O "I" DA SIGLA LGBTQIA+ E O REGISTRO CIVIL DE CRIANÇAS INTERSEXUAIS
Muitos não sabem, mas o "I" da sigla LGBTQIA+ refere-se às pessoas intersexuais. Pessoas intersexuais são aquelas que nascem com características que não se enquadram nas definições típicas de corpos femininos ou masculinos, isso seja por suas anatomias sexuais, órgãos reprodutivos, padrões hormonais e/ou padrões cromossômicos.
O termo "hermafrodita" há muito não é mais utilizado para se referir às pessoas intersexo, tanto por ser considerado estigmatizante, quanto por ser cientificamente inadequado, pois há diversas causas diferentes para a intersexualidade.
Essas características podem ser aparentes já no nascimento ou desenvolvidas no decorrer da vida, como no surgimento da puberdade, de maneira que, muitas vezes, as pessoas intersexo podem nem mesmo saber que o são. Inclusive, ter variadas orientações sexuais com identidade de gênero.
Em razão dessas características, pessoas intersexuais enfrentam estigmas resultantes de discriminação e ignorância da sociedade, e que podem ocorrer até mesmo em consultórios médicos. Esse preconceito resulta em violações de direitos básicos, como o direito à saúde e à integridade física.
Apesar do espanto com que muitos tratam da questão, a maior parte das condições relacionadas à intersexualidade sequer representa risco de vida à eles. Porém, mesmo com todo o estudo e avanço sobre o tema, os protocolos e tratamentos vigentes no Brasil ainda insistem em olhar para os indivíduos nesta condição como "doentes", considerando errados os corpos de muitas crianças que não encaixam em um certo padrão.
Nesse ponto, apensar de existirem 54 estados de intersexo já conhecidos e que vão muito além de uma genitália ambígua, ainda pouco se vê uma luta acentuada contra o estigma e o preconceito que violentam as pessoas intersexuais. Pelo contrário, elas seguem sendo submetidas a práticas de intervenção ditas "corretoras", em grande parte não emergenciais, cosméticas e mutiladoras, com destaque às cirurgias genitais não consentidas feitas ainda na infância.
Vale a pena destacar que, segundo a ONU, a intersexualidade atinge 1,7% das pessoas recém-nascidas, mas esse número pode ser ainda maior, porque algumas pessoas somente descobrem esses traços durante a puberdade, ou já adultos, ou nunca chegam a descobrir. Estima-se que, no Brasil, 167 mil pessoas sejam intersexo.
Fato é que nascer intersexo neste mundo não é fácil, é uma jornada com muitos desafios, pois como mencionado, a sociedade tenta a todo custo os apagar. E esse foi o caso do menino Jacob, uma criança nascida nessas condições no Estado de São Paulo no ano de 2018 e que demorou seis meses para poder registrar seu nascimento. Os médicos ao se depararem com as condições da criança, se recusaram a atestar o sexo dela, que, sem o registro, passou meses "sem existir" para o SUS e até para os convênios médicos, simplesmente porque não tinha um sexo definido. Um risco, já que o bebê era portador de cardiopatia. Ao fim, infelizmente, o bebê acabou falecendo.
Para regulamentar essa situação jurídica, O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou o uso do termo "ignorado" no campo "sexo", para o registro civil de crianças intersexo. A única exigência para realizar essa opção no registro da criança é um documento emitido pelo médico no ato do nascimento, que deve ser apresentado para realização do registro em Cartório, a fim de comprovar a constatação da Anomalia de Diferenciação de Sexo (ADS) pelo profissional responsável pelo parto.
Embora haja muito o que avançar para a garantia dos direitos de pessoas intersexo, a regulamentação representa um avanço importante. Com essa medida, crianças intersexo brasileiras conseguirão obter com mais facilidade a certidão de nascimento — um direito fundamental para a garantia da cidadania.