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EVENTO NA OABRJ DISCUTIU RACISMO DENTRO DO FUTEBOL

Debate foi promovido por duas comissões e contou com a participação de ex-atletas, dirigentes e jornalistas esportivos

 

Realizado pela Comissão de Direito Desportivo (CDD) em conjunto com a Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil (Cevenb), o evento "Futebol e a reparação da escravidão: a nova Lei de Injúria Racial Desportiva - Lei Federal nº 14.532/2023" levou ao Salão Nobre Antonio Modesto da Silveira, na sede da Seccional, importante debate sobre o cenário enfrentado pela população negra dentro do mundo do futebol e os desafios no combate ao racismo. 

"É importante integrar várias comissões nas discussões, e quando falamos sobre racismo, é impossível abordar esse tema sem pensar na dívida histórica e na sua reparação efetiva no presente", afirmou a presidente da CDD, Renata Mansur.

 

"Este é um tema que temos que exterminar. Quero chegar aqui um dia e não falar mais sobre esse assunto porque teremos conseguido passar por cima da questão do racismo no esporte e na sociedade. Não há mais espaço para permitirmos o racismo, mas, ao mesmo tempo, temos que utilizar todos os espaços para discutir essa pauta. Não podemos deixar de falar sobre o racismo, mas precisamos de medidas de coibição dessa prática odiosa".



Ao lado de Renata, esteve no comando do evento o presidente da Cevenb, Humberto Adami, e sua vice, Alessandra Santos, que atuou como mediadora do encontro.

"A reparação da escravidão é o tema mais importante do Brasil, porque falamos muito sobre o combate ao racismo e as ações afirmativas, mas quando analisamos 400 anos de escravidão, não podemos acreditar que só isso será suficiente", afirmou Adami em seu discurso inicial.

 

"A luta pela reparação da escravidão acontece não apenas no Brasil, mas em países como Estados Unidos, França, Inglaterra, Jamaica e Portugal, entre outros. Aqui, temos 90 dias da Lei de Injúria Racial, e ainda não vi nenhum preso. Só aumentar as penas não resolverá esse problema. Talvez seja o caso de pensarmos em penas alternativas, para que esta não se torne uma lei em desuso".



Jornalista esportivo do Grupo Globo, Marcos Luca Valentim foi o primeiro convidado a fazer uso da fala e relembrou o estigma associado aos goleiros negros que permanece vivo no futebol desde a Copa do Mundo de 1950.

"Lamento muito que os clubes, com a exceção do Olaria, não tenham enviado seus representantes hoje", afirmou Valentim.

"Pode ser que amanhã tenhamos um caso de racismo no futebol e a maioria dos clubes que não estão aqui entrará em campo com faixas condenando o racismo. No entanto, perderam uma grande oportunidade de discutir o tema.  O futebol em particular é o espaço mais permissivo, no qual é possível xingar, ofender, violentar e depois partir tranquilamente para casa sob o pretexto de que tais manifestações e ofensas são uma mera catarse", enfatizou.

Segundo Valentim, o goleiro Barbosa, que era negro, foi responsabilizado pela derrota na final da copa de 1950, e depois disso, goleiros na base, como foi o caso do Aranha, eram instruídos a buscarem outras posições porque 'goleiros negros não vingavam'. "E isso acontece porque a posição do goleiro é vista como um cargo de responsabilidade e essa ideia explica também porque praticamente não temos técnicos ou dirigentes negros. Os negros proporcionam o show, mas nunca são aqueles que gerenciam o show".

Completaram a mesa o jornalista Wellington Silva, ex-vice-presidente de Comunicação do Flamengo e ex-secretário de Comunicação Social do Supremo Tribunal Federal; o ex-presidente do Flamengo e atual deputado federal Eduardo Bandeira de Mello (PSB-RJ); e o ex-jogador e comentarista esportivo Edinaldo Batista Libânio, o Grafite, que comentou casos de racismo, como o que sofreu no Estádio do Morumbi, durante uma partida pela Copa Libertadores da América. 

"Antes o que acontecia dentro do campo  ficava dentro do campo, mas hoje não há mais espaço para isso", afirmou Grafite.

 

"Acho que todos aqui se lembram do incidente que aconteceu comigo em 2005, quando eu atuava pelo São Paulo, com o argentino Leandro Desábato. Ele me ofendeu com uma injúria racial dentro de campo, eu o agredi, e fomos ambos expulsos. Posteriormente , o delegado foi ao vestiário, fomos à delegacia e ele passou uns dias preso. Curiosamente, quinze dias antes, tínhamos enfrentado o Quilmes na Argentina e encontramos um ambiente muito pior e muito mais hostil, no qual arremessaram bananas no campo e quase fomos agredidos pelos torcedores. Isso, infelizmente, é comum nas competições sul-americanas". 



Com uma longa passagem pelo futebol alemão, onde atuou pelo Wolfsburg, Grafite citou dois casos do futebol europeu que exemplificam como a cultura do racismo permanece arraigada no esporte. "Existem dois casos bastante emblemáticos que eu sempre cito", relembrou o ex-atacante.

"O primeiro deles é o do Marega, que foi agredido verbalmente por torcedores rivais quando atuava pelo Porto, em Portugal, e quis sair de campo. Seus companheiros de time, brancos, tentaram dissuadi-lo da ideia, mas eles nunca sentirão aquela dor, de ser agredido pela cor da sua pele. Outro caso é o do empresário alemão, Dietmar Hopp, proprietário do Hoffenheim, que é detestado pelos torcedores rivais. Em um jogo do campeonato alemão, ele estava na tribuna e a torcida do Bayern de Munique começou a xingá-lo. O juiz interrompeu a partida e os jogadores do Bayern foram até a torcida pedir que os insultos parassem. Aí está a diferença: um jogador negro não teve ninguém que o defendesse, enquanto um empresário branco teve o apoio dos jogadores rivais". 

A cautela dos jogadores brasileiros em se posicionar contra o racismo também foi um ponto abordado por Grafite em sua fala.

"Infelizmente, o racismo está incrustado na nossa sociedade, e o nosso capitalismo foi construído em cima do racismo e da escravidão", disse Grafite.

"Já vi racismo por parte de dirigentes, torcedores e jogadores, e já vi atletas não se posicionarem por temer retaliações. Sempre me perguntam por que jogadores brasileiros não se posicionam contra o racismo como atletas das ligas esportivas dos Estados Unidos. Isso acontece muito por medo de retaliações, mas também por falta de conhecimento. Os jogadores da NBA são convocados a partir das universidades, e têm um maior conhecimento. Isso não acontece aqui. É importante punir, mas é mais importante prevenir, e aqui no Brasil, o tema só é discutido no 13 de maio, no 20 de novembro, ou quando temos algum caso mais específico".

A questão também foi abordada por Valentim, que analisou as diferenças culturais e sua influência nos protestos de atletas no Brasil e no exterior.

 

"É importante compreender a amplitude do debate", afirmou o jornalista. "Muitos se perguntam por que os atletas negros brasileiro não se posicionam como os americanos. Mas quando os atletas americanos fazem um protesto contra o racismo, as pessoas brancas, ainda que possam questionar os métodos utilizados, sabem que o problema existe. No Brasil não. Um protesto contra o racismo será visto como vitimismo e mimimi. Se a sociedade não abraça esse tema, como os jogadores poderão levantar essa bandeira? No Brasil ainda segue vivo o mito da democracia racial".



O evento contou, ainda, com uma mesa de abertura que incluiu a secretária-adjunta da OABRJ, Mônica Alexandre; os secretários da Cevenb, Wagner de Oliveira e Márcia Cristina dos Santos Braz, e a professora Anna Carla Rosa, integrante da Cevenb, que anunciou o lançamento de seu livro de contos "É simples assim". Em sua participação, o deputado Bandeira de Mello falou dos esforços necessários para que os clubes ampliem sua responsabilidade social. 

"Agora que atuo como deputado federal, estou propondo a criação de uma frente parlamentar de modernização do futebol, associando o futebol às melhores práticas e à responsabilidade social", afirmou o deputado.

"Em nossa passagem pelo Flamengo, não fizemos nada além do que seria a nossa obrigação, mas isso foi encarado como algo inovador. Daqui pra frente, o desafio deve ser muito maior do que ser responsável na área fiscal, administrativa ou trabalhista. Temos que avançar na responsabilidade social e ambiental. Os clubes têm que demonstrar que respeitam a diversidade, e que são antirracistas. Essa bandeira de vocês deve ser a nossa, e acho que, dando o exemplo dentro do futebol, isso certamente terá um efeito positivo na sociedade. Todos nós viemos de uma herança racista, e precisamos nos policiar todos os dias".