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COMPLIANCE EMPRESARIAL NÃO É SÓ UM TERMO DA MODA A SER USADO COM INVESTIDORES

O já clássico lema literário "Um por todos e todos por um" é uma expressão que remonta ao romance "Os Três Mosqueteiros", escrito pelo autor francês Alexandre Dumas (1844).

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Os arquetípicos três mosqueteiros, Athos, Porthos e Aramis, e o jovem D'Artagnan, unem-se para proteger a França contra conspirações e ameaças de inimigos internos e externos. No desenvolvimento dessa empreitada, os personagens se tornam amigos leais e juram defesa recíproca, reconhecendo que, independentemente das circunstâncias, tornam-se responsáveis uns pelos outros.

Com o tempo e difusão na cultura popular, o lema se tornou largamente conhecido e adotado por várias organizações, empresas, grupos e equipes em todo o mundo como um símbolo de unidade e cooperação. Nessa mesma sintonia, a moderna teoria empresarial esbanja em novas terminologias e ontologias sobre a criação de sinergias e convergências de propósitos em todas as estruturas empresariais e cadeias de suprimentos.

É neste ponto de partida que lançamos reflexão para o momento atual. Em vários veículos de impressa estão veiculadas notícias de que algumas empresas da vinicultura teriam subcontratado empresas para a colheita das uvas e estas subcontratantes, por sua vez, teriam utilizado trabalho análogo a escravo.

Nunca é despiciendo lembrar que toda situação deve passar pelo crivo do devido processo legal, assegurados substancialmente a ampla defesa e contraditório, mas já é possível refletir sobre a situação degradante evidenciada no tratamento desses trabalhadores e como a própria estrutura desse setor econômico pode ter falhado em permitir a ocorrência da situação.

Com efeito, não só a globalização econômica, mas as várias modalidades de estruturação empresarial através de redes contratuais e de suprimentos cada vez mais complexas colocam a seara jurídica em um anacronismo com a tradicional ideia de um centro de imputação único de responsabilidade na ocorrência de danos ou violações a bens juridicamente relevantes.

Atualmente, as cadeias produtivas das empresas envolvem todos os processos pelos quais as matérias-primas são transformadas em produtos finais. A marca da contemporaneidade é a ocorrência de cadeias longas e complexas, envolvendo múltiplos fornecedores, subcontratados, outras empresas e, em última análise, contratos de trabalho (típicos e atípicos) de pessoas que efetivamente, na realidade concreta e palpável interagem produzindo os elementos e produtos que entram nessas estruturas produtivas ao consumidor final.

Até mesmo do ponto de vista de limitação de responsabilidade, gerenciamento de riscos e passivos, as empresas têm incentivos para avançar na criação de múltiplas estruturas e personalidades jurídicas entrepostas em face de consumidores e trabalhadores.

É exatamente nesse ponto que surgem as atuais discussões de qual a verdadeira responsabilidade social não de um ponto único (empresa) dessas redes contratuais formadas, mas da própria rede em perspectiva dinâmica.

Se existe bem sedimentado no direito civil constitucional a função social da empresa, não deveria existir uma função social da rede empresarial?

A pergunta é necessária e deve ser respondida.

Tomando novamente o lema dos mosqueteiros, é inviável pensar outro cenário para direitos humanos fundamentais que não exatamente a responsabilidade recíproca e irrestrita de todos os agentes sociais. A negação de direitos humanos fundamentais e da própria dignidade humana, em qualquer ponto, instância ou situação é um ataque frontal à própria sociedade constitucional.

Ainda mais no que concerne direitos fundamentais básicos relativos ao trabalho. De longa data se sabe que a própria paz universal e duradoura se assenta num mínimo de diálogo e justiça social – como preconizado pela Declaração da Organização Internacional do Trabalho.

Assim, a primeira conclusão segura é que qualquer agente social que tenha ciência ou possa efetivamente prevenir situações de degradação de direitos fundamentais, tem o dever moral de fazê-lo – já o dever jurídico parece depender ainda de uma construção mais refinada.

Parece ser útil invocar mais uma vez o ferramental conceitual contemporâneo para falar das famosas assimetrias informacionais e externalidades negativas.

De forma simples, parece fazer sentido imputar o dever jurídico de prevenção naquele que arcará com menos custos na sua execução. Se espera não estar incorrendo em nenhuma heresia em face do Teorema de Coase, mas parece ser mais lógico imputar a responsabilidade por externalidades negativas (no caso, um grande eufemismo para uma violação frontal à dignidade humana) exatamente naqueles pontos de imputação que possuem um menor custo decorrente da assimetria de informações positivas a seu favor.

De uma maneira menos rebuscada, são as empresas principais das redes contratuais formadas que detém o conhecimento sobre o funcionamento da própria rede e através de suas políticas de compras, podem efetivamente ditar o comportamento de seus fornecedores e subcontratados.

Surge então a noção de "compliance" em toda a rede contratual. Não apenas nos próprios atos e contratos diretos, mas a vigilância sobre toda a cadeira de suprimentos na qual a empresa principal se insere.

Se o dever moral de prevenção não for estímulo suficiente para a adoção de práticas concretas de fiscalização ao longo da cadeia produtiva ou mesmo superar o receio de que esta fiscalização venha a configurar ingerência e responsabilidade civil ou trabalhista em face da rede, é interessante lembrar que numa sociedade informacional e hiper conectada o consumo consciente vem ganhando relevância. Assim, as violações dos direitos humanos nas cadeias produtivas podem ter graves consequências para as empresas envolvidas. A exposição pública de tais violações pode prejudicar a reputação da empresa, afetando sua imagem e a lealdade do cliente (importante lembrar que a marca hoje em dia é ativo relevante em balanços corporativos). Além disso, as empresas podem enfrentar processos judiciais, multas ou sanções regulatórias. A cadeia produtiva pode ser interrompida se houver um boicote dos consumidores.

Portanto, para além do dever jurídico propriamente dito, parece ser no melhor interesse das empresas tomar medidas proativas para evitar violações dos direitos humanos em suas cadeias produtivas. Medidas já reconhecidas como relevantes são a implementação de políticas e procedimentos que garantam a conformidade com os padrões de direitos humanos em todas as fases da cadeia produtiva; identificação dos riscos de violações dos direitos humanos, avaliar os fornecedores e subcontratados para garantir que cumpram as normas, monitorar continuamente as condições de trabalho e estabelecer mecanismos de reclamação e reparação para os trabalhadores.

Nesse passo, agora contemplando a questão jurídica propriamente dita, parece ser possível, sempre com atenção ao caso concreto, verificar se não ocorreu uma situação de violação da boa-fé objetiva derivada não de contratos singulares, mas em face da própria cadeia produtiva e rede contratual.

Com efeito, se existia situação de ciência ou mesmo, por decorrência da dinâmica de interação comercial existia um dever de fiscalização ou expectativa de conhecimento legítimo de que os valores ou condições pactuadas com as subcontratadas seriam manifestamente insuficientes para um trabalho minimamente digno, é possível pensar na responsabilização ao longo da rede contratual.

Nesse particular, parece despontar exatamente a tradicional quesitação sobre o quanto de trocas informacionais são necessárias para o melhor modelo regulatório e de fiscalização – o que, por sua vez, atrai a pergunta sobre o papel das instituições.

Com efeito, parece ser salutar para essas questões que envolvem a aferição de medidas de responsabilização de uma rede contratual, a adoção de práticas de processo estrutural.

A tutela coletiva, a ser desempenhada pelo Ministério Público do Trabalho, pode focar exatamente na aferição de como a rede contratual se comporta, sendo de todo relevante a expansão subjetiva dos inquéritos e procedimentos em curso para exatamente auxiliar, sempre que possível dentro de uma perspectiva autocompositiva, exatamente nos mecanismos de compliance em face de toda a rede contratual.

Já o Poder Judiciário, também pode se tornar um fator positivo na construção de resoluções concretas preventivas e que não foquem apenas na indenização de bens jurídicos violados, mas que efetivamente permita prevenir a lesão e a ameaça a direitos, notadamente aqueles essenciais da dignidade humana do trabalhador. Construção de tutelas inibitórias e obrigações de fazer exatamente sobre os mecanismos de controle e fiscalização ao longo da cadeia produtiva parecem ser medidas relevantes e que encontram amparo na moderna teoria processual, notadamente na faculdade legal expressa de providências que assegurem o resultado prático equivalente.

Parece ser importante relembrar esse compromisso social básico — um por todos e todos por um — com a dignidade humana que deve se refletir não apenas na conduta das instituições, mas deve ser efetivamente um norte para as próprias culturas e práticas empresariais contemporâneas. A vigilância e um compliance ativo em face das redes contratuais tem que ser algo real, concreto e muito mais do que apenas um tópico de um slide sobre práticas "ESG" apresentado à investidores.