DA GRAVE LESÃO AOS ANISTIADOS POLÍTICOS OCORRIDA NOS ÚLTIMOS QUATRO ANOS
A comissão de anistia é um órgão administrativo vinculado, hoje, ao Ministério dos Direitos Humanos, cujo ministro é o doutor Silvio Almeida.
Tal órgão foi criado em 28/8/2001, por meio da Medida Provisória nº 2.151, assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, medida esta que, posteriormente, veio a ser a Lei 10.559/2002, conhecida como Lei do Regime do Anistiado Político.
A lei surge com o objetivo de estabelecer critérios para a responsabilização do Estado em decorrência das práticas realizadas durante a ditadura militar. No caso, a Lei estabelece a fixação de indenizações, por dano material, mediante a análise da declaração da condição do pleiteante como anistiado político, ou seja, um reconhecimento no caso daqueles que foram perseguidos pela ditadura militar ou tiveram suas vidas impactadas de alguma forma pelos atos institucionais ou complementares, e atitudes do regime militar. Mediante tal reconhecimento, surge a declaração como anistiado político e o possível direito a percepção de reparação econômica, seja de forma única ou em prestação mensal, permanente e continuada, destinada aos casos de indivíduos que tiveram impactos em sua vida profissional.
O julgamento do pedido administrativo é feito em duas partes, o julgamento por parte da Comissão de Anistia, em si, e, por fim, o deferimento e homologação da portaria por parte do ministro responsável.
Ocorre que, nos últimos quatro anos, a Comissão de Anistia foi sistematicamente desestruturada.
É importante lembrar a que comissão não possui apenas como objetivo a fixação de indenizações ou declarações como anistiados políticos. É um instrumento de reconhecimento da história. Trata-se, além de um dever estatal, uma maneira de o próprio estado praticar o ato educacional, para que as perseguições ali reconhecidas e indenizadas nunca mais ocorram.
Entretanto, o desmonte estrutural é decorrente, inicialmente, de um discurso antidireitos humanos e pró-ditadura militar, proveniente daquele que foi eleito presidente da República. E tal desmonte foi praticado, de forma concreta, pela ministra do então Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos.
Nesse caso, a primeira intervenção é direta no julgamento de novos casos.
A Comissão de Anistia, conforme foi idealizada, deveria reunir representantes dos anistiados políticos, dos militares e da sociedade civil. Entretanto, chegou a ter apenas um representante dos anistiados [1].
Tal constituição da Comissão de Anistia gerou resultados práticos.
Nos últimos quatro anos, verifica-se tal resultado. Conforme reportagem do jornal O Estado de S. Paulo [2], 85% dos pedidos julgados no primeiro ano de governo foram indeferidos. Em 2021, foram indeferidos 97% dos pedidos de anistia política, conforme reportagem do portal de notícias Metrópoles [3]. Por fim, em 2022, 90% dos pedidos foram julgados improcedentes [4].
No segundo momento, a intervenção do então ministério se deu de forma mais silenciosa.
Utilizando do princípio administrativo da revisão dos atos da administração pública, o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, passou a revisar atas e concessões de pensões permanentes e continuadas, anulando a concessão de anistia política [5], e, em diversas ocasiões, rompendo com características inerentes a qualquer processo, seja ele judicial ou administrativo, como, no caso, o princípio do contraditório.
Tais cerceamentos e descumprimento de prerrogativas foram amplamente divulgados e referendados em diversas decisões, inclusive citadas aqui na ConJur [6].
Uma das teses utilizadas para a defesa desses anistiados que tiveram suas portarias anuladas seria a hipótese da decadência, pautada no artigo 54 da Lei nº 9.784/1999.
"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé."
Entretanto, conforme atestado pelo STJ, em julgado desta semana (27/1), reconhecendo o julgamento realizado pelo STF, ao analisar o tema 839 por meio do MS 18.909, ratificou-se o entendimento de que, no caso das anistias políticas, é prerrogativa do Estado realizar sua revisão, em clara demonstração do princípio da autotutela.
Tal entendimento, embora faça sentido, colide também com alguns questionamentos necessários. No caso concreto, a Comissão de Anistia realizará a reanálise das portarias negadas e anuladas nesses últimos anos?
Aqueles que tiveram suas portarias negadas poderão objetivar eventual novo julgamento perante o órgão?
Tais questionamentos são necessários na medida em que, além de tratar-se de procedimento administrativo e aplicação do princípio da autotutela, estamos diante da análise histórica e fática.
Na opinião deste, compreendo que, conforme já inclusive informado pelo ministro Silvio Almeida, a revisão dos atos praticados pela Comissão de Anistia nos últimos quatro anos é, além de necessária, vital para a existência da própria comissão, como garantidora dos direitos humanos invocados pela lei 10.559/2002, fazendo-se necessária não só a revisão, mas a possibilidade de novos pedidos administrativos, visando novos julgamentos, ou pedidos de revisão dos casos em que, apesar do julgamento favorável da comissão, não tenha sido reconhecida a perseguição política.
[1] https://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/2019/10/18/damares-dispensa-conselheiro-da-comissao-de-anistia-que-representava-os-anistiados.ghtml
[2] https://www.estadao.com.br/politica/coluna-do-estadao/sob-damares-comissao-da-anistia-nega-85-dos-pedidos - Acesso em 30/01/2023
[3] https://www.metropoles.com/sem-categoria/governo-rejeitou-97-dos-pedidos-de-anistia-politica-em-2021 - Acesso em 30/01/2023.
[4]https://outroladodanoticia.com.br/2021/04/11/governo-quer-fim-da-comissao-de-anistia-em-2022-e-nega-90-dos-pedidos-de-reconhecimento-de-anistiados - Acesso em 30/01/2023