide.