NOVAS IMPLEMENTAÇÕES NO PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL FEDERAL
Aspectos gerais
O Direito Ambiental começou o ano com uma importante alteração. O Decreto Federal nº 6.514/08, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, foi alterado pelo Decreto Federal nº 11.373/23, publicado em 1 de janeiro de 2023.
Foram três as alterações mais relevantes do ponto de vista jurídico e que devem ser compreendidas por aqueles que atuam na esfera do agronegócio ou que, de alguma forma, possam sofrer impacto com tais modificações.
Percentual destinado ao Fundo Nacional do Meio Ambiente
A primeira e substancial alteração foi em relação ao percentual de valores arrecadados pela União com multas sobre infrações ambientais repassado ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). O percentual que era de 20%, passou a ser de 50%, podendo este montante ser alterado, a critério dos órgãos arrecadadores.
O FNMA, embora criado em 1989 pela Lei Federal nº 7.797/89, somente foi regulamentado em 2020 pelo Decreto Federal nº 10.224/20. O FNMA tem natureza contábil e financeira e se destina ao apoio de projetos que objetivem o uso racional e sustentável de recursos naturais, incluída a manutenção, a melhoria ou a recuperação da qualidade ambiental, com vistas a elevar a qualidade de vida da população brasileira (artigo 1º, do Decreto 10.224/20 [1]).
Extinção do Núcleo de Conciliação Ambiental
A segunda, e talvez mais importante alteração, se deu com a extinção do Núcleo de Conciliação Ambiental.
Antes dessa alteração, o Decreto 6.514/08 previa uma audiência de conciliação no órgão ambiental, cuja finalidade era encerrar o processo administrativo ambiental antes mesmo de apresentação de defesa por parte do infrator, o que reduziria o tempo de tramitação do processo.
Tratava-se de um "acordo" celebrado entre o infrator e o órgão ambiental, sendo oferecido ao infrator alternativas legais para encerrar o procedimento administrativo sem que fosse necessário todo o trâmite de um processo administrativo. O "acordo", no entanto, não poderia comprometer a recuperação do dano ambiental.
O instituto da conciliação é um instrumento valioso como solução alternativa para encerrar litígios, mas, neste caso, a provável justificativa dessa extinção foram as dificuldades e ausência de melhores resultados do sistema conciliatório, tendo se tornando uma instância burocrática, na opinião de alguns.
Isso porque a conciliação, nesse caso, limitava-se a disponibilizar em audiência as opções para o encerramento do processo (pagamento, parcelamento — aqui, havia ainda a possibilidade de um desconto - ou conversão de multa), sem que houvesse uma discussão sobre o mérito da infração e medidas cautelares ou até sobre estabelecer a reparação do dano. O que acontecia, na prática, era apenas um prolongamento de todo o trâmite do processo e uma baixa efetividade das audiências.
Agora, extinta a possibilidade de "acordo", ao autuado é concedido o prazo de 20 dias para apresentação de defesa ou impugnação, caso não concorde com a sanção aplicada ou, se preferir, terá a oportunidade de aderir a uma das soluções legais propostas para encerrar o processo. São elas: a) pagamento da multa com desconto; b) parcelamento da multa; ou c) conversão da multa em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente.
Ou seja: ainda que não haja mais a audiência conciliatória, é possível antecipar a finalização do processo administrativo.
Faltou, no entanto, uma regra de transição para os casos que já estavam em andamento, lacuna esta que pode causar alguma insegurança jurídica aos autuados.
Da conversão da multa em serviços ambientais
Especificamente sobre a possibilidade de conversão da multa em serviços ambientais, ressalta-se a importância de uma avaliação jurídica de oportunidade e conveniência, pois o Decreto 11.373/23 estabelece descontos diferenciados sobre o valor da multa de acordo com o momento do requerimento da conversão.
A intenção do legislador, aqui, foi de aprimorar o instituto, buscando maior adesão dos autuados a essa hipótese de resolução dos processos administrativos.
Essa conversão será decidida pela autoridade julgadora no momento do julgamento do Auto de Infração, considerando as peculiaridades do caso concreto, os antecedentes do infrator e o efeito dissuasório da multa ambiental [2].
Deferida a conversão, será firmado um termo de compromisso ambiental (TCA) com o órgão competente, que terá efeitos nas esferas cível e administrativa. O TCA tem como objetivo o comprometimento do autuado para com o órgão ambiental de que a prestação dos serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente serão efetivamente realizados.
Procedimento
A conversão da multa em serviços ambientais poderá ser operacionalizada de duas formas: 1) direta, quando o próprio autuado apresenta uma proposta de serviço ambiental ao órgão competente ou 2) indireta, quando o autuado adere a um serviço ambiental previamente estabelecido pelo órgão competente [3]. Aqui, os descontos para a conversão da multa em serviços ambientais também variam conforme a modalidade de conversão escolhida e o momento do seu requerimento [4].
Vejamos de maneira mais simplificada:
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Forma Direta |
Forma Indireta |
Conversão da multa em serviço ambiental: |
O autuado apresenta uma proposta de serviço ambiental ao órgão competente. |
O autuado adere a um serviço ambiental previamente estabelecido pelo órgão competente. |
Percentual de desconto sobre a multa aplicada: |
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Assim, embora a principal diferença entre a conversão direta e a conversão indireta seja a adesão a um projeto indicado pelo órgão federal competente, essa escolha impacta de forma muito significativa no percentual do desconto a ser aplicado ao autuado. Ainda, o impacto da solicitação de conversão da multa é diferente, a depender do momento em que o autuado opta por fazê-la.
A fim de facilitar a visualização sobre o que mudou após a vigência do Dec. 11.373/23, elaboramos a tabela abaixo.
Na forma direta:
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Forma Direta |
Forma Indireta |
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Momento de opção pela conversão da multa: |
Antes do Dec. 11.373/23 |
Após o Dec. 11.373/23 |
Antes do Dec. 11.373/23 |
Após o Dec. 11.373/23 |
Defesa Administrativa: |
35% do valor da multa. |
40% do valor da multa. |
40% do valor da multa. |
60% do valor da multa. |
Alegações Finais: |
Não havia essa hipótese. |
35% do valor da multa. |
Não havia essa hipótese. |
50% do valor da multa. |
Ressalta-se que não existe mais a possibilidade de desconto no caso de parcelamento da multa ambiental na esfera federal. Então, restou apenas o desconto de 30%, no caso do pagamento à vista [5], ou os descontos aplicados pela autoridade ambiental ao deferir o pedido de conversão da multa em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente, conforme descrito acima.
Portanto, a modalidade indireta de conversão da multa em serviços ambientais parece ser a mais atrativa tanto ao infrator, que recebe um desconto maior, como ao órgão ambiental, em razão de ser um instrumento arrecadatório mais eficiente em relação ao pagamento da multa.
Considerações finais
É de fundamental importância um olhar atento aos processos que já estavam em trâmite antes da entrada em vigor do Decreto 11.373/23, pois o direito adquirido dos autuados, tal como a audiência de conciliação, por exemplo, deve ser respeitado.
Os dispositivos antigos, por sua vez, devem ser regulamentados, a fim de garantir a transição do antigo modelo para o novo modelo implementado pelo Decreto 11.373/23.
A partir de todas as alterações procedimentais, é importante acompanhar os trâmites dos processos decorrentes de autuações ambientais com o objetivo de avaliar os impactos das alterações trazidas pelo Decreto 11.373/23 nos processos administrativos ambientais em âmbito federal.
Além disso, em que pese as alterações dizerem respeito à legislação federal, é possível que, eventualmente, sejam também alteradas as legislações estaduais e municipais. Isso porque em regra, a legislação federal serve como norte ao legislador estadual e municipal, existindo chance, portanto, de serem revogados outros dispositivos que tratam sobre esse tema em outras esferas.
[1] Artigo 1º O Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, tem natureza contábil e financeira e se destina a apoiar projetos que objetivem o uso racional e sustentável de recursos naturais, incluída a manutenção, a melhoria ou a recuperação da qualidade ambiental, com vistas a elevar a qualidade de vida da população brasileira.
Parágrafo único. Serão destinados recursos financeiros para a análise, a supervisão, o gerenciamento e o acompanhamento dos projetos apoiados, nos termos do disposto no artigo 3º e no artigo 4º.
[2] "Artigo 145. A autoridade julgadora deverá, em decisão única, julgar o auto de infração e o pedido de conversão da multa por ocasião do julgamento do auto de infração.
§1º A autoridade julgadora considerará as peculiaridades do caso concreto, os antecedentes do infrator e o efeito dissuasório da multa ambiental, e poderá, em decisão motivada, deferir ou não o pedido de conversão formulado pelo autuado, observado o disposto no artigo 141".
[3] "Artigo 142-A. O autuado, ao pleitear a conversão de multa, deverá optar pela:
I - conversão direta, com a implementação, por seus meios, de serviço de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente, no âmbito de, no mínimo, um dos objetivos previstos no caput do artigo 140; ou
II - conversão indireta, com adesão a projeto previamente selecionado pelo órgão federal emissor da multa, na forma estabelecida no artigo 140-B, observados os objetivos previstos no caput do artigo 140".
[4] "Artigo 143. [...]
§2º A autoridade ambiental, ao deferir o pedido de conversão, aplicará sobre o valor da multa consolidada o desconto de:
I - quarenta por cento, na hipótese prevista no inciso I do caput do artigo 142-A, se a conversão for requerida juntamente com a defesa;
II - trinta e cinco por cento, na hipótese prevista no inciso I do caput do artigo 142-A, se a conversão for requerida até o prazo das alegações finais;
III - sessenta por cento, na hipótese prevista no inciso II do caput do artigo 142-A, se a conversão for requerida juntamente com a defesa; ou
IV - cinquenta por cento, na hipótese prevista no inciso II do caput do artigo 142-A, se a conversão for requerida até o prazo das alegações finais.”
[5] "Artigo 113. O autuado poderá, no prazo de vinte dias, contado da data da ciência da autuação, oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração.
Parágrafo único. O desconto de trinta por cento de que tratam o §2º do artigo 3º e o artigo 4º da Lei nº 8.005, de 22 de março de 1990, será aplicado na hipótese de o autuado optar pelo pagamento da multa à vista".